Política

Índios não terão poder de veto contra projetos em suas terras, mas governo defende 'consenso'

Proposta que regula exploração econômica determina que indígenas não serão consultados sobre construção de hidrelétricas e exploração de petróleo e gás
Garimpo ilegal de ouro na reserva indigena Yanomami, em Roraima Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Garimpo ilegal de ouro na reserva indigena Yanomami, em Roraima Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

BRASÍLIA — O projeto de exploração econômica de terras indígenas, que foi assinado nesta quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro e será enviado ao Congresso, determina que os indígenas serão sempre consultados antes da realização de um empreendimento em suas terras, porém terão poder de veto somente sobre a atividade de garimpo, e não sobre a construção de hidrelétricas e a exploração de petróleo e gás natural, conforme o GLOBO antecipou em janeiro. Integrantes do governo afirmam, contudo, que será sempre buscado o consenso com os indígenas antes da realização dos empreendimentos.

— No que concerne ao garimpo, do não-indígena em terras indígenas, essa atividade terá que ter o consentimento dos índios. Com relação às outras atividades de mineração, exploração de potencial hidrelétrico e petróleo e gás, eles vão ter que se ouvidos e obviamente vai negociar-se o consenso. Vai ser muito difícil fazer o empreendimento sem obter o consenso das comunidades — afirmou o chefe da assessoria especial de acompanhamento de políticas, estratégias e desempenho setoriais do Ministério de Minas e Energia, Roberto Klein, duranta entrevista coletiva.

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De acordo com Klein, foi estabelecido o poder de veto às atividades de garimpo, mesmo isso não sendo uma exigência da Constituição, porque essa atividade tornou-se "polêmica":

— A Constituição não prevê poder de veto para os índios. Ou seja, ela prevê, sim, a consulta às comunidades. Esse poder de veto para a atividade de garimpo, já que é uma atividade um pouco, pelo menos atualmente, polêmica, o governo achou por bem colocar esse consentimento das comunidades afetadas para esta atividade quando proferida por não-índios.

Em entrevista coletiva, a subchefe de articulação e monitoramento da Casa Civil, Verônica Sanches, disse que em áreas urbanas os cidadãos não têm poder de veto contra empreendimentos:

— Importante lembrar que nenhum cidadão brasileiro em nenhuma circunstância tem poder de veto. Se você está em uma cidade e a prefeitura decide duplicar a rua que passa na calçada da sua casa, provavelmente você tem a sua propriedade indenizada.

Já a secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, destacou que a decisão sobre o projeto será do Congresso, após um debate com a sociedade:

— Isso é uma proposição do Executivo. Vai para o Congresso, que é a casa legítima para fazer esse debate — disse Marisete.

Convenção internacional

Desde 2004, o Brasil promulgou a convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre os direitos das populações indígenas. A partir deste momento, ela passou a ter força de lei.

A convenção prevê que as comunidades afetadas por projetos de desenvolvimento ou de infraestrutura precisam ser consultadas antes das suas implementações.

Apesar de a convenção não ser enfática ao dizer que os indígenas devem ter poder de veto em relação aos projetos que afetem suas áreas, ela deixa margem a interpretações que vão nessa direção. O artigo 7º da convenção diz que os indígenas devem ter o direito de escolher suas próprias prioridades em matéria de desenvolvimento econômico.

“Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”, diz o trecho da convenção.

Especialistas em direitos humanos também argumentam que o fato de o Brasil fazer parte do sistema ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA) também obrigaria o país a submeter projetos de mineração que envolvam a produção de rejeitos tóxicos ao consentimento dos povos indígenas.

Isto se daria porque há convenções tanto da ONU quanto da OEA que preveem a necessidade de consentimento “livre e informado” das populações indígenas para que projetos de mineração sejam realizados em suas terras.