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Por Paula Ferreira

Após a crise mais grave de sua história, aos 86 anos o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) vive um momento de grande expectativa com a chegada de um novo presidente. Especialista na área, Manuel Palácios ainda aguarda a nomeação oficial, mas já despacha do gabinete do Inep, onde recebeu O GLOBO para sua primeira entrevista, e traça seus principais desafios: adaptar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao novo ensino médio e adequar as avaliações da educação básica para que ajudem a melhorar os índices de alfabetização na idade certa.

Palácios foi escolhido por Camilo Santana com a missão clara de ajudar na melhoria do desempenho dos estudantes brasileiros em leitura e escrita. Para atender ao objetivo, o novo presidente do Inep projeta mudanças na principal avaliação da Educação Básica, o Saeb, para 2025.

Além disso, Palácios pretende aproximar o Inep dos estados para obter dados produzidos a nível estadual sobre a educação brasileira, apoiando avaliações regionais.

Em entrevista ao GLOBO, o novo presidente da autarquia criticou as tentativas de intervenção no Enem feitas durante o governo Bolsonaro, o que classificou como "despropósito" e "absurdo". Ele assegurou que sob Lula não haverá qualquer tipo de interferência na prova. Em relação ao exame, Palácios afirma que a avaliação deve ter duas fases, uma de conhecimentos gerais e outra de conhecimentos específicos, e que o foco do Inep será, em um ano, configurar as bases do novo modelo em conjunto com as universidades e as secretarias estaduais de ensino.

O senhor assumiu o Inep depois da mais grave da história da instituição. Como encontrou o órgão?

Eu cheguei aqui logo após um ajuste inicial que foi feito. O Carlos Moreno, que ficou na presidência interina nos últimos seis meses, é um servidor reconhecido por todos. Eu não encontrei o Inep desorganizado. Há carência de pessoal, há muitas pessoas que foram afetadas pelas administrações anteriores, mas recebi o Inep das mãos do Moreno, o maior especialista em estatísticas educacionais, além de um pesquisador extremamente sério. Ele arrumou a casa.

O ex-presidente Danilo Dupas entrou em rota de colisão com os servidores do Instituto, o que culminou na crise do fim do ano passado. A relação está pacificada?

Para mim, é uma relação muito pacífica. Os servidores do Inep são muito competentes, conhecem o tema com o qual lidam. E o diálogo é contínuo. Uma relação se constrói ao longo do tempo. Eu tenho expectativas de uma relação de trabalho tranquila e produtiva.

O senhor falou sobre a importância do Inep para auxiliar o MEC a reconstruir as políticas públicas que foram desmontadas. Quais serão as suas prioridades à frente do instituto?

O ministro (Camilo Santana) sempre assinala os principais focos das políticas do MEC. O primeiro que tem sido sempre salientado é alfabetização de crianças na idade certa. A necessidade de que o percurso dos cinco primeiros anos de escolarização assegure o desenvolvimento de habilidades de leitura, para que ele seja capaz de entrar nos anos finais com domínio pleno da leitura. Não pretendemos deixar com a União a atribuição de avaliar todo o processo de alfabetização e desenvolvimento de habilidades na leitura. A ideia é de que o Inep consiga articular com sistemas estaduais de avaliação.

Nesse contexto, vocês pensam em fazer alguma alteração na matriz do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)?

O Saeb (que avalia estudantes do 5º e 9º do ensino fundamental e do 3º e 4 º ano do Ensino Médio por meio de provas de Português e Matemática) deve ser objeto de revisão para se ajustar à Base Nacional Comum Curricular ( aprovada em 2017 e que definiu os objetivos de aprendizagem para cada etapa de ensino) , mas a nossa intenção é produzir essas mudanças após discussões e amadurecimento. Seria interessante que essas mudanças viessem para outra edição do Saeb, em 2025.

Que tipo de acompanhamento será feito junto aos estados?

Acho que poderíamos ter mais condições de intercâmbio de dados. Os estados produzem muitos dados. É preciso fazer com que o sistema de avaliação nacional agregue as informações dos sistemas de cada estado. Hoje, os estados adotam diferentes modelos de avaliação dos seus sistemas educacionais. Seria interessante termos acesso a essas informações.

Qual será seu principal desafio à frente do Inep?

O novo Enem (que será adaptado às mudanças promovidas pela reforma do ensino médio) é uma questão muito difícil, porque não cabe ao sistema de avaliação ser as instâncias de definição de currículo. Esse é um imenso desafio. Outro imenso desafio é conseguir desenvolver esse padrão de colaboração com as unidades da federação que seja de trocas mais permanentes.

O Enem precisará passar por uma transformação para se adequar às mudanças feitas pela reforma do ensino médio até 2024. A reforma estabelece que a etapa seja organizada em uma parte de conteúdo obrigatório, que leve em conta a BNCC, e outra de conteúdos específicos definidos a partir da escolha dos estudantes, os "Itinerários Formativos". O processo de adequação do Enem a esse modelo já está em curso?

É um dos temas mais importantes da nossa agenda, porque provavelmente devemos ter um Enem dividido em duas etapas. A primeira etapa alinhada com BNCC tem que ajustar a expectativa àquilo que a Base prevê. Já a confecção de um segundo teste no Enem coloca muitas dificuldades, porque, idealmente, deveríamos ter uma segunda fase apoiada em uma especificação dos itinerários formativos (a parte específica escolhida por cada um dos estudantes dentro de cinco grandes áreas: Linguagens, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza, e Educação profissional). Mas o Enem vai se defrontar com um problema que é o fato de que os itinerários foram construídos com muita liberdade pelos estados.

Como resolver isso?

O Inep tem que se movimentar com muita cautela para que não acabe tornando engessado algo que foi concebido para ser flexível. É um tema extremamente sensível. Primeiro, é preciso diálogo e entendimento muito bem construído com todos estados, porque eles estão implementando a reforma e definindo o que entendem como itinerários formativos criados pela lei. Não se pode ter uma proposta de Enem que desconheça a experiência de implementação da reforma pelos estados. Como acho que ainda não foi realizado esse trabalho, vamos ter que gastar um tempo com isso. Depois, há o fato de o Enem ser o principal instrumento de seleção para acesso à educação superior. E, é claro, que isso envolve uma discussão com as universidades. E uma discussão extremamente difícil, que é o fato de que o acesso à educação superior deve ser guiado pela trajetória do estudante até a conclusão do ensino médio e não propriamente pelas expectativas de um percurso posterior na educação superior. Antigamente, havia vestibular para ciências humanas, engenharias, para saúde, o que gerava um efeito no ensino médio completamente negativo. Você começava a especializar o ensino médio em função de alguma expectativa em graduação.

Vai dar tempo de fazer isso até 2024?

Tem que dar. Temos um ano para fazer esse trabalho. Não podemos propor um Enem em que se você percorreu um determinado itinerário (voltado para uma área específica) você se vê sem condições de pleitear uma vaga em qualquer outra área da educação superior. Acesso à educação superior pressupõe que todos tenham condições de participar, independentemente do futuro que almeja para si. A avaliação é feita de acordo com sua trajetória e não de acordo com a expectativa que se tem de ir de uma área ou para outra.

Houve uma queda expressiva no número de participantes no Enem nos últimos anos. Como vocês pretendem reverter isso?

O índice mais preocupante relacionado a isso é a baixa participação dos concluintes do ensino médio da educação pública. Em algumas unidades da federação essa participação ficou próximo de 40% apenas. O ministro tem assinalado que é preciso que a gente busque com as secretarias de educação realizar um esforço conjunto de mobilização dos estudantes que estão concluindo o ensino médio para participarem do Enem, tornando mais visível as diferentes oportunidades para a qual o Enem abre portas. Há certa desesperança com relação às oportunidades educacionais, o que gera baixa participação. É preocupante ter um número pequeno de estudantes que concluem o ensino médio que buscam acesso à educação superior com base no Enem. Temos expectativa de aumentar.

Como atrair os jovens?

A expansão de oportunidades de financiamento está na pauta do ministério. O ministro já mencionou algumas vezes a discussão sobre (a ampliação do) Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). É preciso que os estudantes tomem conhecimento das oportunidades para que esse interesse esteja presente. A expansão da educação superior pública (também está na pauta). São elementos que mobilizam jovens a buscar acesso por meio do Enem.

O Enem em formato digital foi implementado pelo governo de Jair Bolsonaro para uma parcela dos estudantes. Ele continuará existindo?

A ideia é avançar, no sentido de conseguir caminhar para uma versão digital. Mas isso tem que ser visto de acordo com as possibilidades de infraestrutura. A experiência com conjunto mais limitado de estudantes continua, mas dizer qual o momento que vamos alcançar uma condição de ter uma avaliação como o Enem em um formato totalmente digital é difícil antecipar. Há muitas avaliações em países que têm uma infraestrutura muito melhor do que a nossa que ainda usavam testes impressos. Ter uma avaliação totalmente convertida ao padrão digital, significa que você começa a ter itens que são desenhados segundo padrão não reprodutivo no papel. Se pensarmos avaliação digital por esse horizonte, a gente ainda precisa de alguma segurança de que dá para generalizar essa experiência no país, que se possa ter testes que utilizem recursos mais sofisticados na relação com estudantes.

No governo anterior, o Enem foi alvo de sucessivas tentativas de interferência. A nova gestão vai apurar esses relatos? Como será conduzida essa questão?

Não há menor dúvida de que não cabe a qualquer pessoa, especialmente ao presidente do Inep, analisar os testes que são produzidos por especialistas acompanhando os protocolos não só de sigilo e segurança, mas também de alinhamento dos itens que compõem o teste com as matrizes de referência. Os testes são construídos seguindo protocolos de validação. E não há uma coleção de itens que qualquer pessoa de fora pode dizer "tira esse e põe aquele", isso não é assim. Um teste que tem por objetivo observar habilidades e competências de diferentes áreas do conhecimento é construído a partir de critérios técnicos rigorosos. É um despropósito imaginar que qualquer pessoa de fora do circuito de especialistas que elaboram os instrumentos de avaliação possa ser agente de algum tipo de intervenção. É um absurdo. Claro que isso não vai acontecer. Nunca houve qualquer pessoa que atue na área achar minimamente razoável uma intervenção, por qualquer razão, em um instrumento de avaliação. Com relação ao passado, não sei se há algum tipo de medida já tomada pelo Inep, se há algum tipo de demanda por apuração.

Recentemente, o Inep alterou a política de divulgação dos microdados educacionais, que fornecem informações detalhadas sobre matrícula, desempenho, raça, gênero, idade dos estudantes. Isso atrapalhou o monitoramento das políticas públicas. O senhor pretende revisar essa medida?

Já conversei com o Carlos Moreno, que produz os dados do Censo, e o que há é uma busca para definir quais os dados de fato sensíveis para estudantes e professores, e assegurar a divulgação dos microdados sem que essa fronteira seja ultrapassada. Muitas vezes, pode ter o microdado chegando até o nível mais baixo de informação, mas sem reunir estudantes e professores em coleções que permitam a identificação. Há um grupo trabalhando com uma discussão essencialmente jurídica para ver que tipo de coleção de dados poderia ser divulgada com dados chegando ao nível mais baixo de informação sem ferir a Lei Geral de Produção de Dados. Mas acho que vamos entregar microdados de todas as nossas bases com a exclusão daquelas variáveis e do padrão de agregação que permita identificar o indivíduo. Quando se tem uma novidade legislativa, a primeira reação é se proteger, proteger a instituição. É natural. O pessoal da área jurídica imagino que esteja formando juízo sobre os limites da lei. A minha expectativa é que muito rapidamente a gente consiga liberar microdados, que é fundamental não só para pesquisa acadêmica, mas para todos aqueles que monitoram políticas públicas como parte de seu exercício profissional, os estados, por exemplo. Isso precisa circular na administração para que outros órgãos possam usá-los. Temos que definir o que é restrito e o que não é.

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