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Política Bolsonaro

Os 'rolos' de Queiroz: entenda as principais suspeitas sobre Flávio Bolsonaro

Primeiras suspeitas contra senador e ex-assessor apareceram em dezembro de 2018. Desde então, investigações apontaram um esquema de lavagem de dinheiro, funcionários laranja e organização criminosa
Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro Foto: Reprodução
Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro Foto: Reprodução

RIO — O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente da República, e seu ex-assessor na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Fabrício Queiroz, são investigados por suspeita da prática de "rachadinha", esquema de desvio de dinheiro público por meio da devolução de parte dos salários de funcionários do gabinete do então deputado estadual. Desde 2018, quando o Consellho de Controle de Atividades Finaneiras (Coaf) apontou  “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz, o MP levantou indícios de um esquema criminoso liderado por Flávio Bolsonaro de desvio e lavagem de dinheiro na Alerj, envolvendo contratação de familiares como assessores e funcionários fantasmas. Nesta quinta-feira, o STJ autorizou a prisão domiciliar de Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, considerada foragida.

Entenda os principais pontos da investigação:

Relatório do Coaf

A investigação começou em 2018, após o Coaf apontar “ movimentação atípica ” de R$ 1,2 milhão, em 2016 e 2017, nas contas de Fabrício Queiroz. Assessores do ex-deputado estadual transferiram recursos a Queiroz em datas próximas ao pagamento de servidores da Alerj. Segundo o Coaf, Flávio recebeu 48 depósitos no valor de R$ 2 mil. Na época, ele afirmou que transferências fracionadas que somaram R$ 96 mil entre junho e julho de 2017 eram relativos à venda de um apartamento.

Movimentação na conta
Depósitos
retiradas
R$ 24 mil
R$ 84.110,04
R$ 800
Michele Bolsonaro
Nathalia Melo de Queiroz
Agostinho Moraes
futura primeira-dama
filha de Fabrício
funcionário da Alerj
Fabrício José de Carlos Queiroz teve uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de 01/01/2016 e 31/01/2017
R$ 18.864,00
R$ 7.684,00
Luiza Souza Paes
Marcia Oliveira de Aguiar
funcionária da Alerj
mulher de Fabrício
R$ 4.600,00
R$ 3.200,00
Raimunda Veras Magalhães
Marcia Cristina N. dos Santos
funcionária da Alerj
funcionária da Alerj
R$ 3.140,00
R$ 1.500,00
Wellington Servulo da Silva
Jorge Luis de Souza
funcionário da Alerj
funcionário da Alerj
Movimentação na conta
Fabrício José de Carlos Queiroz teve uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de 01/01/2016 e 31/01/2017
Depósitos
R$ 84.110,04
Nathalia Melo de Queiroz
filha de Fabrício
R$ 18.864,00
Marcia Oliveira de Aguiar
mulher de Fabrício
R$ 4.600,00
Raimunda Veras Magalhães
funcionária da Alerj
R$ 3.140,00
Jorge Luis de Souza
funcionário da Alerj
R$ 800
Agostinho Moraes
funcionário da Alerj
R$ 7.684,00
Luiza Souza Paes
funcionária da Alerj
R$ 3.200,00
Marcia Cristina N. dos Santos
funcionária da Alerj
R$ 1.500,00
Wellington Servulo da Silva
funcionário da Alerj
retiradas
R$ 24 mil
Michele Bolsonaro
futura primeira-dama

Rachadinha

Segundo o Ministério Público, os valores recebidos por Flávio Bolsonaro têm origem na prática de “rachadinha” e data de quando ele era deputado estadual entre os anos de 2007 e 2018. Os promotores afirmam que Flávio nomeava assessores orientados a devolver parte de seus salários para o grupo; que o ex-policial militar Fabrício Queiroz fazia toda a operação de recolhimento da remuneração dos funcionários.

Depósitos para Michelle

Entre as transações realizadas por Queiroz, foi identificado um cheque de R$ 24 mil destinado à primeira-dama Michelle Bolsonaro . O presidente confirmou os repasses e declarou que, diferentemente do que foi identificado pelo Coaf, foram repassados R$ 40 mil referentes ao pagamento de uma dívida pessoal. Segundo Bolsonaro, o ex-assessor de seu filho mais velho teria feito dez cheques de R$ 4 mil.

Depósitos na conta de Queiroz

Entre as provas apresentadas para sustentar os pedidos de busca da operação contra Flávio e ex-assessores em dezembro de 2019, os promotores do MP-RJ apontaram 483 depósitos de pelo menos 13 ex-assessores na conta bancária de Queiroz, por transferência, cheque ou dinheiro em espécie, num total de R$ 2 milhões . Outro grupo de ex-assessores que sacavam em espécie quase que integralmente o salário recebido também foi identificado, o que reforçou as suspeitas de rachadinha.

Movimentações do ex-assessor

Questionado sobre a movimentação atípica em sua conta, Fabrício de Queiroz afirmou que suas transações financeiras eram fruto da compra e venda de veículos usados. Porém, além da movimentação de R$ 1,2 milhão, o ex-assessor da Alerj também entrou no radar do Coaf por outros R$ 5,8 milhões movimentados nos últimos três anos. Somados, os valores somam transações atípicas de R$ 7 milhões .

Rede familiar de funcionários fantasmas

De acordo com levantamento feito pelo GLOBO, desde 1991, quando o presidente iniciou seu primeiro mandato federal, ele e seus três filhos empregaram mais de uma centena de assessores com laços familiares entre si. Entre todos os funcionários empregados pelo clã, 13% têm indícios de que não trabalhavam. Fabrício Queiroz emplacou sete parentes em três gabinetes da família Bolsonaro (Flávio, Carlos e Jair) desde 2006.

Entre os 37 possíveis funcionários fantasmas, está Márcia Oliveira de Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, que constou como assessora por dez anos, mas jamais teve crachá na Alerj. No mesmo período, ela se declarou cabeleireira em um processo na Justiça. Como Márcia, também é investigada a filha Nathália Queiroz, que trabalhou como personal trainer enquanto figurou como assessora de Flávio e também de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

Os campeões
Montante de
salário
Família
Bolsonaro
Família
Queiroz
Família
Francisco
Família
Góes
22 funcionários
8 funcionários
4 funcionários
5 funcionários
milhões de reais
milhões de reais
milhões de reais
milhões de reais
milhões de reais
Valor total recebido pelas 102 pessoas que possuem alguma relação familiar entre si. O número representa 62% do total dos salários, R$ 105 milhões, desde 1991
Valor total recebido pelos assessores que eram parentes do presidente. Inclui familiares de suas duas primeiras mulheres. Na foto, Ana Cristina Valle
Valor recebido por Fabrício Queiroz, ex-chefe de segurança de Flávio, e outros sete parentes que foram nomeados no gabinete do segundo filho do presidente na Alerj
Soma dos salários recebidos pelo ministro Jorge Antonio de Oliveira Francisco e mais três pessoas de sua família que constaram como assessores de Jair, Flávio e Eduardo desde 2001
Montante recebido pelo sargento Edir Góes e mais quatro pessoas de sua família que foram nomeadas assessores de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal desde 2001
Os campeões
Montante de salário
milhões de reais
Valor total recebido pelas 102 pessoas que possuem alguma relação familiar entre si. O número representa 62% do total dos salários, R$ 105 milhões, desde 1991
Família Bolsonaro
22 funcionários
Valor total recebido pelos assessores que eram parentes do presidente. Inclui familiares de suas duas primeiras mulheres. Na foto, Ana Cristina Valle
milhões de reais
Família Queiroz
8 funcionários
Valor recebido por Fabrício Queiroz, ex-chefe de segurança de Flávio, e outros sete parentes que foram nomeados no gabinete do segundo filho do presidente na Alerj
milhões de reais
Família Francisco
4 funcionários
Soma dos salários recebidos pelo ministro Jorge Antonio de Oliveira Francisco e mais três pessoas de sua família que constaram como assessores de Jair, Flávio e Eduardo desde 2001
milhões de reais
Família Góes
5 funcionários
Montante recebido pelo sargento Edir Góes e mais quatro pessoas de sua família que foram nomeadas assessores de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal desde 2001
milhões de reais

Parentes da ex-mulher de Bolsonaro

Dez dos investigados pelo MP são ligados à família de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Todos eles tiveram cargos no gabinete na Alerj no Rio, mas moravam em Resende, no interior do estado, no mesmo período. Ao analisar os dados bancários da família, o Ministério Público verificou que dos R$ 4,8 milhões pagos em salário, R$ 4 milhões foram sacados em espécie. Eles "sacavam quase a integralidade dos salários recebidos na Alerj para repassar os valores em espécie a outros integrantes da organização criminosa", segundo o MP.

Familiares de miliciano

O Ministério Público apontou que familiares do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega —  a mãe Raimunda Veras Magalhães e a es-mulher Danielle Mendonça da Costa — eram empregados do gabinete de Flávio e faziam parte do esquema da "rachadinha". O próprio miliciano, segundo o MP, também tirava proveito do esquema, ficando com parte do salário de seus familiares, que teriam transferido quase 20% (cerca de R$ 203 mil) da remuneração para Queiroz. Adriano também transferiu mais de R$ 400 mil para as contas de Queiroz.

Morto em fevereiro na Bahia por policiais que foram prendê-lo, Adriano da Nóbrega era amigo de Queiroz e foi homenageado mais de uma vez por Flávio Bolsonaro na Alerj. Ex-capitão do Bope, ele é suspeito de chefiar um grupo de extermínio, conhecido como "Escritório do Crime" — investigado pelos assassinatos da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Crescimento patrimonial

De acordo com as declarações de renda ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o patrimônio do senador mais que dobrou nos últimos anos, mas vinha crescendo desde que ele entrou para a política. Em 2002, quando decidiu ser candidato a deputado estadual na Alerj, o único bem declarado era um Gol 1,016 válvulas, ano 2001, comprado por R$25,500.

Em 2018, quando foi candidato a senador, o patrimônio declarado por Flávio cresceu para R$ 1,741 milhão. Ele era dono de um apartamento de frente para a praia da Barra da Tijuca, metade de uma loja de chocolates, uma sala comercial, um Volvo e R$5 58 mil em aplicações bancárias e investimentos. O salário de um deputado estadual no Rio, atualmente, é de R$ 25mil brutos.

Lavagem com imóveis

Flávio Bolsonaro é suspeito de lavagem de dinheiro da rachadinha por meio de dois apartamentos na Zona Sul do Rio de Janeiro, comprados em 2012 junto com sua esposa, Fernanda Bolsonaro. O Ministério Público apontou, em dezembro do ano passado, características de compra subfaturada e venda superfaturada, causando uma “lucratividade excessiva” nas operações. Em pouco mais de um ano, os apartamentos renderam cerca de R$ 800 mil ao casal.

Loja de chocolates

Segundo o MP, depósitos na conta da loja Kopenhagen de Flávio Bolsonaro completam o esquema de lavagem dos recursos da “rachadinha”. Os procurados apontam uma “grande desproporção" de lucro obtidos entre o senador e seu sócio na loja, embora o contrato previsse 50% de cotas para cada um. O MP ainda aponta que Flávio e sua esposa não possuíam "lastro financeiro"para justificar o investimento superior a R$ 1 milhão de reais na aquisição e operação da franquia.

Outra suspeita são os repasses em depósitos na conta da loja feitos pelo sargento da Polícia Militar do Rio Diego Sodré de Castro Ambrósio. Os valores variaram entre R$ 2,3 mil e R$ 5,6 mil, entre dezembro de 2015 e janeiro de 2018, quase sempre no fim do ano. Ao todo, a empresa de Flávio recebeu R$ 21,1 mil do PM. O parlamentar afirma que o dinheiro era referente ao pagamento de produtos da loja, adquiridos por Ambrósio para presentar clientes nas festividades do mês de dezembro.

O que diz o relatório
Os detalhes da investigação
Como
funcionavam
os núcleos
A loja de
chocolates
O saldo de
Queiroz
O que diz o relatório
Os detalhes da investigação
Como funcionavam os núcleos
A loja de chocolates
O saldo de Queiroz

Pagamento de escola e plano de saúde

Para o MP, Queiroz foi o responsável por pagamentos e transferência no total de R$ 286,6 mil em em espécie para cobrir despesas de Flávio e a mulher dele, como mensalidades escolares e do plano de saúde da família entre janeiro de 2013 e dezembro de 2018. Os promotores investigam mais de cem boletos bancários das escolas das filhas e do plano de saúde da família cujos valores não foram debitados das contas do então deputado nem de sua mulher.

Um dos pagamentos, no valor de  R$ 6,9 mil, está registrado em vídeo das câmeras de segurança de uma agência bancária na própria Alerj, no dia 1º de outubro de 2018. Ainda segundo o MP, Flávio e Fernanda não haviam feito nenhum saque nos 15 meses anteriores a este pagamento, “de forma que não haveria lastro financeiro lícito de dinheiro em espécie para efetuar a operação bancária”, segundo os investigadores.

Prsião na casa do advogado

No dia 18 de junho, Queiroz foi preso em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa de Frederick Wassef , advogado que defendia Flávio Bolsonaro mas deixou o caso após a operação. Wassef também se apresentava como advogado do presidente Jair Bolsonaro e frequentava o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada. Segundo a polícia, o caseiro informou que Queiroz estava há cerca de um ano local. Tanto Wassef quanto Flávio disseram, nos últimos meses, não ter conhecimento do paradeiro de Queiroz.

Hospital pago em dinheiro

Um dos argumentos apresentados pelo MP paraa pedir a prisão de Márcia Oliveira de Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, foi a constatação de que ela recebeu, de origem desconhecida, pelo menos R$ 174 mil em espécie antes de pagar, também com dinheiro vivo, as despesas do marido no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Em maio do ano passado, O GLOBO revelou que Queiroz pagou em espécie R$ 64,58 mil por uma cirurgia no Einstein e desembolsou, também em dinheiro vivo, outros R$ 60 mil para pagar a equipe médica e R$ 9 mil para quitar um débito com um médico oncologista. Queiroz foi internado na unidade em janeiro do ano passado, quando retirou um câncer no cólon.