'Estou morrendo de sede', diz brasileira, que morreu no Novo México, EUA, em últimos áudios enviados à família; ouça
Em série de gravações, obtidas pelo GLOBO, técnica de enfermagem relata seu desespero para sobreviver sozinha, sem água e comida, em meio ao deserto, na travessia entre México e EUA
Raphaela Ramos e Arthur Leal
17/09/2021 - 14:00
/ Atualizado em 19/09/2021 - 10:12
Lenilda Oliveira, de 49 anos, morreu ao tentar entrar nos EUA Foto: Reprodução
RIO — Áudios enviados à família e a amigos pela técnica de enfermagem Lenilda Oliveira dos Santos, de 49 anos, durante a travessia do México para os Estados Unidos, mostram que, apesar do cansaço, da sede e da frustração por ter sucumbido às próprias limitações físicas nos quilômetros finais, ela mostrava confiança de que os companheiros de grupo, que a deixaram para trás, voltariam para socorrê-la de alguma forma. Nas gravações, obtidas com exclusividade pelo GLOBO, é possível notar que, enquanto espera socorro, Lenilda oscila momentos em que parece mais confiante e outros em que a voz, mais fraca, entrega que ela já estava à beira da exaustão. Ela foi
encontrada morta esta semana pela polícia ao sul da cidade de Deming
, no Novo México (EUA).
“Eu dormi aqui, não aguentei. Estou sozinha, mas eles estão vindo me buscar, pode ficar de boa”, informou ao irmão no último áudio que enviou por celular para ele, no dia 7 deste mês, um dia depois de ter sido abandonada.
Em outros momentos, para tranquilizar a família, ela ressaltava que faltava pouco para realizar seu sonho de chegar a solo americano. “Eu já estou chegando, já, faltando pouquinho para chegar e eu não aguentei (…) Mas estou bem, eles estão vindo me buscar".
Lenilda dos Santos morreu de fome e sede na travessia da fronteira entre México e EUA: 'uma das situações mais tristes que já vi', diz policial.
Em uma gravação, o tom de Lenilda parece mudar, o que sugere que ela foi gradativamene perdendo a certeza de que o grupo voltaria para buscá-la. Ela fazia a travessia com outras três pessoas e um guia, conhecido como "coiote" entre ilegais que tentam atravessar a fronteira.
“Eu esperei até 11 horas, mas ninguém veio. Eu peguei e saí do lugar”, avisa. Desesperada e já mostrando estar desidratada, a técnica de enfermagem pede aos companheiros de grupo que levem água:
“Eu estou escondida. Manda ela trazer uma água para mim, porque não estou aguentando de sede”.
“Eu dormi aqui, não aguentei. Estou sozinha, mas eles estão vindo me buscar, pode ficar de boa”
Lenilda ainda insiste em tentar detalhar sua localização, mas também sem sucesso:
“Deixa eu te falar, eu vim direto, atravessei a cerca e vim direto. Não tem erro. Eu estava debaixo daquela rede de internet, de energia; atravessei a cerca e vim direto, reto”.
Em uma gravação, com voz desfalecida, Lenilda dá sinais de que esta muito cansada:
“Andei um pouquinho para trás, ele mandou eu parar”. Nesse momento, a família acredita que ela quis dizer que não voltou no percurso em busca de algum lugar teoricamente mais seguro justamente porque o coiote que liderava o grupo teria dito a ela que ficasse ali, parada, e o esperasse. O grupo não retornou para resgatá-la.
Imigrantes que buscam asilo nos EUA caminham no Rio Grande perto da Ponte Internacional entre o México e os EUA enquanto esperam para ser processados em Ciudad Acuña, no México. De acordo com autoridades, alguns imigrantes cruzam de um lado para outro do México para comprar comida e suprimentos Foto: GO NAKAMURA / REUTERS - 16/09/2021
Grupo de imigrantes descansam perto da Ponte Internacional entre México e EUA enquanto esperam para serem processados, em Del Rio, Texas, EUA Foto: GO NAKAMURA / REUTERS - 16/09/2021
Mais de 8 mil imigrantes ilegais, a maioria haitianos, estão sendo mantidos por autoridades norte-americanas em um acampamento improvisado no sul do Texas, após cruzarem em massa a fronteira pelo lado do México Foto: GO NAKAMURA / REUTERS - 16/09/2021
Imigrantes têm entrado nos Estados Unidos desde terça-feira (14) através da região de Del Rio, sobrecarregando autoridades de imigração americanas Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
Milhares de imigrantes estão dormindo ao ar livre e carecem de serviços básicos em Del Rio Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
Criança haitiana junto a grupo de imigrantes que aguardam para entregar documentos a representantes de organizações sociais para regularizar sua situação de imigração na praça Benito Juarez, em Tapachula, no estado de Chiapas, México Foto: EDGARD GARRIDO / REUTERS - 14/09/2021
Nova emergência humanitária: fronteira sul tem registrado número recorde de chegadas de imigrantes ilegais desde a posse de Joe Biden como presidente dos EUA, em janeiro Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
A Patrulha de Fronteira dos EUA enviou reforços a Del Rio, por receio que mais imigrantes possam atravessar a fronteira nos próximos dias Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
Segundo o jornal "The Washington Post", muitos dos imigrantes que chegam aos EUA agora deixaram o Haiti após terremoto de 2010 rumo, especialmente, a Brasil e Chile. Crise gerada pela pandemia teria levado o grupo, agora, ao norte das américas Foto: GO NAKAMURA / REUTERS - 15/09/2021
Imigrantes em busca de asilo caminham sob a Ponte Internacional entre México e EUA Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
Grupo carrega alimentos e suprimentos enquanto espera por processamento em Ciudad Acunã, México Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
compram comida de um vendedor de rua perto da Ponte Internacional entre o México e os EUA, em Ciudad Acuna, México, Foto: GO NAKAMURA / REUTERS
Famílias de migrantes em busca de asilo de Honduras e Guatemala caminham por uma estrada de terra depois de cruzar ilegalmente o Rio Grande para os EUA vindo do México, em Penitas, Texas Foto: Adrees Latif / REUTERS - 10/01/2019