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Por Lucas Altino — Rio de Janeiro

Se o limite de 60 gramas de maconha — proposto pelo ministro Alexandre de Moraes em seu voto favorável à descriminalização do porte pessoal da cannabis — for implementado, quase metade dos processos de tráfico de drogas seria impactado no país. Um cálculo do Ipea, que analisou milhares de acusações criminais em todos os tribunais brasileiros, apontou que 43% das apreensões da droga registradas nos processos de tráfico eram de quantidade igual ou inferior a 60 gramas. O julgamento no STF tem um placar de 4 a 0 a favor da descriminalização, mas o tema ainda voltará a debate e ainda não se sabe qual será o limite máximo que será estabelecido para o porte.

Ao excluir casos em que outras drogas, como cocaína e crack, eram apreendidas juntas com a cannabis, os pesquisadores concluíram que 14% das pessoas processadas por tráfico somente de maconha seriam alcançadas por um eventual limite de 60 gramas. Isso significa um universo de 9% entre todos os processos por tráfico de drogas, que então poderiam ser considerados casos de uso pessoal, extinguindo a acusação criminal.

A simulação foi feita pelo Ipea, na pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum”, cujo primeiro relatório, em maio, apontou predominância de apreensões de pequenas quantidades de drogas e fez simulações para casos de apreensões de até 25 gramas, um limite proposto pelo ministro Luís Roberto Barroso, no mesmo julgamento.

Cálculos do Ipea com base nos processos de tráfico de drogas — Foto: Editoria de Arte
Cálculos do Ipea com base nos processos de tráfico de drogas — Foto: Editoria de Arte
Cálculos do Ipea com base nos processos de tráfico de drogas — Foto: Editoria de Arte
Cálculos do Ipea com base nos processos de tráfico de drogas — Foto: Editoria de Arte

Agora, na atualização, os pesquisadores aplicaram a hipótese de descriminalização de um limite de até 60 gramas. E também filtraram processos em que havia apreensão apenas de maconha, já que na maioria dos casos as apreensões abrangem mais de uma substância, para mostrar diferentes cenários.

— O refinamento dos dados traz mais clarezas sobre os impactos que podem ter no sistema de justiça. No número de processos de tráfico de drogas como um todo — explica a pesquisadora do Ipea e uma das autoras do estudo Milena Karla Soares. — Sei que o tema é bastante controverso, mas estamos tentando qualificar o debate.

O trabalho do Ipea analisou 5.121 processos por tráfico de drogas em todos os tribunais do país no primeiro semestre de 2019, uma amostra dos 41.100 processos no período, o que indica estatisticamente o cenário nacional.

Até dezembro do ano passado, no último boletim disponível da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), havia 200 mil pessoas presas por tráfico de drogas (ou associação ao tráfico) no país, quase um terço da população carcerária. Os 9% calculados pelo Ipea que estariam no limite de porte pessoal de maconha são a proporção sobre todas as pessoas acusadas de tráfico, mas não necessariamente as que estão presas. De qualquer forma, é possível estimar que a definição de um limite para uso pessoal de maconha resultaria na absolvição de muitos presos.

— Haveria um desencarceramento em massa de pessoas que foram presas com pequenas quantidades — afirma o advogado Ladislau Porto, que advoga para duas associações de cannabis medicinal.

Liberação de cocaína aumentaria o impacto

O estudo também lança luz para a quantidade de absolvições que poderia acontecer para o caso de descriminalização de pequenas quantidades de outras drogas. A ação que está em análise no STF questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que penaliza "Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização". Mas a ação foi motivada por uma condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha, por isso os ministros têm votado somente sobre descriminalização da maconha. A exceção foi o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, que votou pela descriminalização de todas as substâncias.

— O artigo fala do porte de drogas, então o impacto poderia ser muito maior. Mas temos um preconceito muito grande, muita gente que não é a favor do tema. Então acho que, por circunstâncias sociais e culturais, vão se limitar à maconha — diz Porto.

Segundo o estudo do Ipea, um cenário de liberação de até 25 gramas de maconha e 10 gramas de cocaína, por exemplo, que foi uma das possibilidades apontadas pelo Instituto Igarapé numa nota técnica sobre descriminalização de drogas, o resultado seria de 23% de acusações por tráfico que poderiam ser extintas.

— No caso da cocaína, o impacto seria ainda maior. Então seria importante se refletir sobre critérios objetivos para ambas as substâncias — afirma Milena Soares.

Como está o julgamento

Após o voto do ministro Alexandre de Moraes, o julgamento no STF sobre porte pessoal de maconha ficou com um placar de 4 a 0 favorável à descriminalização. Apesar da concordância com a tese de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, houve diferenças nos votos já proferidos.

Moraes decidiu por um limite de 60 gramas de maconha para se caracterizar uso pessoal, enquanto Luís Roberto Barroso sugeriu teto de 25 gramas e Edson Fachin delegou ao Congresso a criação de um critério. Já o relator Gilmar Mendes foi o único a votar pela descriminalização do uso pessoal de qualquer droga.

Depois do voto de Alexandre de Moraes, o julgamento voltou a ser suspenso, e ainda não retornou à pauta. Há expectativa para que volte na semana que vem.

Entenda a ação no STF

O caso começou a ser julgado há sete anos. A discussão avalia a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que considera crime "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Em 2015, três ministros do Supremo — Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin — votaram por invalidar o artigo, o que na prática descriminaliza o porte de drogas para uso pessoal. Eles, contudo, divergiram na forma como a lei deve ser aplicada.

O relator, Gilmar Mendes, votou para descriminalizar o porte de todas as drogas. Fachin e Barroso também votaram pela descriminalização do porte, mas apenas da maconha, por ter sido essa a droga apreendida no caso em análise.

Os dois, no entanto, divergiram sobre uma questão central: a quantidade que diferencia um usuário de um traficante. Fachin propôs que essa quantidade deve ser definida pelo Legislativo. Já Barroso sugeriu um número: 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis pés. Esse valor, contudo, não seria um parâmetro rígido, e poderia ser reavaliado por cada juiz, que precisaria fundamentar sua decisão.

O processo tem "repercussão geral reconhecida", ou seja, o que for decidido pelos ministros da Corte terá que ser seguido por tribunais de todo o país.

Iniciado em agosto de 2015, o julgamento foi suspenso após o então ministro Teori Zavascki solicitar mais tempo para analisar a ação, que posteriormente foi encaminhada a Moraes.

O processo divide opiniões entre ministros do Supremo, mas, hoje, a expectativa é que haja uma maioria de votos para a adoção da tese proposta por Gilmar Mendes. O principal ponto de divergência deve ficar por conta das formas de aplicação do entendimento adotado e de possíveis critérios fixados para a diferenciação entre usuários e traficantes — a aposta nos bastidores é que seja preciso chegar a um voto médio a respeito deste ponto.

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