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Por Mariana Rosário


Entregadores se enfileiram em frente a uma dark kitchen, no Brooklin, Zona Sul de São Paulo: moradores acusam motociclistas de ‘bandalhas’, como dirigir na contramão, e de ocuparem calçadas, que ficariam intransitáveis  — Foto: Edilson Dantas
Entregadores se enfileiram em frente a uma dark kitchen, no Brooklin, Zona Sul de São Paulo: moradores acusam motociclistas de ‘bandalhas’, como dirigir na contramão, e de ocuparem calçadas, que ficariam intransitáveis — Foto: Edilson Dantas

Em um único endereço da Zona Sul paulistana é possível comprar uma cumbuca de feijoada, hambúrgueres, salsichas alemãs, ou toda sorte de doces — dos brownies às paletas mexicanas. O que parece uma salada gastronômica é, na verdade, fruto de um novo tipo de negócio na cidade que ganhou tração na pandemia: as dark kitchens. São cozinhas industriais focadas nos aplicativos de delivery. Um coworking para garfo e faca, por assim dizer. Um prato cheio para um banquete de polêmica.

Esqueça os salões, mesas, cadeiras, talheres e toda sorte de equipamentos de um restaurante comum. São cerca de 30 endereços do tipo na capital paulista, de acordo com estimativas do setor, com escala industrial de produção. Em geral, essas cozinhas têm espaço para duas ou três dezenas de restaurantes, que fervem até altas horas da noite.

O modelo despontou na capital paulista lá pelo ano 2020, mas, com a passagem do período mais ferrenho da pandemia, ganhou corpo e adeptos. A tendência pipocou primeiro na Índia e depois, EUA. A regularização desse tipo de negócio em SP só ocorreu no dia 30 novembro, quando o prefeito Ricardo Nunes sancionou uma lei. Cada galpão, agora, não pode passar de 500 metros quadrados em áreas residenciais e o número de restaurantes agrupados num mesmo endereço não pode ser superior a dez, na maioria dos casos. A legislação foi cercada de críticas de todos os lados. Em uma ponta, moradores enfurecidos com o impacto desse tipo de comércio em seu bairro; na outra, as empresas que alegam que o negócio será desidratado com as novas regras.

Aluno xingado de “bacon”

Antes da lei, audiências públicas na Câmara Municipal foram a prova de que os vizinhos não economizam na queixas e descrevem constrangimentos até na etiqueta social. Em junho, por exemplo, um morador do Brooklin, que não quis mostrar sua imagem, comentou um caso insólito envolvendo a atividade econômica.

— Vivemos o dia todo com uma cozinha na nossa orelha, meu filho já foi chamado de “bacon” na escola porque ele tem cheiro de gordura. É algo que extrapola (a vida) social da pessoa — revoltou-se.

O desconforto chega a tal ponto que há moradores, que vivem na Rua Guararapes, no mesmo bairro onde há uma dessas múltiplas cozinhas, que chegam a dizer que, em protesto, não pedem mais comida em serviços de delivery. Nos WhatsApps da vizinhança, os insatisfeitos divulgam vídeos mostrando a barulheira, que se assemelha a um zumbido quase constante, que vem dos equipamentos das cozinhas.

Mariana Paker combate o serviço desde que ele começou — Foto: Edilson Dantas
Mariana Paker combate o serviço desde que ele começou — Foto: Edilson Dantas

A poluição sonora ganha ainda o ronco dos motores de motoboys que vão e vem, além de pilotarem na contramão ou se sentarem no chão com as mochilas apoiadas nas calçadas, para o desespero dos vizinhos. E, para piorar, tudo se intensificou, como diz a moradora Lucia Barros, instalada ao lado de uma dark kitchen, quando começou, de acordo com ela, o “fique em casa” determinado pelo governo. Ou seja, o confinamento os submeteu a uma verdadeira tortura de odores e barulhos enlouquecedores.

— Antes, o ponto tinha uma padaria — conta a administradora que descreve seu martírio como algo quase insuportável. — Eu durmo com uma turbina de avião na minha cabeça. Acordo com cheiro de cebola e vou dormir com cheiro de hambúrguer. Essa é minha rotina, há ainda problemas com motoboys. Como nós, moradores, vamos ficar?

Na Zona Oeste, outra dark kitchen criticada fica na Rua Clélia. Nos arredores, mora a relações-públicas Mariana Paker, que pode ser considerada uma pioneira porque combate o serviço desde o nascedouro, em 2020. Ela investiu R$ 20 mil em uma estrutura de metal e vidro.

— Não posso dizer que nada melhorou. Se não, eu teria vendido minha casa. Porém ainda escuto barulho das coifas e há motoboys no meio da calçada. Por vezes, as pessoas têm que passar pelo corredor do ônibus para desviar — diz, acrescentando: — Ontem minha casa cheirava a churrasco. Tive que fazer uma obra para controlar o ruído e o odor, que ficava nas roupas estendidas. Na pandemia, eu acordava no meio da noite ouvindo o barulho da cozinha mesmo tendo viajado para o interior.

As duas cozinhas que causaram irritação de Mariana e Lucia fazem parte da rede líder do mercado, a Kitchen Central, com dez endereços na capital paulista. Afirmando estar ciente das críticas, o diretor Guilherme Vasconcelos explica que os problemas têm sido mitigados conforme a empresa se desenvolve. Ele alega que o ruído e de odor estão abaixo do limite estabelecido pelo município. Vasconcelos, entretanto, reconhece que o barulho é constante, e não intermitente. Para ele, o que mais incomoda a freguesia é a presença de motoboys. Uma categoria que ele acredita ter sido beneficiada pela pujança do setor.

— O principal foco de reclamação são os entregadores. Fomos aprendendo (como funciona o negócio) ao longo do tempo. Brooklin e Lapa foram nossas primeiras unidades de trabalho — afirma Guilherme, acrescentando. — Para os motoboys é benéfico, por isso muitas vezes eles se aglomeram na porta das kitchens para esperar o pedido. O que causa desconforto aos moradores. Pessoalmente, eu discordo, porque é uma atitude segregadora não querer passar no meio deles. Na Lapa, criamos um estacionamento e vamos colocar uma estrutura para eles, e o mesmo será feito no Brooklin.

Representação do MP

No Panamby, também na Zona Sul, moradores se organizaram para evitar que uma cozinha coletiva fosse instalada nos arredores. O movimento obteve uma representação no Ministério Público e, após a confusão, a Kitchen Central desistiu do endereço.

O antagonismo dos vizinhos, contudo, não é a única mosca na sopa da empresa. A nova lei, na opinião de Guilherme, inviabiliza o negócio:

— O número máximo de cozinhas foi limitado em dez (por endereço), e temos entre 20 e 25, em média. Há ainda limite de 500 metros quadrados para as dark kitchens. Todas as nossas cozinhas são maiores.

Embora a lei não seja retroativa e não obrigue a dark kitchen mais inchada a “expulsar” as cozinhas parceiras, a ideia é que as liberações de uso dos restaurantes que podem ocupar o local sejam sucessivamente encerradas. Ou seja, se há 20 cozinhas em um endereço e uma decide sair, uma outra não pode ocupar a vaga.

O executivo estima que, por causa da alta rotatividade do setor, ele chegaria às dez vagas permitidas por lei somente em 120 dias. Diante do enrosco jurídico, a empresa abriu mão, por enquanto, da ideia de dobrar o número de cozinhas na cidade em 2023 A Kitchen Central não confirma que entrará na Justiça contra as novas regras. Outras marcas do mercado são mais taxativas.

— A nossa visão é de que a lei inviabilizou o setor. É por isso que formaremos uma associação para judicializar a lei e apontar o que observamos de inconstitucional. Nós apoiamos as medidas que mitiguem o impacto para a vizinhança. Contudo, há pontos na lei que são contra a atividade econômica — diz Gustavo Nogueira, sócio da Smartkitchen, que tem cinco endereços e abriga 80 cozinhas na capital paulista. O setor estima que a nova regra impactará 300 restaurantes que reúnem 15 mil entregadores de refeições.

A prefeitura não informou se há algum plano em andamento para tentar uma conciliação entre empresários e moradores. Procurada, apenas afirmou que as empresas têm até 90 dias para se adequarem às medidas, como “internalizar as vagas para os entregadores, providenciar sanitários, vagas para carga e descarga de mercadorias e respeitar o limite de ruído do zoneamento”. O vereador Rodrigo Goulart (PSD), um dos mais envolvidos nas discussões das dark kitchens na Câmara, contudo, vê progresso:

— O setor avançou muito. Antes não tínhamos regras. Agora temos.

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