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Política Flávio Bolsonaro

Exclusivo: MP do Rio descobre que Flávio usou R$ 86,7 mil em espécie na compra de salas comerciais

Informação foi confirmada pelo senador durante depoimento em inquérito que apura a prática de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio
Entrevista com o Senador Flavio Bolsonaro em seu gabinete Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Entrevista com o Senador Flavio Bolsonaro em seu gabinete Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO —  A compra de salas comerciais pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) teve o uso de R$ 86,7 mil em dinheiro vivo enquanto ele era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio. É o que revelam as construtoras envolvidas na operação e o próprio Flávio em depoimento ao Ministério Público do Rio (MP-RJ) ao qual O GLOBO teve acesso.

No relato, o parlamentar afirmou aos promotores que pediu os valores emprestados para o pai, o presidente Jair Bolsonaro, e um irmão — sem identificar qual deles. Flávio também citou a possível ajuda de Jorge Francisco, pai do ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, e chefe de gabinete de Jair Bolsonaro de janeiro de 2001 a março de 2018, quando faleceu.

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Os relatos do senador ocorreram em 7 de julho para o promotor Luis Fernando Ferreira Gomes no inquérito que apura a prática de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio. No depoimento, Gomes relatou a Flavio que a Cyrella e a TG Brooksfield informaram ao MP que ele pagou R$ 86.779,43 com dinheiro em espécie, por meio de depósitos bancários, no ano de 2008, para a compra de 12 salas comerciais no Barra Prime Offices — um centro comercial de alto padrão na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) admitiu que pegou empréstimo de R$ 86,7 mil em espécie com o presidente Jair Bolsonaro e um irmão para aquisição de salas em 2008, em depoimento ao Ministério Público do Rio, em 7 de julho
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) admitiu que pegou empréstimo de R$ 86,7 mil em espécie com o presidente Jair Bolsonaro e um irmão para aquisição de salas em 2008, em depoimento ao Ministério Público do Rio, em 7 de julho

A venda foi registrada em cartório em 16 de setembro de 2010, mas Flávio e as corretoras fizeram um contrato de “instrumento particular de compra e venda” em 5 de dezembro de 2008. Outros valores foram quitados com cheques e com boletos bancários. Flávio foi questionado pelos promotores sobre a origem do dinheiro em espécie.

Dados da investigação Foto: MP-RJ
Dados da investigação Foto: MP-RJ

— Eu saí pedindo emprestado para o meu irmão, para o meu pai, eles me emprestaram esse dinheiro. Tá tudo declarado no meu imposto de renda, que foi comprado dessa forma (por meio de empréstimo). Depois eu fui pagando a eles esses empréstimos. Acho que o Jorge (Francisco), que era chefe de gabinete do meu pai, também me ajudou — respondeu Flávio aos promotores.

Negociações

As salas acabaram revendidas por Flávio 43 dias depois do registro em cartório, de 2010. Segundo reportagens do portal UOL e do jornal “Folha de S.Paulo”, os imóveis foram formalmente adquiridos por valores entre R$ 192,5 mil e R$ 342,5 mil cada. No total declarado, as salas chegavam a R$ 2,6 milhões. Antes de revender, Flávio pagou apenas 12% do financiamento. Menos de dois meses depois, no dia 29 de outubro, o senador vendeu as salas e cedeu o restante do financiamento a uma empresa chamada MCA, obtendo um lucro R$ 318 mil.

Os esquemas de Flávio Bolsonaro segundo o MP
BOLSOTINI
CHOCOLATES
E CAFÉ LTDA
Injeção de
recursos na empresa:
Lucros recolhidos entre
2015 e 2018
por Flávio Bolsonaro:
Lucros recolhidos entre
2015 e 2018
por Alexandre Santini:
Gastos declarados de Flávio e Fernanda Bolsonaro:
Custo total da empresa
R$ 1 milhão
R$ 600 mil
R$ 978,2 mil
R$ 506,8 mil
Valor de aquisição da
loja de chocolates
De acordo com o MP, o investimento total na loja não era compatível com a renda do casal Flávio e Fernanda Bolsonaro. O MP apontou ainda que Fernanda, embora não figurasse no quadro social, cobriu parte da cota de Flávio e o total da cota de seu sócio, Alexandre Santini.
R$ 800 mil
A discrepância nos valores recolhidos, aliada à falta de investimento de Alexandre, levam o MP a suspeitar que o sócio de Flávio tenha sido usado como laranja para camuflar a origem dos recursos
da loja.
Capital social
da empresa
R$ 200 mil
50%
50%
Flávio
Bolsonaro
Alexandre
Santini
Os esquemas de Flávio
Bolsonaro segundo o MP
Flávio
Bolsonaro
Injeção de recursos na empresa:
Gastos declarados de Flávio e Fernanda Bolsonaro:
R$ 600 mil
BOLSOTINI
CHOCOLATES
E CAFÉ LTDA
De acordo com o MP, o investimento total na loja não era compatível com a renda do casal Flávio e Fernanda Bolsonaro. O MP apontou ainda que Fernanda, embora não figurasse no quadro social, cobriu parte da cota de Flávio e o total da cota de seu sócio, Alexandre Santini.
Custo total da empresa
R$ 1 milhão
Valor de aquisição da
loja de chocolates
R$ 800 mil
Capital social
da empresa
R$ 200 mil
50%
50%
Flávio
Bolsonaro
Alexandre
Santini
BOLSOTINI
CHOCOLATES
E CAFÉ LTDA
Lucros recolhidos entre
2015 e 2018
por Flávio Bolsonaro:
Lucros recolhidos entre
2015 e 2018
por Alexandre Santini:
R$ 978,2 mil
R$ 506,8 mil
A discrepância nos valores recolhidos, aliada à falta de investimento de Alexandre, levam o MP a suspeitar que o sócio de Flávio tenha sido usado como laranja para camuflar a origem dos recursos da loja.
Flávio
Bolsonaro
Alexandre
Santini

Ao longo do depoimento, o promotor também questionou Flávio sobre como foram pagos os empréstimos feitos junto a seus familiares para custear as salas. O senador disse que também retornou os valores em dinheiro vivo.

— Não. Era em espécie, em dinheiro — afirmou Flávio, quando lhe foi perguntado se recebeu o empréstimo integralmente e se o pagou integralmente ou parcelado.

O senador disse que não se recordava:

— Como era em família, não lembro agora exatamente como foi feito. Se foi parcelado ou uma vez só.

Em entrevista ao GLOBO , o senador confirmou que seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, pagava mensalidades escolares e planos de saúde da sua família e que reembolsou em espécie um sargento da PM que pagou a parcela de um financiamento da sua esposa. Flávio nega irregularidades nas transações. Ele também nega que sua loja de chocolates tenha sido utilizada para lavagem de dinheiro, como suspeita o MP, e diz que a franquia é alvo de controle da matriz.

Ouça : Jornalistas contam os bastidores da entrevista exclusiva com Flávio Bolsonaro

Relação com Santini

No depoimento ao MP, Flávio também afirmou, pela primeira vez, que Alexandre Santini, seu sócio na loja de chocolates, foi quem “apresentou sim as pessoas que vieram comprar as salas” no Barra Prime Offices em 2010. O senador relatou: “Conheci ele (Santini) dessa forma, ele oferecendo imóveis para mim”. Os promotores questionaram Flávio sobre um cheque no valor de R$ 200 mil feito por ele e nominal para o Barra Prime que foi localizado na casa de Santini durante a busca e apreensão em dezembro do ano passado.

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— Pode ser porque ele ia entregar o cheque para alguém e não entregou, né? Pelo que eu me lembro, para Prime, eu fazia os pagamentos direto da minha conta. Não lembro desse cheque não. Mas certamente não foi entregue — disse Flávio, ao dizer que pagava às construtoras diretamente. — Não recordo. Pode ser que eu tenha dado para ele entregar para alguém lá na corretora para pagar uma parcela do financiamento.

Para os promotores, além da suspeita sobre a negociação em si, também “chama atenção o fato de a pessoa jurídica adquirente (a MCA) ter como sócia outra empresa com sede no Panamá”, a Listel S.A. O país é considerado um paraíso fiscal e rota de esquemas de lavagem de dinheiro.


Nota dos advogados Rodrigo Roca, Luciana Pires, Juliana Bierrenbach e Renata Azevedo:

A defesa do senador Flávio Bolsonaro tem recebido com perplexidade as notícias de vazamento das peças e áudios do procedimento que tramita sob sigilo, o qual é reforçado e afiançado às partes, pelos próprios membros do Ministério Público, ao início de cada ato processual. Em tendo sido provada a ineficiência do sigilo imposto judicialmente à investigação, esclarece a defesa que a partir deste momento não serão mais permitidos os registros audiovisuais do Senador durante as suas manifestações procedimentais, além do que ainda esta semana representará aos órgãos de correição do MPF para que apure a falta e o delito, se houver.

Correção às 11h11: Fabrício Queiroz foi identificado como quem pagou boletos no valor de R$ 6,9 mil de despesas do senador Flávio. A investigação sobre os 114 prossegue no MP e ainda não identificou o responsável por esses pagamentos.