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Por Pâmela Dias — Rio de Janeiro

A notícia de prisão da life coach Katiuscia Torres, conhecida como Kat Torres, foi comemorada por Maria, nome fictício de uma das supostas vítimas da guru espiritual. Elas se conheceram em 2017, em consultas via Skype onde Kat dava conselhos amorosos à cliente, que pagava em dólar. Percebendo a fragilidade da vítima e a condição financeira que ela tinha, após quatro anos Maria diz ter sido extorquida em mais de R$ 150 mil. A suposta vítima diz ter sido submetida até a uma viagem para os EUA, na esperança de reconquistar o ex-namorado após sessões de "bruxaria". A repercussão do caso envolvendo Katiuscia já fez aparecer ao menos outras sete possíveis vítimas. Entre elas, uma catadora de recicláveis, levada a acreditar que teria a autoestima recuperada.

Autodenominada “bruxa”, Kat Torres atuava como uma espécie de guru de uma seita que promete dinheiro, sucesso profissional e até trazer o amor desejado através de feitiços, hipnose e consumo do chá alucinógeno ayahuasca, usado no ritual do Santo Daime. Além dela, foram presas pela polícia de fronteira do Maine, nos EUA, no último dia 2 de novembro, Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, e Desirrê Freitas, de 26. A suspeita é que elas estivessem tentando atravessar o país rumo ao Canadá com documentos irregulares.

Maria relata que, mesmo já tendo relativo sucesso profissional, resolveu passar a seguir Kat nas redes sociais, há cinco anos. Logo, passou a fazer consultas com ela, autora do livro de autoajuda "A Voz". A mulher conta que inicialmente pagava apenas por estas consultas, que custavam à época cerca de R$ 1 mil, e que estava completamente envolvida pelo suporte emocional que recebia. Os conselhos eram orientados pela "Voz", que Kat dizia que falava com ela em sua cabeça, orientando como Maria deveria agir com os namorados e chegando até a prever seu futuro.

— Ela ficou cinco anos me acompanhando com todos os caras que eu saí. Ela sabia que eu era insegura e sempre falava para eu ir para as consultas para ter mais confiança. Para falar com os homens, ela escrevia a mensagem e eu só encaminhava. E os conselhos davam certo, por isso eu confiava. Tenho uma família muito bem estruturada, meu foco nunca foi ganhar dinheiro. Mas ela queria o meu dinheiro e conseguiu — relata Maria.

De família de classe média alta de São Paulo, Maria conta que vinha passando por uma crise no relacionamento com o namorado e Kat a aconselhou a abandonar a psicóloga. Ao mesmo tempo, sob o argumento de que ela estava com uma "energia muito pesada", a convenceu a ir encontrá-la nos EUA, onde a submeteria a um "banho de iniciação" que custaria US$ 10 mil e uma série de sessões de bruxaria, cada uma a US$ 800, para reequilibrá-la e trazer o namorado de volta em três meses. Dois dias depois, Maria, que pagou antecipadamente pelos trabalhos místicos, desembarcou em Houston.

Desestabilizada emocionalmente, ela chegou ao aeroporto e não encontrou ninguém. Depois de uma ligação telefônica de Kat, que alegou ter recebido orientação da "Voz" de que não era ainda o momento de recebê-la, a mulher foi para um Airbnb. Por volta de meia-noite, o marido da coach, Zachary Menkin, foi buscá-la e a levou para a residência de Katiuscia, onde ficou hospedada por cinco dias.

Kat Torres, Desirré Freitas e Letícia Alvarenga: presas em Carolina do Norte — Foto: Reprodução / Franklin County Sheriff's Office
Kat Torres, Desirré Freitas e Letícia Alvarenga: presas em Carolina do Norte — Foto: Reprodução / Franklin County Sheriff's Office

‘Ninguém a conhecia de verdade, mas eu confiava’

Na casa da bruxa coach, Maria conheceu Letícia, Desirrê e Flaire, uma americana que estaria abrigada com Katiuscia depois de sofrer abusos sexuais. Maria se impressionou primeiro com a semelhança de Letícia com Kat.

— Ninguém a conhecia de verdade, mas eu confiava. Era bizarro o quanto a Letícia se parecia com a Kat. Ela já tinha aprendido tudo o que dizer. Tanto que me disse que, através da Kat, as vozes disseram que eu iria viajar para os EUA com o meu ex, iríamos para Los Angeles, lá veríamos o pôr do sol, ele me daria um ursinho e depois casaríamos em Las Vegas. Nunca foi meu sonho casar lá. Mas, de novo, eu só queria estar com ele. Me casaria aqui depois, com a minha família. E eu confiava muito que tudo isso aconteceria — ressaltou Maria novamente, esclarecendo que não questionava as mudanças de Kat por medo, já que estava fora de seu país.

Maria diz que Desirrê e Flaire trabalhavam como serviçais de Kat. Flaire fazia uma série de consultas espirituais em nome de Kat. Trabalhava tanto que teria se queixado do excesso de funções e de esgotamento nervoso. Passados os cinco dias, Maria constatou ter sido vítima de um golpe.

— Eu fazia tudo o que ela mandava, decidi que abriria mão da minha vida no Brasil para passar um tempo lá. Coloquei condições de que teria de ter meu espaço. Ela e as meninas (Letícia e Desirrê) me tratavam como rainha. Mas comecei a ver que os banhos com cristais não funcionavam, o meu ex não me procurava, e as meninas deixaram escapar que a Kat as proibiu de falar de negócios comigo. A Flare, uma terceira menina que trabalhava com a Kat, também disse que o meu ex-namorado não era o homem para a minha vida. Então, depois de cinco dias, eu vim embora e nunca mais falei com nenhuma delas — concluiu Maria.

Catadora de recicláveis enganada

A catadora de recicláveis Maiara Ribeiro, de 28 anos, conta que conheceu Katiuscia Torres pelo Instagram. Em uma das fotos da modelo, ela comentou que queria ser uma mulher “poderosa igual a Kat”. Nessa época, Maiara e o marido estavam desempregados e morando em um barraco de madeira, em São Paulo. Segundo a mulher, a guru a respondeu falando que poderia ajudá-la a ter mais autoestima. Por mensagem, então, convidou a catadora de recicláveis para passar uma semana na Califórnia com ela, alegando que custearia gastos com passaporte, visto e despesa. A promessa, no entanto, não foi cumprida.

— Ela me dizia que eu voltaria da Califórnia uma mulher muito mais confiante e com dinheiro. Mas em momento algum ela me ofereceu um emprego ou disse para eu levar o meu marido e minhas duas filhas. Eu só acreditei, fui atrás dos documentos e encaminhei para que ela pagasse. Estava disposta a arriscar para ter uma vida melhor, mas infelizmente fui enganada — contou Maiara, explicando que Kat passava credibilidade pela forma que se portava na internet e também por ter milhares de seguidores nas redes sociais.

Maiara Ribeiro, catadora de recicláveis a qual Kat Torres prometeu ajudar financeiramente — Foto: Reprodução
Maiara Ribeiro, catadora de recicláveis a qual Kat Torres prometeu ajudar financeiramente — Foto: Reprodução

Ainda segundo Maiara, Kat chegou a divulgar nos stories de seu antigo Instagram que a levaria para uma "imersão de autoestima". Mas, após a promessa, Kat sumiu por uma semana e não respondeu mais as mensagens.

— Uma das seguidoras dela me contou o que estava acontecendo e agradeci a Deus por ela ter parado de me responder. Eu me senti humilhada, coloquei todas as minhas forças porque eu precisava mudar minha vida, pela situação difícil que eu vivo. Mas foi um livramento, ela precisa pagar pelo o que fez com as pessoas — afirmou.

Trabalho como sugar baby

Assim como Maiara, Bárbara, de 24 anos, nome fictício de uma terceira suposta vítima de Kat, que preferiu não ser identificada na reportagem, que disse ter conhecido a guru pelas redes sociais, em 2018. Inicialmente, ela fazia consultas para conseguir lidar com um relacionamento conturbado.

Mas, após um contato frequente de quase quatro anos e sabendo da insatisfação profissional da jovem na área da engenharia, a guru espiritual começou a dizer que Bárbara tinha talento para trabalhar como modelo ou na área da beleza. Kat sugeriu, no início deste ano, que a jovem fosse trabalhar como sugar baby nos EUA. A proposta era "simples": Kat ajudaria a arrumar um marido para que Bárbara pudesse ficar legalmente no país e, em troca, a vítima daria todo o dinheiro para a charlatã.

— Eu procurava as consultas, mas ela também sempre me procurava falando que a voz disse que eu precisava ouvir um conselho. Depois que terminei meu relacionamento, ela disse ter percebido que meu problema era não gostar do curso de engenharia do petróleo que estava cursando e propôs que eu fosse trabalhar com sugar baby nos EUA. Ela queria ter várias meninas fazendo o mesmo que eu porque me contou que pretendia montar um Airbnb para isso — relatou Bárbara ao GLOBO.

Mesmo afirmando que não aceitaria a proposta de atuar como sugar baby, Bárbara havia decidido ir estudar inglês nos EUA e, para isso, aceitou tomar um “banho mágico”, a princípio gratuito, a fim de abrir portais do dinheiro — também por recomendação de Katiuscia. Para que o rito fosse feito, ela precisou pagar, a pedido de Kat, passagens de Letícia do Rio Grande do Sul para São Paulo, e depois para Minas Gerais, onde a assistente da modelo precisava buscar documentos.

Ao ver, no entanto, que Bárbara não aceitaria a proposta de se prostituir nos EUA, Kat passou a cobrar R$ 7 mil pelo banho, momento em que a jovem deixou de segui-la e se livrou das amarras da modelo.

— Ela tinha um poder de coação muito grande, falava mal das clientes que não gostava, e isso me provocava um medo dela. No fundo eu queria ver até aonde ia essa história, porque eu nunca aceitei ir ilegalmente para os EUA. Mas me arrisquei demais. Graças a Deus ela esqueceu que eu existo — concluiu Bárbara.

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