Após a Polícia Civil concluir o inquérito sobre a morte da cigana Hyara Flor, de 14 anos, apontando que o tiro que atingiu o rosto da menina foi acidental e disparado pelo cunhado de apenas 9 anos durante uma "brincadeira", o caso agora passa a ser investigado pelo Ministério Público da Bahia em nova fase. Ainda não totalmente convictos de que o disparo tenha sido feito pela criança, os promotores já pediram com urgência o envio do resultado de um exame de coleta de DNA encontrado na pistola .380 utilizada no crime, que poderá definir de vez se o marido da adolescente, um jovem também de 14 anos, teve participação ou não na tragédia.
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O MP irá investigar ainda três crimes supostamente cometidos pela sogra de Hyara e mãe da criança de 9 anos que teria feito o disparo acidental. Os promotores irão apurar se a mulher cometeu os crimes de homicídio culposo – por ter deixado a arma à disposição das crianças –, falsidade ideológica, decorrente do porte ilegal da pistola, e ainda abandono intelectual por parte dela e do marido com relação aos filhos que, segundo o Ministério Público levantou, não frequentam a escola.
Com queixas de ameaças e o episódio dos tiros disparados pelo tio de Hyara em direção à casa onde ela foi morta, em Guarantinga, a família também deverá ser consultada se tem interesse no ingresso ao Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte.
Hyago Alves, pai de Hyara, usou as redes sociais nos últimos dias para criticar a conclusão do inquérito e a condução da investigação por parte da polícia. Ele não acredita que o tiro tenha sido acidental e defende a versão de que sua filha tenha sido assassinada por conta de uma vingança da família do marido por uma suposta relação extraconjugal entre a mãe do garoto e um tio de Hyara. A polícia descartou esta hipótese.
O pai do ex-marido de Hyara, o adolescente de 14 anos que chegou a ser apreendido no Espírito Santo e acabou solto após a conclusão do inquérito, também usou as redes para se posicionar. Disse que vinha sofrendo ameaças da família da menina e que por isso ele, a esposa e os filhos haviam fugido de carro para outro estado. Também reforçou a versão de que o tiro disparado foi acidental.
– O que aconteceu é que o (nome da criança de 9 anos), meu filho e cunhado de Hyara, estava brincando e fez um disparo acidental. Minha nora... eu amava... amava, não, eu amo a minha nora. A Hyara, para falar a verdade, é uma pessoa que eu tinha como uma filha – disse na gravação.
O inquérito
Segundo a Polícia Civil, a conclusão do inquérito só foi possível graças a elementos periciais e relatos de testemunhas-chave. Laudo de necropsia, perícia no local e até uma imagem flagrada por câmera de segurança logo após a morte de Hyara naquele dia 9 de julho não apenas foram levados em consideração nos autos, como foram determinantes para o desfecho surpreendente.
A perícia analisou a posição e o ângulo do tiro da pistola calibre .380 que atingiu Hyara Flor naquele dia e concluiu que eram incompatíveis com a altura de cerca de 1,80m do até então principal suspeito pelo crime, o marido de 14 anos. O disparo foi feito de perto, de uma distância de no máximo 25 centímetros. Essa constatação já praticamente o descartava da lista de suspeitos.
As imagens de uma câmera de segurança, então, foram determinantes para que a investigação começasse a caminhar na direção do que já alegava o pai do principal suspeito e sogro de Hyara. "Meu filho estava brincando e fez um disparo acidental", disse em publicação nas redes. De acordo com a polícia, a gravação mostra o menino de 9 anos, cunhado da vítima, logo após ter feito o suposto disparo acidental, correndo em direção à rua. Ele coloca as mãos à cabeça e grita: "Me matem, eu matei a Hyara!". Neste momento, os investigadores contam que os parentes se desesperam e entram correndo na casa onde a cigana morava com o marido.
É depois desse momento que a polícia afirma que um tio de Hyara, irmão de Hyago, após ouvir o disparo e a movimentação na casa, começa a disparar tiros em direção a eles. Ele inclusive acabou indiciado no inquérito pela conduta hostil. Depois dos tiros e de supostas ameaças, a família do marido resolve, então, pegar o carro às pressas e fugir dali.
Os policiais descartaram a hipótese de que a família do garoto tenha premeditado o crime porque, no momento da fuga, o carro deles estava com o tanque vazio e precisou ser reabastecido no caminho para o Espírito Santo, estado onde buscaram abrigo em outra comunidade cigana.
A investigação também apurou que a arma foi comprada pela mãe do marido de Hyara em Vitória da Conquista após uma tentativa de sequestro que o filho sofreu em Guaratinga.
Pesaram ainda a favor do adolescente o fato de o laudo de necropsia não indicar sinais internos ou externos de violência doméstica e, sobretudo, o relato das 16 testemunhas – incluindo menores de idade, acompanhados por promotores do Ministério Público da Bahia –, que de forma unânime afirmaram que os dois, casados há apenas 45 dias, tinham uma relação harmônica.
A família de Hyara sustentava ainda a hipótese de que o crime tivesse sido cometido por vingança após um relacionamento extraconjugal entre a mãe do adolescente e o tio da vítima. No entanto, de acordo com a polícia, esta versão não se sustentou com provas.
A sogra de Hyara Flor foi indiciada por homicídio culposo e porte ilegal de arma de fogo, considerando que a pistola utilizada no crime pertencia a ela. O tio da vítima foi indiciado por disparo de arma de fogo, referente a tiros deflagrados contra a residência do casal de adolescentes. O adolescente, ex-companheiro da vítima, foi ouvido por meio de videoconferência pela juíza da comarca de Guaratinga após a conclusão do inquérito e foi solto.
Em nota oficial, a Polícia Civil afirma que a investigação do caso concluiu que o tiro que atingiu a vítima foi disparado pelo cunhado da adolescente, de nove anos, quando a criança e Hyara brincavam com a arma no quarto dela. "No curso das apurações foram analisados laudos periciais, houve oitivas de 16 pessoas, entre elas, duas crianças que prestaram depoimento especial com a presença de promotor de Justiça da Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público da Bahia. Também foram analisadas imagens de câmera de vigilância do endereço do fato, documentos e mensagens de celular e redes sociais, além de apurações em campo".
Procurada, a defesa de Hyago Alves não retornou o contato. A reportagem também não conseguiu contato com Homero Mafra, advogado responsável pela defesa da família do ex-marido de Hyara.
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