Um só planeta
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Por — Rio de Janeiro

A proteção e o pertencimento norteiam o meio de vida no Quilombo Kalunga, na região da Chapada dos Veadeiros. A conexão com a natureza local está enraizada na própria cultura da comunidade, e os benefícios ambientais dessa realidade são colossais. De acordo com dados da ONG MapBiomas, restam apenas 48% da vegetação nativa em todo o Cerrado brasileiro. Mas, nos quase 262 mil hectares do maior território quilombola do Brasil, 83% da cobertura original do bioma estão intactos.

A área se divide entre os municípios de Teresina, Cavalcante e Monte Alegre, em Goiás, e engloba 39 comunidades, com 1.800 famílias e cerca de 8.400 pessoas. A população vive, principalmente, da agricultura , mas também da recepção de turistas em busca de suas trilhas e belas cachoeiras, como Santa Bárbara, Capivara e Candaru.

Em 2019, a Associação Quilombo Kalunga (AQK) começou a elaborar um regimento interno para formalizar cultura e práticas tradicionais, a fim de promover unidade entre as diferentes comunidades. O documento, finalizado em 2023, estabelece como um dever de seu povo “lutar pela preservação do Cerrado” e pelo “uso sustentável dos recursos naturais”.

— Cuidar do Cerrado é uma forma de preservar a vida e honrar os nossos antepassados. Vemos a natureza como algo sagrado. Por isso, a permanência do bioma da maneira como era na juventude dos nossos mais velhos vai além da preocupação climática — avalia Carlos Pereira, presidente da AQK. — Lutamos também pela proteção da cultura e do modelo de vida ancestral do nosso povo.

Cachoeira Santa Bárbara, no território Kalunga — Foto: Felipe Triaca / Sou Cerrado
Cachoeira Santa Bárbara, no território Kalunga — Foto: Felipe Triaca / Sou Cerrado

Um segundo passo para os kalungas, após a consolidação do regimento interno, é a formulação de um protocolo de consulta, instrumento de luta e defesa dos direitos dos povos tradicionais frente a ameaças ao território. Esse documento estabelece um conjunto de regras do próprio quilombo, que tem direito a consulta livre, prévia e informada quando governos tomem medidas que afetem suas vidas. Para essa construção, os líderes do quilombo procuraram o Instituto Socioambiental (ISA), que realizou, mês passado, uma visita para planejamento de oficinas com as comunidades.

Um estudo do ISA em parceria com a Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), divulgado recentemente, mostra que os territórios quilombolas no Centro-Oeste do Brasil têm mais da metade (57%) de suas áreas totais afetada por obras de infraestrutura. A região também tem as terras mais pressionadas por requerimentos do setor da mineração (35%).

O território Kalunga é o que mais sofre com essa pressão, com 180 requerimentos em sobreposição a 66% de sua área.

— Problemas com garimpo, mineração e ocupação ilegal dentro do território Kalunga são recorrentes. Já tivemos, inclusive, casos de pessoas que compraram terras pela internet. Foram morar lá e só saíram por força de decisão judicial — explica a advogada Vercilene Dias, que atua na coordenação da Conaq e da AQK. — Existem também situações de conflito com aqueles que usam religião para se aproveitar do território.

O modelo de produção agrícola dos kalungas é projetado para atender a demandas familiares e de comercialização dos produtos orgânicos. Na avaliação do presidente da AQK, a venda do excedente produzido ainda ocorre de forma pouco organizada e deve ser aprimorada a curto prazo.

— Não chega a 20% a parcela do território Kalunga destinada ao uso agrícola. O solo é nossa fonte de renda há mais de 400 anos, e temos o cuidado de deixar a mata viva, em pé. Fazemos nossas roças e deixamos outra parte de reserva. Adotamos a prática de mudar o local de plantação a cada dois ou três anos, para que aquela parcela do território consiga se recuperar, e a vegetação do Cerrado retorne — explica Carlos Pereira, de 29 anos.

‘Eles são o território’

Coordenadora do Programa de Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo destaca mais práticas dos kalungas.

— O quilombo adota um sistema com uso de sementes crioulas e décadas de observação. A adequação aos ritmos da natureza contribui para a produção de quantidades enormes de alimentos — explica ela.

O empenho na preservação levou o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombola Kalunga a ser reconhecido por um programa ambiental das Nações Unidas como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil.

Para o antropólogo Francisco de Souza, mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UnB, o trabalho de proteção dos kalungas ainda é invisibilizado.

— A ética dos ancestrais é preservada no imaginário dos mais novos. Permanece o pensamento de que não se pode desmatar, porque os kalungas são o território. Esse pensamento ajuda a comunidade a se manter forte — diz o antropólogo.

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