Brasil

Mulheres cientistas devem servir de modelo para estudantes desde o ensino fundamental

Pesquisadoras defendem trocas diretas com alunas e projetos unindo a ciência ao cotidiano, com foco em inclusão de gênero e etnia
Professora de Química da UFG, Anita Canavarro vai falar no evento sobre seu projeto Investiga Menina, que incentiva alunas negras de periferia a serem cientistas Foto: Ilustração de André Mello
Professora de Química da UFG, Anita Canavarro vai falar no evento sobre seu projeto Investiga Menina, que incentiva alunas negras de periferia a serem cientistas Foto: Ilustração de André Mello

O incentivo ao envolvimento das mulheres nas Ciências deve começar ainda no ensino fundamental, sobretudo por meio de atividades práticas e lúdicas e encontros diretos com mulheres cientistas. Esse será um dos temas do Educação 360 STEAM — sigla que, em inglês, junta as palavras Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática —, que será realizado no dia 27 de agosto, no Museu do Amanhã, com mais de uma mesa dedicada à inclusão feminina na produção científica. O encontro é uma realização dos jornais O GLOBO e Extra, com patrocínio do Colégio pH e da Fundação Telefônica Vivo, e o apoio institucional da Revista Galileu, do site Techtudo, TV Globo, Canal Futura, Unicef e Unesco.

Professora de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG), Anita Canavarro vai falar no evento sobre seu projeto Investiga Menina, que incentiva alunas negras de periferia a serem cientistas, ensinando o conteúdo do currículo escolar a partir de temas presentes na vida das estudantes. A química envolvida nos processos de alisamento capilar, por exemplo, é debatida em sala de aula. As professoras estimulam que as alunas permaneçam com seus cachos naturais e façam mudanças estéticas pelas cores, e não pela forma do cabelo. Para isso, ensinam a produzir corantes menos agressivos aos fios.

Educação 360 STEAM — sigla que, em inglês, junta as palavras Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática — será realizado no dia 27 de agosto, no Museu do Amanhã Foto: Reprodução
Educação 360 STEAM — sigla que, em inglês, junta as palavras Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática — será realizado no dia 27 de agosto, no Museu do Amanhã Foto: Reprodução

Anita conta que só teve uma professora negra na vida e que, entre as poucas mulheres na graduação, no mestrado e no doutorado, não havia nenhuma negra.

— É impossível não cruzar nossas histórias pessoais com nosso trabalho. Gostaria muito de ter conhecido mulheres cientistas, ter lido mulheres negras. Elas existem, mas não chegam nas mãos das meninas. Quando você entra na graduação, não se vê, não se reconhece. Temos um currículo que exalta a experiência de homens brancos, que ainda são os sujeitos universitários — afirma Anita, que ensina Química e História Afro-brasileira, buscando outras referências de cientistas e culturas.

Primeira mulher a dirigir o Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde o ano passado, Belita Koiller também defende o contato direto entre pesquisadoras e alunas, por meio de visitas e encontros a universidades e laboratórios.

— Apresentar as ciências como algo interessante e lúdico para meninas, principalmente de escolas públicas, é essencial para que elas enxerguem essas carreiras como uma possibilidade. Quanto mais tarde tiverem contato, mais difícil será para escolherem a área na graduação — argumenta Belita.

Profissão desigual

No mundo, apenas 16% das mulheres que cursavam o ensino superior, em 2016, escolheram cursos nas áreas de Tecnologias da Informação e Computação (3%), Ciências Naturais, Matemática e Estatística (5%) e Engenharia, Produção industrial e Construção (8%), segundo o Instituto de Estatísticas da Unesco. Mas, mesmo quando acabam optando por essas profissões, elas ainda enfrentam a desigualdade no ambiente universitário e no mercado de trabalho.

No Brasil, nenhuma mulher presidiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criado em 1951, nem a Academia Brasileira de Ciências — que, fundada em 1916, tem apenas 86 mulheres entre seus 554 membros titulares. Denise Pires de Carvalho é a primeira reitora da UFRJ em 98 anos de existência da instituição. Apesar de reconhecer a igualdade de gênero na chefia dos laboratórios de biofísica da UFRJ desde a década de 1970, ela foi a primeira mulher a dirigir o Instituto de Biofísica, em 2010:

— Há um funil para que as mulheres assumam posições de poder.

Camila Achutti, criadora e CEO da Mastertech, plataforma de educação voltada para tecnologias do século XXI, e Juliana Oliveira, recrutadora da ThoughtWorks Brasil, consultoria global de tecnologia, ressaltam a dificuldade de levar o debate de gênero ao ambiente corporativo.

— A inclusão feminina na ciência é uma estratégia econômica para impulsionar o Brasil como nação produtora de tecnologia. Mas, ainda assim, quando o tema de uma palestra é diversidade, só as mulheres assistem — diz Camila, professora do Insper e doutoranda em Ciência da Computação na Universidade de São Paulo (USP).

Criadora do blog Mulheres na Computação, em 2010, Camila diz que, apesar de o mercado corporativo hoje aceitar melhor as mulheres, elas ainda são exceção, e é preciso um esforço coletivo pra tornar essa presença algo cada vez mais comum.

Processos seletivos também são determinantes para a presença de mulheres nas empresas. Para Juliana, é essencial que as candidatas se enxerguem como possíveis contratadas e sintam-se acolhidas durante as etapas do recrutamento. Líder do projeto Enegrecer a Tecnologia, ela reconhece que a interseção de etnia e gênero cria ainda mais barreiras para mulheres negras. Para isso, é preciso pensar ações de representatividade que atraiam essas cientistas.

Nesse processo, até a linguagem pode ser um obstáculo. No Investiga Menina, há uma colaboradora especializada em explicar os editais científicos para as alunas que, por não entenderem certos termos, desistem de se candidatar para as vagas. Ainda assim, a criadora do projeto é otimista:

— Ainda não somos a quantidade que desejamos, mas também não somos mais os números que projetaram para a gente — diz Anita.

Perfil das participantes:

Juliana Oliveira

A participação feminina em Ciência e Tecnologia e as oportunidades e desafios da educação e profissionalização de meninas na área científica é tema da mesa “Mulher e STEAM”, de que Juliana participará, às 18h. Ela é recrutadora da empresa ThoughtWorks Brasil e líder do projeto Enegrecer a Tecnologia.

Denise Pires de Carvalho

A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da mesma instituição, compartilhará suas impressões sobre o desafio de estar na liderança na maior universidade federal do país, no painel “Mulher no Comando”, às 17h40.

Camila Achutti

A fundadora e CEO da Mastertech, empresa de educação voltada para tecnologias do século XXI, debaterá a presença feminina no universo corporativo no painel “Mulher e STEAM”, às 18h. Camila é professora do departamento de Engenharia do Insper e doutoranda em Ciência da Computação na USP.

Belita Koiller

A professora e diretora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi a primeira mulher eleita membro titular de Ciências Físicas da Academia Brasileira de Ciências, em 1995. Recebeu o Prêmio L'Oréal-UNESCO Para Mulheres na Ciência em 2005. Ela estará no painel “Mulher e STEAM”, às 18h.

Anita Canavarro

A professora de Química da Universidade Federal de Goiás apresentará a palestra "Investiga Menina! Uma campanha que incentiva meninas negras a seguirem a carreira de cientistas”, às 12h. Anita ensina Química com foco em cultura e história afro-brasileiras, educação inclusiva e políticas de ações afirmativas.