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Política Bolsonaro

Projeto do governo libera exploração econômica ampla em terras indígenas

Proposta prevê extração de minério, petróleo e gás, hidrelétricas e pecuária, sem poder de veto
Projeto do governo federal pode liberar explorações de terras indígenas. Na foto, garimpo ilegal de ouro na reserva indígena ianomâmi, em Roraima, flagrado pelo GLOBO no ano passado Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Projeto do governo federal pode liberar explorações de terras indígenas. Na foto, garimpo ilegal de ouro na reserva indígena ianomâmi, em Roraima, flagrado pelo GLOBO no ano passado Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

BRASÍLIA — O governo federal está finalizando um projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional que dispõe sobre a exploração de terras indígenas, uma das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro. A proposta, que está na Casa Civil da Presidência e a cuja minuta O GLOBO teve acesso, autoriza não apenas a mineração nessas áreas, mas é bem mais ampla: prevê a possibilidade de construção de hidrelétricas, exploração de petróleo e gás, além de permitir “o exercício de atividades econômicas, pelos índios em suas terras, tais como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo”. No caso da agricultura, a proposta do governo torna possível também o cultivo de organismos geneticamente modificados, exceto em unidades de conservação”.

Repercussão: Autorização para exploração em áreas de reserva sem veto de indígenas pode esbarrar em tratado

A Constituição autoriza a exploração mineral em terras indígenas desde que ela seja regulamentada. Porém, nenhuma regra foi aprovada até hoje pelo Congresso, o que vem impedindo a mineração legalizada nessas áreas, algumas conhecidas por abrigarem reservas de metais preciosos como o ouro. O texto do governo afirma que os indígenas serão sempre consultados, porém não terão poder de veto sobre as atividades. Eles serão compensados financeiramente pela exploração econômica.

Segundo a Constituição, a exploração das terras indígenas “só pode ser efetivada com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra”.

A justificativa da proposta foi encaminhada ao Palácio do Planalto pelos ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e da Justiça, Sergio Moro. No texto, eles defendem que a não regulamentação da atividade “traz consequências danosas para o país”, como não pagamento de compensações financeiras e tributos; ausência de fiscalização do aproveitamento de recursos minerais e hídricos; riscos à vida, à saúde, aos costumes e tradições dos povos indígenas; e conflitos entre empreendedores e indígenas.

Especial do GLOBO: Como milhares de garimpeiros ilegais exploram o ouro no território ianomâmi, em meio a tensão e degradação constantes

A proposta do governo para mineração em áreas ocupadas por indígenas tem enfrentado resistência, em meio a preocupações de ambientalistas e com temores sobre a repercussão internacional da medida. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ano passado que não pautaria projetos que flexibilizem mineração em terra indígena. Na ocasião, Maia disse que sua intenção era sinalizar à comunidade internacional que o país tem preocupação com o meio ambiente e os povos nativos.

‘Serras peladas’

O projeto tem oito capítulos e 46 artigos. O texto afirma que, após a conclusão de estudo técnico prévio, o Poder Executivo federal definirá as áreas para pesquisa e lavra de recursos minerais, hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica. E enviará pedido para exploração dessas áreas ao Congresso.

“O chefe do Poder Executivo federal deverá levar em consideração a manifestação das comunidades indígenas afetadas”, diz um artigo. “O pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado”, segue o texto. Não é exigida a autorização do Congresso para realizar estudo técnico prévio.

O texto admite garimpos em terras indígenas, exclusivamente nas zonas de garimpagem previamente definidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Nesse caso, porém, será necessário consentimento das comunidades indígenas afetadas.

Podcast | Ao Ponto: A vida dentro do garimpo na maior terra indígena do Brasil

Hoje, há 462 terras indígenas regularizadas, que representam 12% do território nacional. A presença de garimpos ilegais em algumas delas é antiga e conhecida das autoridades. É o caso da exploração irregular de diamantes na terra dos cinta-larga, em Rondônia, e de ouro em áreas yanomami, em Roraima.

Ao GLOBO, em julho, o presidente Jair Bolsonaro disse ter encomendado um estudo para criar “pequenas Serras Peladas” Brasil afora, que poderiam ser exploradas tanto por grupos estrangeiros como por povos indígenas.

— Mas a fiscalização seria pesada. E índio também poderia explorar — prometeu.

No caso do setor elétrico, do total do potencial hidrelétrico indicados no planejamento setorial, 39% estão situados em áreas de sobreposição entre terras indígenas e unidades de conversação, segundo dados do Ministério de Minas e Energia.

O projeto prevê pagamento de compensações aos índios pela exploração de suas áreas. Ela será de 0,7% do valor da energia elétrica produzida; de 0,5% a 1% da produção de petróleo ou gás natural; e metade do valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) — o valor varia pelo mineral; para ouro, por exemplo, a alíquota hoje é de 1%.

Leia: Uso de reservas indígenas é centro de debate que não cessa desde a Constituição de 1934

O dinheiro será administrado por conselhos curadores, composto de, no mínimo, três indígenas. Também será criada uma Indenização pela Restrição do Usufruto de Terras Indígenas. Esse instrumento ainda seria regulamentado por decretos e portarias.

Nesta semana, Bento Albuquerque teve reuniões com representantes de diversos países da Europa, em Brasília, e discutiu a proposta. “Lideranças de muitas das mais de 600 comunidades indígenas do Brasil demandam ações do governo para permitir a exploração das riquezas existentes em suas áreas”, diz nota do Ministério de Minas e Energia.

Principais pontos da proposta
Como prevê a Constituição, a autorização será dada pelo Congresso, a pedido do Presidente da República
Regulamenta a mineração, a construção de hidrelétricas e a exploração de petróleo
e gás natural em terras indígenas
Povo indígena instalado na terra será compensado financeiramente pela atividade econômica na área
Comunidade indígena será consultada, mas não terá poder de veto. Poderá vetar apenas atividade de garimpo
O pagamento de compensações será de 0,7% do valor da energia elétrica produzida; de 0,5% a 1% da produção de petróleo ou gás. No caso da mineração, será metade do valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que varia pelo mineral e hoje é de 1% para ouro
Serão instalados conselhos curadores, responsáveis pela gestão dos recursos decorrentes da exploração
Permite o exercício de atividades econômicas, pelos índios em suas terras, tais como agricultura, pecuária e extrativismo
Mapa da mina
Onde estão os recursos minerais e energéticos da Amazônia
Alguns dos principais minerais
Terras-raras
Ferro
Ouro
São usados em eletrônicos. A China domina 95% do mercado, mas se estima que o Brasil tenha a segunda maior reserva. O desafio é desenvolver tecnologia própria
O ferro de Carajás é considerado o melhor do mundo. Existem 18 bilhões de toneladas de ferro em Carajás e só metade da província mineral foi estudada
Associado a joias e moedas, também é usado em eletrônicos e instrumentos científicos
Nióbio
Cobre
A demanda por cobre nos próximos 50 anos será equivalente a tudo que se produziu em mil anos. É considerado essencial para a indústria eletrônica
Permite fazer aço de alta qualidade para navios, turbinas de avião e foguetes, dutos de petróleo e gás, construção civil e turbinas de geração de energia
Ferro
Manganês
Ouro
Cobre
Chumbo
Zinco
Estanho
Tântalo
Nióbio
Terras-raras
Urânio
Ouro
Diamante
Estanho
Ferro
Manganês
Cobre
Ouro
Níquel
Cromo
Estanho
Terras-raras
Tungstênio
Urânio
RR
Boa
Vista
AP
Bauxila
Caulim
Ouro
Ouro
Cobre
Macapá
Bauxila
Caulim
Fosfato
Potássio
Belém
Petróleo
Gás natural
Manaus
PA
Itautuba
AM
MA
Parauapebas
Rio
Branco
ac
Porto
Velho
Zinco
Chumbo
TO
Palmas
Sinop
RO
Ouro
Estanho
Tântalo
MT
250km
Ouro
Diamante
N
Grandes concentrações de jazimentos minerais conhecidos
Fronteiras para a exploração mineral pouco estudadas
Floresta amazônica
em território nacional
Províncias e distritos minerais onde também há imenso potencial para descobertas, tanto em superfície quanto abaixo dela (mais de 300 metros de profundidade)
Com poucos ou nenhum jazimento conhecido, mas com alto potencial para descobertas. São também áreas de mata densa e nenhuma infraestrutura, o que dificulta a atração de investimentos para prospecção e exploração
Fonte: CPRM - Serviço Geológico do Brasil
Principais pontos da proposta
Regulamenta a mineração, a construção de hidrelétricas e a exploração de petróleo
e gás natural em terras indígenas
Como prevê a Constituição, a autorização será dada pelo Congresso, a pedido do Presidente da República
Comunidade indígena será consultada, mas não terá poder de veto. Poderá vetar apenas atividade de garimpo
Povo indígena instalado na terra será compensado financeiramente pela atividade econômica na área
O pagamento de compensações será de 0,7% do valor da energia elétrica produzida; de 0,5% a 1% da produção de petróleo ou gás. No caso da mineração, será metade do valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que varia pelo mineral e hoje é de 1% para ouro
Serão instalados conselhos curadores, responsáveis pela gestão dos recursos decorrentes da exploração
Permite o exercício de atividades econômicas, pelos índios em suas terras, tais como agricultura, pecuária e extrativismo
Mapa da mina
Onde estão os recursos minerais e energéticos da Amazônia
Alguns dos principais minerais
Terras-raras
São usados em eletrônicos. A China domina 95% do mercado, mas se estima que o Brasil tenha a segunda maior reserva. O desafio é desenvolver tecnologia própria
Nióbio
Permite fazer aço de alta qualidade para navios, turbinas de avião e foguetes, dutos de petróleo e gás, construção civil e turbinas de geração de energia
Ferro
O ferro de Carajás é considerado o melhor do mundo. Existem 18 bilhões de toneladas de ferro em Carajás e só metade da província mineral foi estudada
Cobre
A demanda por cobre nos próximos 50 anos será equivalente a tudo que se produziu em mil anos. É considerado essencial para a indústria eletrônica
Ouro
Associado a joias e moedas, também é usado em eletrônicos e instrumentos científicos
Grandes concentrações de jazimentos minerais conhecidos
Províncias e distritos minerais onde também há imenso potencial para descobertas, tanto em superfície quanto abaixo dela (mais de 300 metros de profundidade)
Fronteiras para a exploração mineral pouco estudadas
Com poucos ou nenhum jazimento conhecido, mas com alto potencial para descobertas. São também áreas de mata densa e nenhuma infraestrutura, o que dificulta a atração de investimentos para prospecção e exploração
Floresta amazônica em território nacional
Ferro
Manganês
Ouro
Cobre
Chumbo
Zinco
Estanho
Tântalo
Nióbio
Terras-raras
Urânio
Ouro
Diamante
Estanho
Ouro
Bauxila
Caulim
RR
AP
Fosfato
Potássio
Petróleo
Gás natural
PA
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Zinco
Chumbo
RO
Estanho
Tântalo
MT
250km
Ouro
Diamante
Ferro
Manganês
Cobre
Ouro
Níquel
Cromo
Estanho
Terras-raras
Tungstênio
Urânio
Fonte: CPRM - Serviço Geológico do Brasil