A maior tragédia ambiental do Brasil deixou um rastro de lama que correu pelo Rio Doce até o Oceano Atlântico — e um outro rastro, de incertezas, sobre o valor necessário para compensar os estragos que também mataram 19 pessoas. Na semana passada, uma nova proposta feita pelas mineradoras Vale e BHP se tornou o novo capítulo da novela de negociação de um acordo financeiro sobre o desastre de Mariana (MG), ocorrido em 2015. Mas desentendimentos sobre o que deve ser considerado no valor e mesmo em como deve ser usado o dinheiro indicam que não será o último.
As duas empresas acionistas da Samarco, responsável pela barragem do Fundão que se rompeu em Mariana, anunciaram uma nova oferta de R$ 140 bilhões. No entanto, o número inclui R$ 37 bilhões que já foram pagos desde 2015, além de R$ 21 bilhões reservados para pagamentos de programas de recuperação na Bacia do Rio Doce. Assim, restariam R$ 82 bilhões em dinheiro novo. Valor que fica abaixo dos R$ 109 bilhões pedidos pelo poder público também na semana passada.
A diferença financeira já foi muito maior. No fim do ano passado, as negociações chegaram a ser suspensas após as empresas acenarem com R$ 42 bilhões, enquanto as autoridades — além dos governos de Minas Gerais, do Espírito Santo e da União, participam das negociações o Ministério Público e a Defensoria Pública — pediam R$ 126 bilhões.
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A partir daí, os governos, que estavam dando prioridade à repactuação, voltaram a atenção a processos judiciais. Em janeiro, a Justiça Federal determinou, em primeira instância, que Vale, Samarco e BHP paguem R$ 47,6 bilhões por danos morais coletivos. Mas o juiz rejeitou a execução do pagamento antes do trânsito em julgado do processo. Em abril, as empresas subiram a oferta, para R$ 72 bilhões em dinheiro novo.
Atualmente, os programas de reparação socioambiental são executados pela Fundação Renova, uma entidade criada pelas empresas em função de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta entre, Minas, Espírito Santo, União, Vale, BHP e Samarco, em 2016. Mas, após críticas de moradores sobre falta de participação e demora na conclusão de certas ações, o que gerou novos processos judiciais, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região passou a coordenar uma repactuação.
Se o acordo for firmado, as ações de reparação passarão a ser executadas pelo próprio poder público, sem a Fundação Renova. A repactuação prevê o pagamento da indenização em até 12 anos, quando a tragédia completaria duas décadas.
As empresas informaram que seguem negociando. A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal, disse que, além da diferença financeira, é preciso acertar a extensão das obrigações que permanecerão sob a responsabilidade das empresas.
— O acordo é necessário e será bom para todo mundo, mas não queremos um a qualquer custo. Não queremos o maior acordo. Nos interessa o melhor para a efetiva reparação ambiental e social. Do contrário, o caminho é a judicialização — afirmou o procurador Junior Fidelis, que atua como adjunto do advogado-geral da União.
Distritos destruídos
O valor pedido pelo poder público foi calculado por entidades governamentais levando em conta políticas públicas necessárias e a quantidade de pessoas atingidas. O rompimento da barragem destruiu distritos inteiros, como Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues e Gesteira.
Interlocutores que acompanham a negociação dizem que também há questões técnicas ainda sem consenso. O poder público defende a retirada da totalidade dos rejeitos do Rio Doce, mas as empresas argumentam que manejo de parte do material poderia causar novos impactos ambientais. As mineradoras defendem que o valor necessário para remoção poderia ser aplicado em outras frentes, como saneamento básico, o que já é previsto na repactuação.
Além da contaminação do rio, os rejeitos acumulados impedem até hoje o funcionamento pleno da Usina de Candonga, hidrelétrica em Minas que reteve parte dos rejeitos. O TTAC previa a conclusão da dragagem dos primeiros 400 metros do reservatório até 31 de dezembro de 2016, o que não foi cumprido. Mas a Fundação Renova argumenta que a qualidade da água do Rio Doce retornou a patamares similares de como era antes da tragédia. Como o poder público não abre mão da limpeza completa, as empresas disseram que aceitariam esse termo, sob algumas condições.
A extensão dos danos cobertos também é objeto de discussão. As empresas têm exigido que o novo acordo não trate de danos futuros e desconhecidos da área da saúde, o que também não é aceito pelo poder público.
Outra questão que gerou ruído no início das negociações foi a participação de moradores dentro do processo, que corre em sigilo. A AGU defendeu publicamente a participação social da comunidade, enquanto as empresas e o próprio governo de Minas argumentavam que a população já estaria representada por meio das entidades como Ministério Público e Defensoria Pública, e pelas realizações de caravanas e audiências públicas.
Além da divergência com as empresas, há ainda discussões entre as próprias autoridades públicas. O governo de Minas deseja que parte do montante tenha aplicação livre e possa ser usado em outras obras ou programas do estado, não necessariamente relacionados à tragédia. Já o governo federal defende que o dinheiro seja exclusivo para ações na Bacia do Rio Doce.
Procurada, a Vale respondeu que “segue engajada” no processo de mediação e reafirmou seu compromisso com as ações de reparação e compensação. Da mesma forma, a BHP respondeu que “segue comprometida em buscar coletivamente soluções que garantam a conclusão de um processo de reparação justo e integral às pessoas e ao meio ambiente impactados pelo rompimento da barragem”.
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