A Polícia Civil de São Paulo ouvirá hoje o casal de passageiros que era conduzido pelo motorista de aplicativo que teria tido o celular furtado no Viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região central de São Paulo, antes de o ambulante Matheus Campos Silva, de 21 anos, ser atropelado. Em depoimento prestado ontem, o motorista Rafael Bittencourt da Silva confirmou a versão do furto, mas alegou que não viu o rosto do assaltante.
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O caso, no dia 25 de abril, envolvendo Matheus, que morreu por politraumatismo, causou revolta nas redes sociais porque o atropelador, Christopher Rodrigues, compartilhou uma série de vídeos feitos no local debochando da vítima e sugerindo que ela fosse assaltante. Uma gravação mostra Matheus ainda vivo embaixo do carro implorando por socorro. Em outro vídeo, Christopher chega a dizer que Matheus era “menos um ‘fazendo o L”, em referência aos eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Seu comportamento gerou repulsa nas redes. Na ocasião, ele foi levado pela PM para a delegacia, mas prestou depoimento e acabou liberado.
Matheus furtou um celular antes de ser atropelado?
Em depoimento à Polícia Civil, o motorista de aplicativo Rafael Bittencourt da Silva, que conduzia um casal pelo Viaduto Júlio de Mesquita Filho no momento do atropelamento, confirma a versão do furto. Mas, alega que, no momento do episódio, ele e os passageiros olhavam para a esquerda, após um carro começar a buzinar, enquanto o assaltante teria arrancado o celular do painel pelo lado direito. Por isso, diz, não conseguiu ver o rosto de quem praticou o crime.
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— Ele (o motorista Rafael) deu a sua versão dos fatos, de que estava no veículo com dois passageiros. De repente, uma pessoa entrou com o corpo, deu um tapa no painel pegou o celular e saiu. E logo que essa pessoa saiu, questão de cinco segundos, ele ouviu um barulho e era o atropelamento — diz o delegado titular do 5º DP.
No entanto, no mesmo depoimento, ele afirma ter associado Matheus ao furto pelo curto espaço de tempo entre o episódio e o atropelamento. E por não ter visto mais ninguém na via, fora a vítima.
O advogado da família de Matheus rebate:
— Na verdade, o suposto motorista furtado sequer reconhece o meu cliente como o autor do furto. Ficou na dúvida — afirma Walisson dos Reis.
Os motoristas se conheciam?
Assim como Rafael Bittencourt da Silva, Christopher Rodrigues é motorista de aplicativo. Rafael disse à polícia que não conhecia o atropelador até o caso no viaduto e que o seu carro estava distante entre sete e dez metros do de Christopher.
O advogado da família de Matheus questiona essa parte do depoimento sobre eles não se conhecerem antes:
— Eles são do mesmo ramo.
Houve omissão de socorro?
Pela dinâmica que Rafael descreveu na delegacia, logo após ser furtado, ele ouviu um barulho, que seria do impacto do atropelamento, e encostou o carro e saiu, encontrando seu celular no chão.
“(...) o declarante pode perceber que um veículo Ford Ka de cor preta havia atropelado uma pessoa, pois ela estava embaixo do veículo”, afirma o depoimento, acrescentando que a sua passageira e o atropelador tentaram parar uma ambulância, sem sucesso, porque estaria com um paciente, e que alguns motociclistas que frearam para olhar o atropelamento não quiseram ajudar.
O delegado Percival Alcântara, do 5º DP, afirma que não foi Christopher que chamou o socorro. Este teria chegado só entre 15 e 20 minutos depois do atropelamento, como diz Rafael no depoimento. Num vídeo compartilhado por Christopher num grupo de motoristas de aplicativo, Matheus aparece embaixo do carro implorando por socorro, enquanto o atropelador diz: "E aí, comédia, vai roubar trabalhador, vai roubar, cuzão? Não vai sair daí não até chegar a polícia".
Quais crimes Christopher pode ter praticado?
Segundo o delegado do caso, Christopher Rodrigues é investigado por homicídio, incitação ao crime e possível omissão de socorro. A apuração quer determinar se a morte foi intencional. À polícia, Christopher disse ter atropelado Matheus “sem querer”, sabendo só depois sobre o furto.
Antropólogo e coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro, Robson Rodrigues analisa que o motorista, autor de provas contra si próprio, pode ser denunciado pelo Ministério Público por homicídio doloso por dolo eventual, o que o levaria ao Tribunal do Júri:
— Homicídio doloso por dolo eventual é quando se pratica um ato sabendo que há a possibilidade desse resultado e não dá a mínima. É o caso dele ter assumido todos os riscos do que pudesse acontecer. Quando ele mostra nos vídeos que se sente satisfeito com o resultado, há a possibilidade de modificar a modalidade do crime de culposo para homicídio doloso, com pena maior — explica o coronel, dizendo que, fora o aspecto criminal, o atropelador pode ainda ser enquadrado nas esferas cível e administrativa. — No campo cível, há o dano material para a família e para a sociedade e ainda a destruição da imagem do morto, que seria o dano moral. Já no administrativo, ele pode perder seu direito de dirigir por não ter condições, sendo impedido também de trabalhar como motorista de aplicativo.