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Política Bolsonaro

‘Não existe unidade no governo Bolsonaro’, diz Miro Teixeira

Em entrevista ao GLOBO, ex-deputado federal eleito para 11 mandatos consecutivos na Câmara analisa primeiro ano de gestão do presidente e sua relação com o Congresso
Deputado por 11 mandatos, Miro Teixeira diz que governo se divide em blocos Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Deputado por 11 mandatos, Miro Teixeira diz que governo se divide em blocos Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

RIO — Aos 74 anos, Miro Teixeira (Rede-RJ), mesmo sem mandato de deputado federal — foram 11 no total, numa sequência interrompida por uma campanha derrotada ao Senado em 2018 —, ainda se divide entre o Rio e Brasília. O decano da Câmara , como era chamado, permanece como um dos articuladores políticos mais experientes dos corredores da Casa. Com um olhar crítico para o governo federal, Miro faz uma análise do primeiro ano do presidente Jair Bolsonaro à frente do Planalto e diz que o debate quase não se dá entre oposição e governo, mas “entre governo e governo”.

Como o senhor analisa a atuação do Congresso no primeiro ano do presidente Jair Bolsonaro?

É um momento de observação de parte a parte, do Executivo e do Legislativo, de estudo, de tentativas de entendimento pelo lado governamental. E pela oposição, de tentativa de exibir propostas melhores que as do governo e, de certa maneira, de celebrar os desentendimentos das forças governamentais. E essa foi uma característica diferente desse ano. O debate quase que não se dá entre oposição e governo. É entre governo e governo. É atípico. O que nos leva a analisar, de tudo o que o presidente tem falado e pelo o que se vê de outras formas, que Bolsonaro tem três aliados sinceros incondicionais. São os três filhos. E por isso eles são tão atacados pelos outros aliados. O resto das forças governistas parecem divididas em blocos. Não existe uma unidade de governo.

O senhor já tinha visto algo parecido no início de governo?

Não. Bolsonaro é uma exceção entre os presidentes que o antecederam. Bolsonaro não teve qualquer origem política de grande visibilidade, nem era uma cogitação plausível para chegar à Presidência. Ele sabe que só tem três aliados sinceros. Me impressiona como ele não tem aliados, aliados sinceros, verdadeiros. O Nelson Rodrigues dizia: “O dinheiro compra até amor verdadeiro”. O poder, também. No caso do Bolsonaro, pode estar comprando amor, mas verdadeiro, não. Porque, pelas costas, ele sofre mais que a Dilma sofria dos próprios aliados.

Qual a previsão que o senhor faz para governo?

Na democracia, nós temos de chegar até a próxima eleição. Falta muito tempo. Você tem na política três momentos de legitimação do poder. A legitimação pela origem, que é a eleição. Essa aí, Bolsonaro tem. Depois de eleito presidente da República, ele é o presidente de todos os brasileiros. Ele mesmo precisa ter essa compreensão. É preciso entender isso, e tem sido difícil, que é o presidente de todos. O segundo momento de legitimação é o desempenho. Estamos entrando no segundo ano de governo. Não dá para dizer que o Bolsonaro tem legitimação pelo desempenho, porque em um ano ele não administrou sequer o próprio orçamento. E quanto à atuação pessoal, ele sofreu perda de substância pelas alterações que fez no governo, que revelou a incapacidade de escolher com precisão as pessoas de escalão tão relevante do governo, e isso é mal, e a outra coisa, é boa, não vacilou em tirar. Não dá para avaliar inteiramente como será este ano. E o terceiro movimento de legitimação é o por objetivo. Exemplo, o ex-presidente João Baptista Figueiredo. Ele não teve a legitimação da origem, porque era um ditador; não teve legitimação por desempenho, porque no governo dele não puniu os autores do atentado do Riocentro. Porém, ele não permitiu que se golpeasse a vitória do Tancredo Neves, que foi tentada por forças que eu chamaria de oficiais. E ele disse que não poderia recuar. Ele pôde ser legitimado pelo objetivo porque foi o povo que buscou isso nas ruas, nas "Diretas, Já!", por não ter inviabilizado que se alcançasse aquele objetivo realmente histórico.

Onde o governo acerta e erra?

Acerta nos juros. Essa parte do governo, do Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central), está acertando na política de juros. Porque ele reduzindo os juros, reduz os encargos orçamentários, os encargos da dívida, que são pagos pelo governo ou rolados, e permite que venha dinheiro para investimentos. Agora essa redução não chegou aos bancos, porque o cheque especial continua com juros extorsivos, mas vai chegar. Essa fração do governo está dando certo. Bom também foi o (ministro da Justiça, Sergio) Moro não ter permitido, aí que eu digo que são as frações do governo, porque houve quem tentasse, talvez até o Bolsonaro, interferir na organização da Polícia Federal, e o ministro não permitiu. Já a saúde pública vai muito mal com poucos profissionais, mal remunerados, sem atendimento total e abastecimento de remédios necessários. Ele (Bolsonaro) tem também que aumentar a distância do cérebro para a boca. Eu acredito até que ele pense aquilo mesmo que fala, que ele faça discurso a favor de torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ele prega o AI-5, isso é um perigo enorme, ele aventa a possibilidade do uso de algum instrumento como o Ato Institucional 5, aí é preciso dizer às novas gerações, que essa é uma das maiores violências que se cometem contra os direitos dos cidadãos. Não existe Ato Institucional que garanta direitos. Atos institucionais nascem de poderes autoritários, que retiram direitos, e aí eu volto à questão direita e esquerda, isso não existe, e aí serão atingidos esses que se proclamam de direita e de esquerda, sem terem entendido que isso desapareceu há muito tempo.

Qual a sua avaliação do papel da esquerda no atual momento político? O que esperar?

Em 1980, já temos 40 anos, eu quase fui linchado pela dita esquerda e pela dita direita. Eu dei uma entrevista à antiga revista "Ele e Ela" dizendo que as ideologias tradicionais estavam superadas. Ainda não tinha caído o Muro de Berlim. Essa discussão de esquerda e direita hoje é quase que patrocinada por grupos, porque rende votos, rende prestígio muitas vezes, as vezes acadêmico até,  e de certa forma, por meios profissionais de organização de blogs. Porque o cidadão na rua não separa esquerda de direita, o cidadão vive o seu cotidiano. Nós cidadãos acreditamos que a livre iniciativa é que pode melhorar a curva de emprego no Brasil, de salários. Se eu for agora no camelódromo da Uruguaiana o dono de uma banca vai dizer que quer ampliar os negócios com outra banca, depois ele quer uma lojinha na Rua da Alfândega. As pessoas querem melhorar de vida, elas querem ganhar mais dinheiro honradamente. Porque as despesas não param de subir.

Como será este ano eleitoral?

O ano de 2020 vai ser um dos momentos mais expressivos dessa era das revelações, que começou com o mensalão, passou pelo petrolão e chegou à Lava-Jato. O ano de 2020 é o ano que começará a funcionar a centralização eletrônica dos dados obtidos pelas investigações de diversas operações do gênero Lava-Jato. Ela não é a única investigação brasileira sobre corrupção política. Tivemos lá trás os "anões do Orçamento". Neste ano começam a se ligar as pontas que estavam soltas, colaborações, eu não uso a expressão delação, criminoso não quer virar um delator. As colaborações premiadas não são provas, mas as provas são procuradas a partir delas, e com essa tecnologia que começa a ser usada de comunicação das diversas evoluções das investigações, essas pontas soltas começam a se ligar. Então 2020 eu creio que será um ano que proporcionará a maior extensão dessa era das revelações. É um erro classificar todo esse período como um período de corrupção. É de revelações, que vai reduzir a corrupção. Nenhum de nós tem a ideia precisa do que aconteceu no Brasil nos últimos anos, mesmo porque o que foi revelado até agora ainda é pouco. O que se recuperou de dinheiro poderá se revelar insignificante em relação à conclusão de tais investigações. Essa eleição é pós essas revelações, muita coisa muda, e é a primeira sem coligação partidária. A eleição municipal não terá influência na sobrevivência legal dos partidos políticos. Já as eleições de 2022 sim, quando também não existirá coligação, porque fundo partidário e o fundo eleitoral dependem do número de votos pelos partidos políticos.