O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria a favor de determinar que deve ser estabelecida uma quantidade mínima de droga que diferencia um usuário de maconha e um traficante, mas há divergências entre os ministros sobre quem fará a definição e qual será essa quantidade. Apesar disso, ainda não há maioria para descriminalizar o porte de drogas, o principal ponto que está sendo discutido no julgamento.
Seis ministros já votaram. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber defenderam que quem esteja com até 60 gramas de maconha seja presumido usuário, caso não haja outros indícios de que seja traficante. O ministro Luís Roberto Barroso inicialmente propôs 25 gramas, mas depois aumentou para 100 gramas. Cristiano Zanin defendeu 25 gramas.
Edson Fachin foi o único a não sugerir uma quantidade específica. O ministro considera que deve haver um critério objetivo, mas que o número precisa ser estabelecido pelo Congresso.
— Na questão de diferenciação de usuário e traficante, acho que todos estamos de acordo — afirmou Moraes, em referência aos seis ministros que já votaram.
Em relação à descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, o placar é de cinco votos a um. Zanin foi o único até aqui a ser contrário à descriminalização.
Atualmente, já existe a despenalização do porte, ou seja, a prática não é punida com pena de prisão. Caso haja maioria pela descriminalização, as sanções passariam a ser administrativas, e não penais. Isso significa que o usuário, como exemplificou Gilmar Mendes, não poderia sequer ser submetido a prisão em flagrante ou ser conduzido à delegacia.
O ministro André Mendonça pediu vista, o que adiou a conclusão do julgamento. Ele tem até 90 dias para devolver o processo. Diante disso, Rosa Weber antecipou seu voto porque irá se aposentar em setembro.
Gilmar alterou voto
No início da sessão desta quinta, o relator do caso, Gilmar Mendes, alterou seu voto. No início do julgamento, em 2015, ele havia defendido a descriminalização do porte de todas as drogas.
Entretanto, os três ministros que votaram depois — Fachin, Barroso e Moraes — aplicaram a medida apenas à maconha, por ser a droga apreendida no caso concreto que motivou o julgamento. Por isso, Gilmar resolveu também restringir sua posição.
Em seu voto, o relator ainda adotou o parâmetro sugerido por Moraes para a diferenciação entre usuário e traficante, de até 60 gramas.
— Vou reajustar o voto para restringir a declaração de inconstitucionalidade a apreensões relacionadas à substância entorpecente tratadas nos autos do presente recurso, bem como para incorporar os parâmetros sugeridos no voto do ministro Alexandre de Moraes — afirmou Gilmar.
Ainda em 2015, Barroso sugeriu um critério diferente: 25 gramas ou seis plantas fêmeas. Na sessão desta quinta, contudo, o ministro revelou que na realidade preferia um limite mais alto, de 100 gramas, mas que diminuiu a sugestão em busca de consenso. Por isso, ele disse que gostaria de aumentá-la e afirmou que também poderia aderir à proposta de Moraes.
— Eu elevaria para 100 gramas, mas se o consenso se formar em torno de 60, 60 é mais do que 25 e certamente é mais do que zero — avaliou Barroso.
Moraes reafirmou nesta quinta que sua sugestão foi baseada em uma análise dos critérios já utilizados em boletins de ocorrência.
— Se nós fixarmos um critério que já é fixado pela própria polícia, Ministério Público e Poder Judiciário para determinada camada da sociedade, 59,5 gramas, nós estaríamos seguindo um critério já realizado em milhares de boletins de ocorrência. Por isso essa proposta.
Outras drogas
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, afirmou que "gostava mais" do voto original de Gilmar, pela descriminalização de todas as drogas, mas que entende a busca por um consenso.
— Eu confesso a Vossa Excelência que gostava mais da outra tese. Mas também acho que todos nós temos que caminhar por um consenso.
Em resposta, Barroso afirmou concordar que a "lógica é a mesma" para as outras drogas, mas disse que prefere "andar devagar" para que a sociedade possa compreender.
— Como é um assunto muito delicado, me pareceu que andar devagar, mas consistentemente, seria melhor que ousarmos, talvez, além do que a sociedade pudesse compreender. Mas eu concordo com o ministro Gilmar e Vossa Excelência que a lógica é a mesma.
Conversa com Pacheco
Durante a sessão, Gilmar revelou que ele e Moraes tiveram uma conversa recente com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para explicar que o julgamento é uma tentativa de "atualizar o sentido" da Lei de Drogas, de 2006.
No início do mês, Pacheco afirmou que o STF estava fazendo uma "invasão de competência do Poder Legislativo" ao discutir a descriminalização do porte.
— Não faz muito tempo o ministro Alexandre e eu tivemos uma conversa com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, que como todos sabem é um fraterno amigo do Poder Judiciário. E que estava preocupado com essa suposta invasão de competências do Legislativo. E nós procuramos demonstrar que, ao contrários, nós estávamos tentando atualizar o sentido da própria norma de 2006. Conversa semelhante eu tive também com o presidente da Câmara, presidente Lira — relatou.
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