O capítulo final da história do último indígena isolado da tribo Tanaru, em Rondônia, encontrado morto em agosto deste ano, está sendo adiado pela Funai. O corpo do "índio do buraco", como ele ficou conhecido por viver durante anos sozinho no meio da Floresta Amazônica, está há dois meses apodrecendo na sede da Delegacia da Polícia Federal de Vilhena, município do estado, sem que o órgão providenciasse o sepultamento. Nesta sexta-feira (28), por volta das 16h (horário de Brasília), termina o prazo de 48 horas dado pela Justiça para que a fundação se manifeste nos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, que pede urgência na realização da cerimônia, dentro das tradições de seu povo, no local em que o último integrante da etnia viveu e morreu, que deverá ser preservado.
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O "Índio do buraco" foi encontrado morto em sua palhoça, dentro de sua rede de dormir, em 23 de agosto, pelo sertanista Altair José Algayer, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé da Funai, no Sul de Rondônia. O indígena aparentava ter 60 anos. Na época, já se imaginava que ele tivesse morrido há cerca de 40 dias. Altair fazia visitas ao local cerca de quatro a cinco vezes por ano. O corpo chegou a ser levado para a Polícia Federal do Distrito Federal, onde foram realizados os exames necessários para investigar a causa da morte e depois devolvido à delegacia local, onde permanece até hoje.
Na ação, o MPF destaca que é "direito fundamental à dignidade e à memória do indígena morto, bem como de seu povo, dos povos indígenas de Rondônia e do Brasil e também dos próprios servidores da Funai que o salvaram do extermínio e atuaram por décadas na sua proteção". Para os procuradores, a demora no sepultamento está sendo "excessiva e desnecessária". A Funai da região já teria sinalizado estar pronta para realizar o enterro, mas ainda depende do aval da sede. Procurada, a assessoria de imprensa do órgão não respondeu ao pedido de informações do GLOBO.
O procurador da República Daniel Luis Dalberto disse que o MPF também entendeu que deveria ser feita a perícia para determinar a causa a morte, mas o procedimento técnico, em respeito à memória do índio e de seu povo, deveria ter sido feito o mais rapidamente possível.
— O problema é que já se passaram dois meses, tempo excessivamente longo e, apesar de o corpo ter retornado de Brasília, onde os exames foram feitos, para Vilhena, a fim de ser sepultado lá na sua terra, a Funai, na última hora impediu o sepultamento. O órgão alegou que ainda faltariam alguns laudos, sem dizer quais e tampouco o porquê seria preciso aguardar eventuais resultados e laudos para então se fazer a cerimônia de sepultamento. Tal situação é considerada pelos indígenas um vilipêndio, um desrespeito enorme ao indígena morto, que sempre recusou contato com a nossa sociedade — diz o procurador, acrescentando que a conduta da Funai viola os direitos fundamentais dos indígenas e que o "Índio do buraco" já teve, em vida, inúmeros diretos violados, além de ter sofrido com o genocídio de seu povo. — Morto, agora, deveria ter seu corpo e sua memória respeitados.
Segundo o MPF, o "Índio do buraco" foi encontrado pela Funai em 1996. Ele era o único sobrevivente de uma etnia desconhecida em condição de isolamento. "Após o genocídio de seu povo, ele viveu em isolamento na sua terra e nunca quis mais ter contato com um não-índio", destaca o órgão na ação civil pública. A característica mais comum dele era o fato de ele cavar buracos em todas as habitações em que viveu. Não se sabe por que o indígena fazia as escavações. Ele foi achado sem vida com chapéu na cabeça, plumagens de pena de arara na nuca, como se tivesse se preparado para a morte. O arco e flecha estavam escorados ao lado da rede.
A Terra Tanaru tem 8.070 hectares e é classificada com restrição de uso desde 1998. O território, que não foi demarcado, fica numa região onde há muitas fazendas de agropecuária. De acordo com a Funai, os povos isolados são aqueles que optaram por não ter contato com a sociedade formal, possivelmente por experiências negativas do passado, com ocorrências de invasões e devastação de terras. A Amazônia brasileira tem atualmente cerca de 100 grupos de indígenas isolados.