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Por Aline Ribeiro — São Paulo

Autoproclamada a mais isenta do protestantismo, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) vem perseguindo fiéis, presbíteros e pastores que se opõem aos preceitos da extrema-direita e criticam o atual governo. Embora tenha reduzido o tom contra a esquerda em documento recente, a ala conservadora da igreja ganhou força e já há casos de pressão velada e até mesmo condenação de membros que não compactuam com posturas fundamentalistas. Do outro lado, discípulos com inclinação progressista se organizam em movimentos de resistência.  

No último dia 29, o Supremo Concílio, espécie de última instância de decisão da igreja, reuniu-se para definir os rumos dos próximos quatro anos de seus presbitérios. Ao contrário da expectativa, o órgão rejeitou uma proposta mais conservadora, que previa punições a membros de esquerda ou progressistas, mas manteve a condenação ao "comunismo ateu e materialista". A decisão, apesar de recebida como avanço, não suavizou o temor de que a igreja continue rechaçando o pensamento de esquerda. 

Um dia depois de amenizar o tom, o Supremo Concílio, já tarde da noite, aprovou um relatório que exclui as mulheres de atividades da igreja. São três decisões de retrocesso, segundo os documentos. A primeira é a não aprovação da ordenação das mulheres para o diaconato, algo pleiteado há tempos; a segunda, a proibição de servirem a comunhão aos fiéis, prática bastante disseminada; por fim, o veto da pregação no púlpito das igrejas, papel que sempre exerceram.

A doutora em Bioética Elda Bussinguer, do Espírito Santo, que nasceu na igreja e ocupou vários cargos ao longo dos seus 64 anos, considera a decisão "machista, patriarcal e desrespeitosa", mas não se surpreende. Por suas posições, ela foi condenada pelo órgão máximo de decisão da igreja depois de um longo julgamento, e tachada de "feminista, abortista, marxista e comunista".

- A igreja recuou na questão da perseguição à esquerda, mas aprovou um documento, no apagar das luzes, restringindo a participação das mulheres - afirmou Elda. - Esse silenciamento é fruto do machismo estrutural e representa o desprezo às mulheres. É uma tentativa de negar a inteligência, a capacidade delas. É um retrocesso sem precedentes e não tem nada a ver com a Bíblia.

Professora de Direito, ela conta que a perseguição começou ainda em 2015, durante uma palestra na igreja, num momento em que a igreja começava a incorporar o fundamentalismo importado dos Estados Unidos e a capilarizar uma agenda ultra-conservadora. Na ocasião, Elda se levantou para se opor ao discurso da mulher de um pastor que defendia que mulheres não podem trabalhar fora, não devem fazer controle de natalidade e ser submissas aos homens. 

A partir dali, um presbítero encomendou um dossiê contra ela. Com base em uma entrevista que Elda concedeu para a televisão, sobre a chamada PEC do aborto, acusou-a de ser abortista. Elda esclarece que não estava fazendo apologia ao aborto, só dizendo que a questão é um problema de saúde pública. Diz ter se posicionado favorável à manutenção do aborto legal - em casos de risco para a mãe, estupro e feto anencéfalo. 

Também foi acusada de ser marxista, por um artigo científico em que defendeu a possível compatibilidade entre o marxismo e o cristianismo. Em março deste ano, Elda foi condenada e proibida de participar das atividades da igreja. De seu processo, consta a necessidade de que ela retorne à sensatez e se livre dos laços do diabo, algo que ela considera "um obscurantismo total", capitaneado não apenas pelo presbítero que a acusou, "mas também por um grupo estruturado nacionalmente". Elda tem assistido aos cultos pela internet e reforça que não vai deixar a igreja.

- Só posso voltar à comunhão se eu pedir perdão. Como vou pedir perdão por defender o aborto legal? Como pedir perdão por ser comunista, se eu não sou? - questiona. Fui condenada injustamente e vou lutar por dentro. E não apenas para manutenção dos meus direitos, mas também do Estado laico e da liberdade de consciência, fundamento da reforma protestante, hoje negado pela IPB. 

Marxismo cultural

Caso semelhante ocorreu com o teólogo Flávio Macedo Pinheiro, de 41 anos, presbítero da instituição em São Paulo, afastado do cargo sob a imputação de ser adepto do “marxismo cultural”. Um reverendo fez um levantamento de suas postagens nas redes sociais, e sugeriu que ele deixasse o cargo, já que suas posições não eram "adequadas a um presbítero". 

- Foi um desgaste para minha família, fiquei um ano afastado do meu cargo. Algumas pessoas nem conversavam com a gente, ficava aquela coisa meio leproso. Aquele climão - lamentou.

Pinheiro foi acusado de não aceitar as autoridades constituídas por Deus, em referência ao presidente Jair Bolsonaro (PL); defender a descriminalização da maconha e do aborto; divulgar um evento sobre o pensamento do educador Paulo Freire; ser favorável aos direitos do movimento LGBTQI+; postar fotos com cerveja e usar as redes no domingo para questões não pertinentes ao "Senhor". O julgamento acabou anulado por erros técnicos e ele recuperou o cargo, mas não está em exercício. Deixou a congregação onde atuou por 19 anos e está em outra igreja presbiteriana. 

Perseguição velada

A perseguição não se dá apenas em casos explícitos. Um presbítero de Minas Gerais, que pediu anonimato por receio de retaliação, conta que, ainda em 2014, durante a eleição presidencial, recebeu uma carta de outro pedindo que repensasse suas leituras. Na época, ele era professor de escola dominical e havia feito uma citação do escritor Rubem Alves, que durante a ditadura renunciou ao pastorado que exercia na mesma IPB porque a igreja apoiou os generais. Em 2018, o assédio piorou. Um pastor o chamou para perguntar quem era o candidato mais alinhado com a Bíblia. Como não ouviu a resposta que gostaria, o proibiu de subir ao púlpito. 

- Naquele ano, eu havia pregado umas 30 vezes, uma frequência alta. Depois dessa conversa, ele me disse que eu não deveria mais pregar porque precisava repensar meu alinhamento à esquerda. Foi uma disciplina velada - lembrou o presbítero, que deixou de congregar na igreja.

Apesar de oficialmente não apoiar partidos, a cúpula da IPB está ligada ao governo Bolsonaro. Dois pastores da instituição se tornaram ministros na atual gestão: Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação preso numa investigação sobre o gabinete paralelo de pastores, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Recentemente, o reverendo Osni Ferreira, relator da proposta para expurgar os “esquerdistas” da igreja, usou o púlpito em Londrina (PR) para pedir apoio à reeleição de Bolsonaro.

Resistência

Diante da ascensão no bolsonarismo, integrantes mais progressistas estão se organizando em grupos de resistência. No fim de julho, um grupo de mulheres da IPB se reuniu virtualmente para discutir uma possível reação à decisão do Supremo Concílio que restringe seus direitos. Daí surgiu o Coletivo Mulheres da Igreja Presbiteriana do Brasil, com 99 membros, e uma carta conjunta que resume e anuncia à igreja os relatos compartilhados.

Outro grupo, o "Ecclesiae Renovare", tem centenas de participantes e pretende, entre outros pontos, lutar por uma instituição condizente com seu tempo, segundo um dos líderes, o pastor Wilson Emerick, de 64 anos.

- Nossa igreja sempre foi conhecida pelo equilíbrio em seus posicionamentos. A gente se preocupa quando existem tendências de perseguição, como aconteceu em outras épocas, na ditadura. A igreja precisa manter o respeito às divergências - ponderou Emerick.

Procurada para comentar as críticas, a IPB não retornou à reportagem.

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