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Por — São Paulo

Durante uma agenda na Baixada Santista na última semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi abordado por uma mulher enquanto conversava com jornalistas. Andrelina Amélia Ferreira, mais conhecida como Andréia MF, fez uma fala emocionada que durou cerca de dois minutos, e deixou Tarcísio quase sem palavras.

"Em todo o litoral de São Paulo, uma mãe chora porque perdeu seu filho. A comunidade precisa de educação. Sou uma mulher preta de comunidade, mãe, e vim aqui te pedir: 'Pare de matar nossos filhos'. Por favor, o senhor é humano. Polícia não. Educação é a salvação", disse Andreia, em referência às operações Escudo e Verão, que juntas deixaram 105 mortos pela Polícia Militar (PM) nas nove cidades da Baixada. Constrangido diante da imprensa, Tarcísio abraçou a mulher e, numa atitude padrão da política, disse que iria ajudá-la. A cena foi registrada em vídeo.

'Pare de matar nossos filhos', pede liderança comunitária da Baixada Santista a governador

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— Sabe quando você põe na cabeça e vira uma missão? Fui cortando as pessoas, passando embaixo do cordão, me colocando no meio dos jornalistas. Não para mostrar coragem ou liderança, ou por política. O real objetivo era falar com o humano. A favela precisa expressar seu descontentamento — disse Andréia depois do episódio.

Aos 54 anos, Andréia é trançadeira (de cabelos) de profissão, rapper e líder comunitária à frente de dois projetos: Anjos do Gueto, que ajuda crianças periféricas pela música, e Mães do Cárcere, voltado a famílias de presos. Nos últimos meses, sua rotina foi completamente tomada por outra luta, a de denunciar possíveis abusos policiais cometidos na Baixada Santista durante as operações Escudo e Verão.

Diante da escalda de mortes, Andréia criou um grupo no Whatsapp para reunir mulheres e mães das vítimas da PM. Durante meses, seu telefone não parou. Sua casa virou uma espécie de QG de gestão de crise. Assim que alguém era assassinado, ela era informada pelos moradores das comunidades, prestava apoio às famílias e ajudava a espalhar a notícia. Não foi uma nem duas vezes que a líder comunitária passou a madrugada em vigília, dando suporte emocional aos parentes. Foi ela também quem os colocou em contato com a Ouvidoria da Polícia, para cobrar explicações para as mortes.

Em março, pouco depois do auge das mortes, cerca de mil moradores de favelas da Baixada Santista lotaram o salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, em audiência pública contra as operações Escudo e Verão. Andréia foi uma das responsáveis por lotar os ônibus que subiriam do litoral para o ato. Assim que chegou, foi cercada por cerca de 20 policiais que perguntaram quem respondia por aquelas pessoas.

A Operação Escudo começou em julho de 2023, com o objetivo de sufocar o crime organizado na região, depois da primeira morte de um soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) em serviço desde 1999, no Guarujá. Durante a ação, em 40 dias a PM matou 28 pessoas em Santos, São Vicente e Guarujá. Já a Verão foi de 18 de dezembro a 1º de abril, e deixou 77 mortes por policiais em serviço, segundo o Ministério Público de São Paulo. Nas periferias, ambas são tratadas como Operação Vingança. Apesar das denúncias de tortura e violação de direitos, o governador Tarcísio chegou a afirmar em coletiva de imprensa que as organizações que denunciam os crimes cometidos durante a operação poderiam ir “na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que não tô nem aí”.

Infância na rua

A líder comunitária vive hoje numa casa ocupada na periferia de Praia Grande, no litoral de São Paulo, onde tem um salão de tranças. Mas conhece bem a realidade da infância nas ruas e das cadeias brasileiras. Andréia nasceu e cresceu na capital. Saiu de casa com só 13 anos, depois de perder o pai assassinado por um grupo de extermínio e a mãe, vítima de um derrame cerebral.

— Tive um problema dentro de casa e a rua, contraditoriamente, se tornou meu maior refúgio — afirmou.

Sem teto, passou a cometer pequenos delitos, como furtos em supermercado, atos que a levaram diversas vezes à antiga Febem, hoje Fundação Casa. Mais tarde, teve passagens pelo sistema prisional por tráfico - ela disse ter levado drogas ao marido preso - e por agressão. Teve dois filhos, o primogênito morreu atropelado a caminho do trabalho.

— Eu tinha que aprender com tanto sofrimento o que era certo e errado. Acredito que hoje sou inspiração para minha comunidade. Dessas dores, criei meus movimentos — finalizou.

Em nota, o governo de São Paulo afirma que "as forças de segurança do Estado são instituições legalistas e operam estritamente dentro de seu dever constitucional, seguindo protocolos operacionais rigorosos" e que excessos não são tolerados. Disse ainda que as mortes "decorrentes da reação violenta de bandidos a ações de combate ao crime organizado são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário".

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