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Por Nicolas Iory e Laura Mariano* — São Paulo

A maior disseminação de conteúdo extremista nas redes sociais e em fóruns secretos da internet é um dos fatores apontados por especialistas para o aumento de ataques em escolas brasileiras. Isso pode ter influenciado no caso da creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), invadida por um homem que matou quatro crianças na manhã desta quarta-feira, e pesou no atentado à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, na semana passada.

A Polícia Civil de São Paulo ainda investiga se alguém ajudou o adolescente de 13 anos que matou uma professora e feriu outras três com golpes de faca na Zona Oeste da capital. Os investigadores suspeitam que outro aluno da Escola Estadual Thomázia Montoro possa ter auxiliado materialmente o autor do ataque. Enquanto essa dúvida não é dizimada, uma coisa já é sabida: outras pessoas estavam a par das intenções do jovem e interagiram com suas publicações sobre o tema nas redes sociais, entre elas um colega de sala que também é tratado como suspeito pela polícia.

No Twitter, o adolescente usava uma conta que faz referência a um dos atiradores que mataram sete pessoas em uma escola de Suzano, na Grande São Paulo, em 2019. Algumas de suas publicações na rede social mencionavam uma hashtag com a qual internautas compartilham conteúdos extremistas e que fazem a exaltação de criminosos. Essa e outras hashtags, não reproduzidas nesta reportagem por recomendação dos especialistas ouvidos pelo GLOBO, impulsionam o discurso de ódio entre jovens nas redes sociais e em fóruns de jogos, segundo explica a pesquisadora Letícia Oliveira, que há 11 anos monitora a atividade de células neonazistas na internet:

— Existe uma comunidade que cultua atiradores em massa, e isso está bem forte aqui no Brasil, está piorando. A propaganda toda desse grupo acontece por meio de hashtags, em uma bolha. Mas quando acontece um atentado desses, como o de São Paulo, eles furam a bolha e o conteúdo viraliza. Esse grupo tem interseções com outras comunidades que incentivam automutilação ou transtornos alimentares, por exemplo, são bolhas adolescentes que acabam levando a um caminho para a radicalização.

A existência desses conteúdos na superfície da internet inverte a lógica dominante até pouco tempo de que a incitação a crimes e o discurso de ódio estavam segregados à deep web, acessível apenas com o uso de softwares específicos. Essa expansão, ou normalização de práticas que antes eram consideradas condenáveis, tem relação direta com o aumento do extremismo político, segundo avalia Catarina de Almeida Santos, pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da UnB:

— O isolamento imposto pela pandemia da Covid-19 fez com que os jovens passassem mais tempo na internet, e isso, passada a emergência de saúde, contribuiu para o aumento de ataques violentos nas escolas em 2022. Mas não foi só: o aumento do armamento da população nos últimos anos e a difusão de discursos extremistas no país, tudo isso alimentou o ódio desses jovens.

Leticia e Catarina contribuíram para a elaboração do relatório "O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental", entregue no fim do ano passado para o então governo federal de transição. O documento sugere uma coordenação nacional das atividades de monitoramento digital para identificar pessoas que incentivem ataques como o ocorrido na escola Thomázia Montoro.

O caminho para a radicalização

Os pesquisadores identificaram que o perfil majoritário dos jovens cooptados por grupos extremistas na internet é de meninos, brancos e heterossexuais, na maioria das vezes com dificuldades de socialização.

Os jovens podem ser atraídos para essas células a partir de vídeos sobre jogos, por exemplo. Ao visualizar um conteúdo sobre o tema, a plataforma passa a sugerir outros relacionados, até que o internauta acabe eventualmente se deparando com um criador de conteúdo que fale sobre jogos ao mesmo tempo em que destila comentários misóginos. O adolescente, nesse caso hipotético, é levado a considerar esse discurso aceitável, e a consumir cada vez mais conteúdos parecidos. Até que ele desce para uma segunda camada: a dos fóruns privados em aplicativos como o Discord ou o Telegram.

— Esses grupos normalmente cooptam jovens com discurso misógino, eles mobilizam as frustrações dos adolescentes, que muitas vezes têm ou tiveram problemas amorosos. Esse menino entra num grupo porque ‘tomou um fora’ e recebe acolhimento. Ali ele tem contato com discursos que incentivam o ódio contra mulheres, e partem para o racismo, para a revolta contra outras minorias, são mobilizados pelo medo e pela raiva. Com esse discurso martelado na cabeça, acaba se radicalizando. É um ciclo vicioso — diz Letícia Oliveira.

Assim como o caminho para a radicalização pode se abrir a partir de um vídeo postado na internet, também pode acontecer de o discurso de ódio chegar a crianças e adolescentes por meio dos chats existentes nas plataformas de jogos. Isso foi identificado entre gamers que jogam Fortnite, Minecraft e Roblox, por exemplo. O Xbox do autor do ataque em São Paulo foi apreendido pela polícia, que tentará identificar suas interações a partir do console para descobrir se alguém teria incentivado o ato por meio desses canais.

É comum se deparar com usuários de fóruns para jogos com comportamentos extremistas. Lo, como prefere ser identificada, frequenta diversos grupos desde os 14 anos. Nesses espaços, já viu diversos tipos de ofensas direcionadas a minorias.

— Eu tinha mais acesso a essas pessoas quando era mais nova, pois vivia no Reddit e Discord. Eu encontrei esses grupos que costumavam se chamar de "shitposters" (nome dado a postagens agressivas, piadas com conteúdo ofensivo ou qualquer coisa de má qualidade usada para causar conflitos e/ou irritar as pessoas) — explica a adolescente. — Só que no meio das piadas, apareceram falas nazistas, sobre necrofilia, racismo e por aí vai. Na época, dependendo do bom senso do moderador do chat, ele bania as pessoas, mas geralmente quem moderava era adolescente também, assim como quem fazia os tais posts, então não acontecia nada. Quem achava errado saía e quem curtia continuava, tornando a bolha ainda menor e mais tóxica.

Lo afirma ter deixado de utilizar e consumir conteúdo das plataformas, mas voltou a ver os grupos extremistas quando traziam as publicações ao Twitter.

— No Twitter, de vez em quando eles estouram a bolha, e muita gente vê e repreende as agressões. Aí eles trancam o perfil por um tempo, até a poeira abaixar, depois abrem o perfil de novo. Muita coisa ruim sai desses lugares, é bizarro. Já vi uma menina falar que o sonho dela era emboscar uma mulher para abusar dela. Essas pessoas são perigosas de verdade. É preciso tomar muito cuidado para que as ofensas não tomem proporções maiores, a ponto de invadirem espaços coletivos, como escolas.

Em São Paulo, o governo estadual estruturou um programa com atendimento psicológico a alunos e professores depois do massacre de Suzano, ocorrido em março de 2019. Na plataforma do Conviva, a direção das escolas registra episódios como brigas ou casos de bullying para que os envolvidos recebam auxílio de um profissional da saúde. Imediatamente após o ataque na Thomázia Montoro, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) prometeu ampliar esse programa.

Para a professora da UnB, as escolas podem contribuir no combate ao extremismo entre os jovens não apenas identificando comportamentos que ensejem atenção, mas também discutindo aquilo que dá origem à revolta dos estudantes:

— Não se pode jogar na escola a responsabilidade de resolver crimes de ódio, isso precisa ser combatido pelo Estado, com políticas públicas. O papel da escola é pensar o que alimenta esse extremismo, geralmente associado a um ódio contra a diversidade, a ideias masculinistas. A escola deve trazer esses temas para a sala de aula, isso precisa fazer parte da formação da nossa sociedade. Mas hoje o professor que tenta abordar esses assuntos é denunciado como esquerdista, é exposto em vídeos de parlamentares. Então a escola vive esse dilema de ser culpabilizada pelos ataques e também criticada por trabalhar temas que alimentam o extremismo. A escola é parte do problema e parte da solução.

O que dizem as plataformas

Ao GLOBO, a Meta, controladora de Facebook e Instagram, disse que “não permite organizações ou indivíduos que anunciem uma missão violenta” e encoraja usuários a denunciarem perfis que violem essa regra, acrescentando que as redes “removem conteúdo que expresse apoio ou exalte grupos, líderes ou indivíduos envolvidos nessas atividades”.

O Discord disse, em nota, que segue “uma política de tolerância zero para o ódio e o extremismo” e que a equipe de segurança da plataforma remove conteúdos nocivos a partir de denúncias dos usuários e também de buscas ativas nos servidores. “Acreditamos que atos violentos são inaceitáveis ​​e que seus perpetradores devem ser responsabilizados”, acrescentou.

O YouTube declarou que “não permite discurso de ódio” na plataforma e que “remove todo conteúdo que promova a violência”. “Essas regras valem para vídeos, descrições, comentários, transmissões ao vivo e qualquer outro produto ou recurso do YouTube”.

O TikTok limitou-se a encaminhar o site com suas diretrizes, segundo as quais a plataforma “reconhece que o conteúdo online relacionado à violência pode causar danos no mundo real”, e portanto são proibidos na rede.

O Reddit informou que a rede social é reservada a maiores de idade e que observou uma queda no número de conteúdos com discurso de ódio desde a última atualização das regras da plataforma, há três anos.

O Twitter não respondeu aos questionamentos do GLOBO. Não foi possível contatar os representantes do Telegram.

*Estagiária, sob supervisão de Nicolas Iory

Webstories

Esclarecimento aos leitores sobre cobertura de ataques e massacres pelo Grupo Globo

A respeito do ataque ocorrido hoje a uma creche em Blumenau (SC), no qual quatro crianças foram mortas e outras cinco, feridas, o Grupo Globo divulgou nota sobre as diretrizes que orientam a cobertura de casos de ataques e massacres de seus veículos de imprensa:

"Os veículos do Grupo Globo tinham há anos como política publicar apenas uma única vez o nome e a foto de autores de massacres como o ocorrido em Blumenau. O objetivo sempre foi o de evitar dar fama aos assassinos para não inspirar autores de novos massacres. Essa política muda hoje e será ainda mais restritiva: o nome e a imagem de autores de ataques jamais serão publicados, assim como vídeos das ações.

A decisão segue as recomendações mais recentes dos mais prestigiados especialistas no tema, para quem dar visibilidade a agressores pode servir como um estímulo a novos ataques. Estudos mostram que os autores buscam exatamente esta "notoriedade" por pequena que seja. E não noticiamos ataques frustrados subsequentes, também para conter o chamado "efeito contágio"

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