Os altos índices de desmatamento na Amazônia no primeiro trimestre deste ano revelam que, apesar dos esforços iniciais do governo Lula, o Estado brasileiro ainda não conseguiu interromper o crime ambiental e assumir a governança na maior floresta tropical do mundo. Esta é a principal conclusão de especialistas da área ambiental, que preveem um processo ainda demorado para reverter o ciclo de devastação e uma piora na situação nos próximos meses.
Entre os principais fatores que levaram à segunda maior marca de alertas de desmatamento na história - 844 km², segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) - , estão o que os estudiosos chamam de "herança maldita" do governo Bolsonaro e a falta de cooperação entre os Estados e o governo federal.
— Voltar a ter domínio sobre a situação ainda vai levar tempo, porque o tamanho da destruição foi muito grande. Foi um ciclo de quatro anos de sabotagem institucional feita por quem estava lá dentro. Então, o que se tem de saldo final é que a capacidade do Estado brasileiro de combater o crime foi diminuída. E restabelecer isso vai demorar um pouco — disse ao GLOBO Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
A complexidade da missão fica perceptível no andamento da principal operação lançada até agora pelo governo Lula contra o crime ambiental - a retomada do território indígena Ianomami. Os agentes em campo estimam que ação deve se estender até o fim do ano para fazer a desintrusão total dos garimpeiros. Na última quinta-feira, em café da manhã com jornalistas, o próprio presidente Lula admitiu que o governo estava "tendo trabalho" para encerrar a atividade ilegal.
— A solução do caos instalado pelo governo anterior ainda levará tempo. O sentimento dos infratores é de impunidade e de que não há controle estatal. Isso somente será revertido com a continuidade de fortes ações de controle — afirmou a ambientalista e ex-presidente do Ibama Suely Araújo, que também é integrante do Observatório do Clima.
Astrini e Araújo consideram ainda que, para reverter a tendência de alta de desmatamento, os Estados da Amazônia legal precisam se engajar mais no combate ao crime ambiental, como a exploração ilegal de madeira, o garimpo de pedras preciosas e a grilagem de terras. A maior parte dos alertas do primeiro trimestre se concentraram justamente no que é chamado de "novo arco do desmatamento" - uma área que contempla o sul do Amazonas e Pará e o norte do Mato Grosso.
— Considero importante cobrar os governos estaduais para assumirem sua responsabilidade. A fiscalização ambiental dos imóveis rurais compete primariamente aos Estados, e a atuação dos entes subnacionais na Amazônia sempre foi e continua insuficiente — disse Araújo.
Em nota, a ONG ambientalista WWF também declarou que a redução do desmatamento só ocorrerá quando houver "uma reversão consistente da fragilização das instituições responsáveis pela fiscalização e quando o discurso do novo governo ganhar mais materialidade".
"Para isso, é urgente a retomada das ações de comando e controle, fortalecimento dos órgãos que foram sucateados nos últimos anos, valorização dos povos da floresta e seus saberes e a implementação de uma economia sustentável", diz o texto.
Segundo os especialistas, a reposição mais urgente deve ocorrer no quadro de agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A instituição conta hoje com 300 agentes em campo - efetivo que já foi de 2.000 na primeira gestão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Para piorar a situação, os primeiros meses do ano costumam ter uma retração nos índices de desmatamento em função do "inverno amazônico", que vai de dezembro a maio. As chuvas frequentes costumam retardar as ações predatórias e as nuvens, encobrir as imagens de satélite das áreas devastadas, que depois aparecem nos registros dos meses seguintes.
— A partir de abril a tendência sempre é o aumento do desmatamento pelo fim das chuvas, o que traz preocupação grande. Isso implica que os esforços do governo terão de ser intensificados — afirma Araújo.
"No 'verão amazônico', que vai de junho a novembro, quando as chuvas são mais escassas, o desmatamento tradicionalmente aumenta, pois é quando o clima fica mais seco e propício para as atividades relacionadas ao desmatamento", acrescentou o Greenpeace, em nota publicada em março.