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Por Lucas Altino — Rio de Janeiro


Entre os ex-pacientes identificados pela Polícia Civil, 18 faleceram — Foto: Reprodução / Rede Social
Entre os ex-pacientes identificados pela Polícia Civil, 18 faleceram — Foto: Reprodução / Rede Social

Em maio do ano passado, Núbia Costa, de 72 anos, se consultou com o médico João Couto Neto, em Novo Hamburgo (RS), por causa de uma pedra na vesícula. Como a retirada é considerada um procedimento simples, o especialista em cirurgias do sistema digestivo marcou a intervenção para o mesmo dia, e três horas depois, ela foi feita. Ao dar alta, o médico avisou que havia ocorrido uma perfuração no intestino, mas sem gravidade, e que o corte estava suturado.

Nas semanas seguintes, parentes avisaram a Couto Neto que a idosa estava se sentindo mal. Mas ele deu pouca atenção ao problema, até ela ser internada novamente, 17 dias depois, com uma uma infecção generalizada no abdômen. Núbia morreu em julho, na cama do hospital.

A idosa é uma das 18 pacientes já identificadas pela Polícia Civil que morreram após serem operadas por Couto Neto. O número de pessoas que foram de alguma forma lesionadas ou mortas durante ou depois das cirurgias chega a 73, segundo os responsáveis por investigar o médico. Mas deverá passar dos 100, afirma o delegado Tarcísio Kaltbach. O cirurgião foi afastado de suas funções por 180 dias, a partir do dia 12, por decisão da Justiça.

Além de sofrer com a perda, Cristiana Costa, filha de Núbia, diz ficou estarrecida com a “soberba e o descaso” com que o médico tratava a paciente e seus parentes, na segunda internação.

— Quando minha mãe teve alta, ele disse que tinha perfurado o intestino sem querer, mas que já havia feito a sutura e não teria nenhum problema. Como sou leiga no assunto, acreditei. Mas ela nunca esteve bem. Ficou sentindo dores abdominais, vomitando. Quando eu trocava mensagens com ele, as respostas eram de que estava tudo normal, ele só receitava chá e leite de magnésia. Houve várias etapas em que poderiam reverter a situação. Mas minha mãe não teve a oportunidade — lamenta Cristiana.

Indicado por planos

A filha de Núbia contou que o cirurgião era frequentemente indicado como o especialista para questões digestivas em dois dos três convênios de saúde mais fortes do município, que fica na Região Metropolitana de Porto Alegre.

— Ela ficou 60 dias no hospital até falecer. No final, já estava com uma cratera na barriga, porque de tanto abrir, não adiantava mais costurar. Era coisa de terror. Depois, ainda descobri que o caso da minha mãe nem foi o pior de todos — recorda Cristiana.

A filha da idosa contou que, no final da internação, conversou com enfermeiros e funcionários do Hospital Regina, onde Couto Neto mais costumava trabalhar, e descobriu que o caso da sua mãe não era inédito. Nos meses seguintes, em conversas pela cidade e pela internet, um grupo de vítimas e parentes se formou. Até que familiares de 15 ex-pacientes contrataram um advogado para denunciar o cirurgião à polícia. Hoje, o grupo tem parentes de 50 supostas vítimas.

— Entre os casos, há uma senhora que está em estado vegetativo há cinco anos, por causa de uma perfuração no fígado. Gente que teve perfuração de veia. Há outra ex-paciente que passou pela nona cirurgia tentando arrumar o intestino. — enumera Cristiana. — Atribuo tudo o que ele fez de errado à falta de conduta. Faz tanto tempo que isso vem ocorrendo que a gente fica se perguntando por que precisaram acontecer tantos casos para alguma coisa ser feita.

Poucas semanas após a denúncia, e com as primeiras notícias do caso na imprensa gaúcha, a Polícia Civil de Novo Hamburgo passou a receber novos relatos de pessoas que teriam sido vítimas do cirurgião. Segundo o Kaltbach, o médico, que só atuava na rede particular, chegava a acumular até 25 cirurgias em um mesmo turno de plantão.

Uma das linhas da investigação da polícia é que esse comportamento visava a aumentar os ganhos financeiros, mas levava à negligência e aos erros médicos. Para o delegado, a quantidade de cirurgias impedia Couto Neto cuidar corretamente das intervenções e dos pós-operatórios.

Mas os investigadores ainda tentam entender como falhas tão graves foram cometidas, o que leva à hipótese de crueldade deliberada.

— Não conseguimos entender porque ele fazia isso com as pessoas. Às vezes, operava uma região do corpo, mas cortava outra que não tinha a ver com a cirurgia. Houve casos de pessoas que definharam no hospital, morrendo aos poucos. Isso é recorrente nos depoimentos — afirmou Kaltbach, que defende uma avaliação psiquiátrica do médico — Ainda vamos evoluir para traçar o seu perfil.

Médico ficou em silêncio na delegacia

Procurada, a defesa de Couto Neto disse que ainda não vai se manifestar porque está “aguardando a integralidade do inquérito”. O médico já foi à delegacia de Novo Hamburgo que investiga as acusações. Mas optou por não responder as perguntas dos investigadores.

O delegado contou que, além dos depoimentos, longos e numerosos, há documentos, prontuários e relatórios médicos a serem encaminhados e analisados pela perícia. Por isso, ainda não há previsão para o fim do inquérito.

— É estarrecedor o que ele fazia. Temos fotos de pessoas com a barriga aberta, apodrecendo, e ele não receitava nada, nenhum medicamento. Dizia que não era nada e que tudo ia passar. Temos relatos de tentativa de suicídio dentro do hospital, por causa de tanta dor — acrescentou Kaltabach.

Há duas semanas, a polícia realizou uma operação de busca e apreensão e pediu a prisão preventiva do médico. Mas a Justiça negou a prisão e determinou apenas o afastamento do cirurgião, por entender que, fora do centro cirúrgico, Couto Neto não oferecia riscos à sociedade.

A polícia também vai investigar a conduta dos hospitais em que o cirurgião trabalhava. Especialmente o Hospital Regina, que concentra todas as denúncias registradas. A depender da investigação, a direção do hospital pode responder por crime de omissão.

— Ainda não temos como concluir se houve crime por parte do hospital. Mas à medida que sobe muito o número de cirurgias para um único profissional, o hospital deveria ter atentado a isso. Eles tinham ciência. Até porque ele precisava reservar os blocos cirúrgicos — disse o delegado.

O Hospital Regina afirmou colabora com as autoridades na investigação e entregou a documentação exigida pela Justiça sobre o caso. O hospital diz que, dos 14 nomes de pacientes citados no mandado de busca e apreensão, apenas quatro formalizaram reclamações na ouvidoria, que foram enviadas à Comissão de Ética do corpo clínico.

O Hospital Regina acrescentou que o médico não possui vínculos trabalhistas com a unidade, somente “usava a estrutura do hospital para exercício de sua profissão”, sem que a unidade o indicasse a paciente. A direção informou que criou uma Comissão de Comunicação Interna “para acolhida e escuta dos representantes dos pacientes e familiares”.

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