Brasil
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Por — São Paulo

Mais de 4,2 milhões de brasileiros tiveram de deixar suas casas devido a eventos climáticos extremos, que destruíram ou danificaram mais de 2 milhões de moradias em 4.334 municípios entre 2013 e 2022 — a maioria vítimas de tempestades, inundações, alagamentos, enxurradas e deslizamentos de terra. Os dados fazem parte de um estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), que alerta para a necessidade de melhoria da gestão urbana e o aumento de recursos para construção de moradias populares em todo o país.

Apesar dos alertas da comunidade científica sobre a maior frequência de eventos extremos, Victor Marchezini, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), afirma que o Brasil ainda tem muito a fazer para capacitar os municípios a agir preventivamente, evitando que tragédias aconteçam.

— Menos de 15% dos municípios têm sistemas próprios de alerta de desastres e menos de 10% têm Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil, uma das medidas recomendadas para dar agilidade às ações de prevenção e atendimento a populações atingidas — diz Marchezini.

Até o ano passado, a estimativa era que 10 milhões de pessoas vivem em áreas de risco. Segundo a CNM, 5.570 municípios, 5.199 registraram algum tipo de desastre entre 2013 e 2022. Dos 1.580 municípios incluídos no cadastro nacional de risco do Serviço Geológico Nacional (CPRM), porém, menos da metade (729) possuem Plano Municipal de Redução de Riscos.

Faltam comunicação e coordenação

Na avaliação do professor Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo e integrante do Painel de Mudanças Climáticas Globais (IPCC), o Brasil tem um sistema de monitoramento sofisticado e condições de detectar e dar resposta rápida a eventos extremos, mas falha na comunicação e na coordenação.

— Sabemos que os eventos vão acontecer, mas as ações chegam tarde à população. Vimos isso em São Sebastião, Paraty, Petrópolis e no Rio Grande do Sul. Temos muito o que melhorar — afirma.

Artaxo lembra que Brasil país tem um plano de adaptação à mudança climática que está no papel, mas precisa alocar recursos para que a estrutura funcione e deixe a população mais protegida.

Entre 2020 e 2021, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil analisou estruturas de defesa civil de 1.993 municípios. O retrato foi desanimador: 59% tinham no máximo duas pessoas atuando na área e 67% não dispunham de viatura para deslocamento. Em 72% dos municípios faltava telefone fixo exclusivo para a defesa civil e 86% não possuíam sequer radiocomunicador, necessário quando tragédias acontecem. Mais da metade dos agentes (53%) não dispõem de celular com acesso à internet e 30% não tem acesso a computador ou notebook.

As novas necessidades impostas pelas mudanças climáticas também estão fora do radar. Segundo Marchezini, menos de 15% dos municípios têm planos voltados à adaptação aos novos desafios.

— A seca deixou de ser um problema do semiárido e alcança os estados do Sul do país e São Paulo, por exemplo. A cultura política, porém, permanece a mesma, de buscar e liberar os recursos na hora em que ocorrem os desastres — diz o pesquisador, que defende uma articulação nacional para direcionar para áreas de maior risco programas de redução da pobreza, de habitação popular, proteção social e ambiental.

No Rio Grande do Sul, que enfrentou duas vezes em setembro inundações e ventanias causadas por ciclones, a Prefeitura de Canoas foi a primeira a criar, em maio passado, um Escritório de Resiliência Climática de Canoas (Eclima). A cidade, de 350 mil habitantes, sofre com as cheias do Rio dos Sinos e, em agosto de 2022, registrou o fenômeno "micro explosão", espécie de "minitornado" que, em 10 minutos, destelhou dezenas de casas e estabelecimentos comerciais.

— Nosso desafio é como lidar com o clima daqui para frente. Temos diques para impedir que as águas do rio invadam parte da cidade, mas eles podem não suportar a intensidade das cheias — afirma Aristeu Ismailow, secretário-chefe do escritório.

Incêndios florestais e voçorocas proliferam

A preocupação de Canoas é exceção. Karine Lopes, diretora de Articulação e Gestão da Defesa Civil Nacional, admite que a situação é precária na maioria dos municípios, onde as defesas civis carecem de equipamentos básicos.

Segundo ela, além dos problemas tradicionais, relacionados a cheias e secas, o Brasil tem de se preparar para novos desafios, que tendem a aumentar pela frente: as voçorocas e incêndios florestais, que liberam fumaça e ameaçam a saúde da população, além do risco de atingir áreas urbanizadas. Na última quinta-feira (dia 28), por exemplo, Manaus amanheceu mais uma vez coberta por fumaça.

Levantamento feito pelo GLOBO no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do governo federal, identificou que 251 municípios de 21 dos 26 estados reportaram extremos de poluição provocados por incêndios florestais entre 2020 e 2022. Foram 645 casos, uma média de 215 por ano.

As voçorocas também se multiplicam: 21 municípios de 11 estados comunicaram a ocorrência do fenômeno, que são erosões extremas, entre 2018 e 2022. As crateras gigantes abertas no solo e ameaçam residências e estradas, como acontece em Buriticupu, no Maranhão, que tem 23 delas. Além das condições geológicas e de intensidade de chuvas, o fenômeno é acentuado pelo desmatamento, que deixa o solo exposto.

Plano Nacional de Defesa Civil é previsto para 2024

Apesar de previsto pela lei desde 2012, só este ano começou a ser elaborado o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC), com a participação de municípios e estados. A previsão é que fique pronto até março de 2024. A proposta é adotar um novo indicador de ocorrência de eventos climáticos e estabelecer métodos de atendimento à população.

— Se tem cenário de chuva intensa nas próximas horas, basta a população receber um alerta ou um SMS? As pessoas têm que saber o que fazer e as defesas civis têm de estabelecer rotas de fuga e pontos de apoio. Se nada for feito, a tendência é que fiquem em casa — afirma a professora Adriana Leiras, coordenadora geral do PNPDC e do laboratório Lab-Hands (Humanitarian Assistance and Needs for Disasters) da PUC-Rio.

Segundo o geólogo Francisco Dourado, coordenador de Gestão de Riscos e desastres do PNPDC, as tendências de ocorrência de desastres têm mudado. Parte da região Sul deverá ser mais atingida pela seca, incêndios florestais tendem a aumentar no Centro-Oeste e o Sudeste terá chuvas ainda mais concentradas, com maior risco de inundações e deslizamentos.

— É como um tabuleiro de xadrez. Cada município terá seu índice de risco e ele vai apontar o que deve ser trabalhado — afirma.

Marchezini, do Cemaden, afirma que o mais importante é envolver a população antes que aconteça a tragédia.

— Ainda damos muita ênfase a tecnologias de monitoramento, mas não se pensa tanto nas pessoas, como gestores de defesa civil, profissionais de saúde e de assistência social, além dos moradores. Todos precisam entender, saber interpretar os dados e o que fazer quando o problema ocorre — observa.

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