Brasil
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

Há onze meses, a falsa guru espiritual Katiuscia Torres Soares, de 34 anos, a Kat Torres, era presa em Minas Gerais, acusada de tráfico internacional de pessoas, ao desembarcar de um avião vindo dos EUA com outras dezenas de brasileiros a bordo, todos deportados por estarem irregulares no país norte-americano. Desde então, a mulher que já trabalhou como atriz e modelo no exterior, ganhou milhões de seguidores com memes na internet, e que chegou a ter uma vida financeiramente estável em Los Angeles — antes de resolver liderar uma suposta seita religiosa —, teve sua prisão convertida em preventiva em solo brasileiro e foi transferida para um presídio feminino em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A coach ainda tenta um habeas corpus, através de sua defesa, que sustenta que o caso não seria de responsabilidade da Justiça Federal e alega fragilidade nas provas apresentadas. O recurso segue aguardando nova apreciação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em abril, a corte já havia negado um pedido anterior. Não houve, até agora, nenhuma condenação.

— Sigo mantendo recurso em favor dela — limitou-se a dizer o advogado Rodrigo Alves da Silva Menezes, que nega todas as acusações contra sua cliente.

A coach não quis se pronunciar pessoalmente sobre as investigações.

Áudios mostram a coach Kat Torres tentando cooptar vítima brasileira nos EUA

Áudios mostram a coach Kat Torres tentando cooptar vítima brasileira nos EUA

Mas como está o caso depois de todo este tempo e quais foram os desdobramentos desde então? Em quais crimes se baseia o inquérito que acabou colocando a coach na cadeia? O que relatam as supostas vítimas?

Dificuldade de adaptação no presídio

Hoje, Kat Torres divide cela com outras mulheres no Instituto Penal Santo Expedito, em Bangu (RJ). Sua adaptação foi difícil no início: ela se queixou de que houve recepção hostil por parte das outras presas, chegou a ser isolada por algumas vezes e pedir para voltar a Minas Gerais. Segundo o advogado, as questões foram superadas.

– Essas possíveis questões postas já se encontram superadas por ela. Hoje tem boa convivência com as demais colegas de cárcere e não há pedidos para retorno para MG, uma vez que aguardamos o desfecho do processo por ora – comentou.

Katiuscia Torres: presa no último dia 2 de novembro, nos EUA — Foto: Reprodução / Franklin County
Katiuscia Torres: presa no último dia 2 de novembro, nos EUA — Foto: Reprodução / Franklin County

Marido estaria com outra mulher

Zachary Menkin que, afirma a defesa, é casado no papel com Katiuscia Torres, também é um parceiro que parece estar se distanciando da guru. Apesar de o defensor dela afirmar que segue contando com o apoio do rapaz e que nunca deixou de fazer contato com ele, o homem, segundo fontes ligadas à família, estaria com uma nova namorada. Há informação de que, desde que ela foi presa, ele vinha mandando dinheiro ao Brasil para pagar os honorários da defesa da então companheira.

Zachary e Kat Torres — Foto: Reprodução
Zachary e Kat Torres — Foto: Reprodução

Zach aparecia com frequência nas fotos e vídeos publicados por Katiuscia durante suas "seitas". As denunciantes também afirmam que a interação delas com ele era frequente. Ainda não se sabe se o homem, cerca de 10 anos mais novo que a ex-modelo, teve participação ou sabia do suposto esquema tocado pela namorada. Fato é que a brasileira teria se tornado persona non-grata na família do rapaz. Uma pessoa ouvida por uma fonte declarou que ele "está melhor, e que começou a trabalhar com o irmão dele". Disse ainda que "também arrumou uma namorada, mais velha que ele, da idade da Kat", mas que "ela é uma pessoa legal e decente, graças a Deus". E concluiu: "Zach ainda está bem danificado pelo que aconteceu".

O advogado de Kat nega o distanciamento: "Nunca deixamos de nos falar", disse ao ser questionado.

Rotina de exploração: o caso que sustenta a prisão por tráfico de pessoas

O caso que por enquanto coloca de pé as acusações contra a autodeclarada bruxa e, até então, a mantém atrás das grades, é por enquanto o de apenas uma dessas vítimas: uma jovem de 26 anos, que estava com ela quando acabaram detidas nos EUA. O GLOBO conversou com ela em dezembro do ano passado. A mulher, que já está de volta ao Brasil e na segurança da família, tenta recomeçar a vida, e pediu para que, após esta entrevista, seu nome não fosse mais utilizado em novas reportagens sobre o caso.

Na denúncia apresentada à Justiça Federal, que conta com um rol de sete testemunhas, o MPF destaca que a brasileira foi cooptada por Kat Torres e exposta a rotina degradante desde pelo menos o início de abril de 2022 até o dia 2 de novembro do mesmo ano. O documento é sigiloso, mas foi obtido com exclusividade pela reportagem. Segundo os procuradores, Katiuscia aliciou, alojou e acolheu a suposta vítima, mediante fraude, com a finalidade de submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão e de exploração sexual, se prevalecendo de relações de coabitação e hospitalidade. "Katiuscia reduziu (a vítima) à condição análoga a de escravo, submetendo-a à jornada exaustiva e sujeitando-a a condições degradantes de trabalho", destacaram os procuradores Orlando Monteiro Espíndola da Cunha e Ana Cristina Bandeira Lins.

A garota era obrigada, segundo a denúncia, a dançar num clube de striptease, em jornadas exaustivas de mais de 13 horas, sem descanso semanal. Sua foto também foi anunciada num site de prostituição de Austin e San Antonio, no Texas, e o perfil oferecia sexo, fetiches e massagem. Tudo feito em nome da suposta "voz", que guiaria a seita de Katiuscia. Todo o lucro seria entregue à suposta líder religiosa.

Trecho da denúncia do MPF, onde procuradores falam sobre manipulação imposta por Kat Torres aos seguidores — Foto: Reprodução
Trecho da denúncia do MPF, onde procuradores falam sobre manipulação imposta por Kat Torres aos seguidores — Foto: Reprodução

Mas além desse caso e o de Letícia Maia Alvarenga, surgiram relatos de vários outros. Sempre envolvendo falsas promessas de dinheiro, sucesso amoroso e financeiro, e abordagens a seguidoras jovens, bonitas e em momentos de fragilidade emocional. Tudo em nome da crença numa falsa divindade, chamada de "A Voz" – título de seu livro –, e por vezes com o uso do chá alucinante de Ayahuasca. As supostas vítimas prestaram depoimento ao Ministério Público de São Paulo no ano passado e, em seguida, esses relatos foram anexados também ao inquérito tocado hoje pelo Ministério Público Federal, depois que o caso passou para a esfera federal, na Justiça Federal do RJ, estado de origem da ré. O conteúdo das queixas é sensível. Desde então, no entanto, a procuradoria ainda não fez nova denúncia envolvendo essas outras histórias. Veja o que contam as mulheres.

Das ruas no Texas ao stripclub, vítima diz que Kat se irritou com baixo valor arrecadado

Uma das vítimas conta que estava passando por dificuldades nos EUA, vivendo nas ruas, quando foi abordada por Kat Torres. Através das falsas promessas e da crença na "Voz", ela disse que acabou cooptada pela coach a ter uma experiência num stripclub num dia, que a recompensaria. Exposta e desconfortável com aquela situação, ela não conseguiu dançar ou ter relações com clientes do local e diz que os donos da boate, por pena, teriam dado 100 dólares e a dispensado em seguido. A guru teria se irritado e achado a quantia baixa. Ela conta que, então, passou a ser encarregada pelos serviços domésticos na casa de Torres, em troca das falsas promessas e de um teto para morar.

R$ 50 mil em "banho espiritual" e empréstimos

Outra mulher que diz ter sido vítima de Katiuscia tinha boa condição financeira, mas estava passando por um momento de depressão; queria muito reatar com o ex-namorado. Kat a convenceu a ir do Brasil aos EUA e também tentou convencê-la a morar em sua casa no Texas "até casar com um americano rico". Ela recusou, porque dinheiro não era problema para ela, mas acabou convencida a fazer um "banho espiritual". Na relação com a guru, ela conta que acabou gastando cerca de R$ 50 mil entre o tal "banho" e empréstimos que ela pedia, até perceber que estava sendo enganada.

Suposta vítima era adolescente e disse que sequer sabia o que era 'sugar daddy'

Esta vítima havia recém completado 18 anos quando diz ter sido abordada por Kat Torres. Ela apresentou mensagens onde a falsa guru fazia promessas e convidava a seguidora para ir do Brasil aos EUA para trabalhar como modelo e, explicitamente, como sugar dady. Jovem e ingênua - ela diz que ainda era virgem na ocasião - achou que o serviço consistia apenas em acompanhar homens mais velhos em jantares e que não envolveria sexo. Fiel seguidora da falsa religião criada por Kat naquele momento, e acreditando em seus "poderes de clarividência", ela chegou a topar, mas acabou desistindo quando foi interpelada por um grupo de mulheres que já rastreavam as investidas da "bruxa".

Print de conversa mostra abordagem que teria sido feita por Kat Torres a seguidora que sequer entendia o que era sugar daddy — Foto: Reprodução
Print de conversa mostra abordagem que teria sido feita por Kat Torres a seguidora que sequer entendia o que era sugar daddy — Foto: Reprodução

Prostituição à distância e abuso da fé

Este relato é o de uma jovem brasileira do interior de São Paulo que conta que recebia um salário mínimo, quando leu o livro "A Voz", se interessou pela seita de Katiuscia Torres e resolveu seguir a coach nas redes sociais. Envolvida naquela narrativa, ela resolveu juntar dinheiro e pagar pelas consultas com "Kat A Luz", que não eram baratas. Ela esperava retornos na vida amorosa e sucesso profissional que, é claro, nunca vieram através dessas sessões.

Com o passar do tempo, os valores foram ficando impraticáveis para a jovem. Foi quando Kat Torres, segundo ela, sugeriu que ela se prostituísse no Brasil e enviasse os valores do programa para ela nos EUA. Ela, então, teria se negado, dizendo que não conseguiria fazer aquilo. Kat teria insistido, dizendo que faria um trabalho espiritual para "mudar sua mente"e fazer com que ela conseguisse. A farsa só chegou ao fim porque, durante este processo, a falsa guru foi desmascarada e presa.

MPF investiga, mas não comenta caso

O teor das denúncias foi obtido pela reportagem ao longo da cobertura, desde o ano passado, e com fontes que acompanham o caso desde o início. O Ministério Público de São Paulo chegou a designar um grupo de trabalho à época para reunir os relatos de todas essas supostas vítimas e anexar ao inquérito, mas não houve novas informações sobre isso desde que o caso foi à esfera federal e os autos acabaram sob sigilo. Fato é que as queixas dessas mulheres nunca passaram a fazer parte do processo efetivamente.

O GLOBO procurou o MPSP que respondeu dizendo que a reportagem deveria ir atrás do Ministério Público Federal. O MPF, por sua vez, afirmou apenas que existe uma investigação em curso, mas que não pode dar informações pois o processo corre sob sigilo.

— As redes sociais, de modo geral, criaram um habitat propício para o surgimento de "fakes gurus" e o cometimento de crimes. Uma falsa aparência de prosperidade financeira, de espiritualidade e de sucesso nos relacionamentos é uma isca mais que tentadora para pessoas que têm vidas normais ou passam por algum problema de foro íntimo. É um caso que ilustra bem o "abuso da fé" das pessoas — analisa Gladys Pacheco, ex-advogada da mulher que embasa o processo principal e que ainda defende os interesses de pelo menos uma das supostas vítimas de Kat.

— Apesar de seu esquema embrionário ter prejudicado muitas pessoas e feito muitas vítimas, acho positivo que esteja desmontado e que novas pessoas não possam ser afetadas. Espero que Kat Torres tenha um julgamento justo pelos atos que praticou e que as vítimas possam construir um futuro e, enfim, virar a página deste triste episódio — concluiu.

No ano passado, numa série de reportagens, O GLOBO mostrou que Katiuscia Torres foi muito nova viver no exterior com sua carreira de modelo. Vivendo em Los Angeles, tentou uma carreira como atriz, que acabou frustrada. Entre o sucesso à frente de uma página de memes na internet com fotos suas e a falsa notícia de um affair com Leonardo DiCaprio, foi em LA que ela começou a se relacionar com figuras da alta sociedade que falavam em seitas e promoviam noites banhadas em chá de Ayahuasca. Um vídeo obtido pela reportagem mostra Kat nesta época, durante uma dessas sessões.

A partir disso, ela diz que começa a ouvir o que chama de "A Voz". Escreve um livro sobre a suposta entidade espiritual – que faz relativo sucesso em vendas –, monta um esquema de atendimento espiritual presencial e à distância, oferecendo clarividência, ganhos pessoais e financeiros, e começa a perceber que conseguiria fazer muito dinheiro com aquilo. É durante a divulgação do seu livro no Brasil, em 2017, durante entrevista ao programa Amaury Jr, que ela revela vários detalhes sobre a sua nova atuação.

A esta altura, Kat Torres já estava quebrada após investir e fracassar em sua carreira como atriz. Junto à propaganda da "bruxaria", passou a exibir nas redes, também, uma vida de luxo de fachada: sempre em banheiras, cenários deslumbrantes, vestindo roupas de grife. Tudo para atrair o interesse e confiança de seguidoras e passar a imagem de uma mulher de sucesso, que conseguia o que queria com seus "poderes espirituais".

Mais recente Próxima Brasileira assassinada por Danilo Cavalcante ganha memorial nos EUA: 'Esperança para aqueles que vivem com o abuso'
Mais do Globo

Brasil eliminou a França por 1 a 0 e encara a Espanha na semifinal

Em provável última Olimpíada, Marta voltará a disputar medalhas; veja histórico nos Jogos

O acidente aconteceu às 13h54 deste sábado, na Rodovia Senador Teotônio Vilela, em Birigui

Avião monomotor cai no interior de SP e mata três pessoas

Dia de competições terá Hugo Calderano na disputa do bronze no tênis de mesa, final do tênis masculino, vôlei de praia, basquete, boxe e vôlei de quadra feminino

Olimpíadas: o que você não pode perder amanhã (4/8) em Paris-2024

Seleção brasileira derrotou a França por 1 a 0 e está a uma partida de garantir um lugar no pódio dos Jogos de Paris

Olimpíadas: Brasil chega à semifinal do futebol feminino pela 6ª vez na história; saiba em quantas ganhou medalha

Atacante brasiliense é titular no Corinthians, time que atua desde 2020

Gabi Portilho, a autora do gol que levou a seleção brasileira à semifinal do futebol feminino nas Olimpíadas de Paris-2024

Decisiva, Gabi Portilho marcou o gol da seleção brasileira aos 37 minutos da segunda etapa

Olimpíadas: Brasil conquista vitória heroica contra a França e avança às semifinais do futebol feminino

Magistrado é pai do desembargador Luiz Zveiter, atual decano do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Morre no Rio aos 92 anos o jurista, e ministro aposentado do STJ Waldemar Zveiter

A atleta de 23 anos também é a segunda mais rápida nos 200m indoor

Julien Alfred, velocista que ganhou a prova dos 100 metros, disse em agosto que queria conquistar a primeira medalha de seu país

Artista cancela show, por recomendação médica, e segue sob observação depois de realizar bateria de exames; entenda quadro de saúde

Famosos desejam melhoras para Lulu Santos após cantor ser internado: 'Estamos com você'

Bia é a primeira atleta do boxe brasileiro a conquistar duas medalhas olímpicas

Bia Ferreira não consegue revanche de Tóquio, volta a perder para irlandesa e fica com o bronze em Paris-2024