Em viagens por sete estados, adentrar igrejas históricas se tornou um ritual para o professor de Filosofia Eduardo Campos, de 53 anos. Há dez anos, o professor registra imagens de paróquias e santos e procissões tradicionais. Mais de cem igrejas já foram clicadas, na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, em Minas Gerais, em São Paulo, no Paraná e no Rio. Resultaram em um acervo de quase 30 mil fotos no Instagram.
Em 2013, o professor trocou o consultório odontológico onde trabalhava há 20 anos para ensinar Filosofia na rede estadual de ensino do Rio. A partir daí, a razão e a emoção o acompanham.
— Eu estava insatisfeito como dentista e uma amiga me incentivou a voltar a estudar, porque sempre fui da área de Humanas. Passei para a faculdade de Filosofia, depois no concurso para professor e segui com as duas profissões por dois anos, até ver que o desejo é ensinar — relembra Eduardo. — Meu marido é muito católico e, sempre que viajávamos, íamos a igrejas. Observar de perto os estilos e as características dos santos me inspirou a começar a fotografar e a estudar o tema — completa.
Caçador de Rituais
Fotografar e preservar
A prática de uma década, no entanto, não garante ao professor cliques fáceis. Devido ao fato de as obras serem únicas e, às vezes, decoradas com ouro, as irmandades e padres responsáveis por algumas igrejas não permitem fotos, e muito menos a divulgação das imagens. A resistência é contestada por Eduardo nas visitas. Para ele, quanto mais uma peça de arte é conhecida e difundida, mais segura ela estará.
— Minhas imagens são uma forma de ter a arte e a cultura preservadas. Nenhuma foto tem fins comerciais, e elas e ajudam pesquisadores que estudam rituais e as imagens de vestir — explica o professor, acrescentando que já fotografou um São José que havia sido roubado de uma igreja em João Pessoa mas que foi recuperado. — Há o dilema de que as imagens são visadas e o roubo alimenta um mercado ilegal extremamente lucrativo. Mas é importante difundir o conhecimento sobre as riquezas culturais que temos no nosso país.
Mas um dos registros mais emocionantes, para Eduardo, foi fora do Brasil, em 2014, quando ele e o marido, Luiz Wagner de Assis, planejaram uma viagem ao Peru para o Corpus Christi em Cusco. Centenas de pessoas de todo o mundo vão à cidade em julho para acompanhar a procissão massiva dos 15 santos e virgens dos principais templos da cidade. Cada imagem é acompanhada pelo seu grupo de paroquianos devotos ao ritmo das bandas de música, que caminham por quilômetros entoando preces de agradecimento e pedidos de bênçãos. Mesmo sem ser católico, Eduardo percorreu as ruas peruanas admirando e fotografando a fé cristã.
— Rendeu centenas de fotos, especialmente dos santos, que são enormes e vestidos com roupas e acessórios característicos de cada um deles — conta Eduardo, ressaltando que admira os rituais católicos, apesar de ter nascido em berço da umbanda e já ter frequentado o kardecismo.
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As curiosidades sobre a arte sacra deixam legado na educação. Em um projeto com uma colega de profissão no Colégio Estadual República de Angola, Eduardo ensina aos alunos sincretismo religioso e estética do sublime.
Imagens de vestir
Foram os estilos de vestes das imagens sacras que levaram o professor a se aprofundar nos estudos das imagens de vestir: capazes de despertar tanto a emoção quanto o temor dos fiéis, devido ao tamanho e aos olhos de vidro, as esculturas são conhecidas por suas roupas de tecidos exuberantes e perucas. Conforme é celebrado o dia de cada santo no calendário católico, fiéis usam o “corpo” padrão feito de madeira, gesso ou outro material, e adaptam apenas a indumentária. Dessa forma, a imagem de Nossa Senhora das Dores pode se tornar Maria Madalena com uma simples, mas muito simbólica, troca de vestes.
Algumas das fotos mais importantes da pesquisa de Eduardo sobre o tema foram tiradas na Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de Janeiro. Em uma das festas de Assunção de Maria, que acontece há mais de 200 anos, o professor registrou o instante em que uma devota troca as vestes da santa. A partir do momento em que é vestida com o manto branco, a mãe de Jesus deixa de ser Nossa Senhora da Assunção — que foi elevada aos céus de corpo, alma e espírito, de acordo com a crença — e torna-se Nossa Senhora da Glória, com uma coroa de ouro. O rito dura dez dias e acontece sempre em agosto.
Em julho, Eduardo foi a Ouro Preto (MG) acompanhar o Triunfo Eucarístico na Igreja do Rosário. Construída para a irmandade de escravizados da cidade que foi o centro da exploração de ouro da então colônia portuguesa, o santuário promove a cerimônias há 290 anos. Hoje, o professor pega a estrada rumo a outro ritual em Minas : a Festa da Assunção e Boa Morte de Maria, em São João del Rei.
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