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Assaltos em Araçatuba: um ataque com as digitais do ‘novo cangaço’

Especialistas chamam a atenção para a organização e o poder de fogo da quadrilha e recomendam ações de inteligência e de prevenção para deter novos crimes parecidos no interior do país
Carros queimados durante assaltos a bancos em Araçatuba, uma cidade a cerca de 520 km de São Paulo, Brasil, em 30 de agosto de 2021. Foto: Lazaro Jr. / Hojemais Aracatuba / AFP
Carros queimados durante assaltos a bancos em Araçatuba, uma cidade a cerca de 520 km de São Paulo, Brasil, em 30 de agosto de 2021. Foto: Lazaro Jr. / Hojemais Aracatuba / AFP

SÃO PAULO E RIO — O ataque de uma quadrilha a duas agências bancárias em Araçatuba chamou a a atenção de especialistas em segurança pública pela organização e a quantidade de armamento do grupo. Os estudiosos alertam que para deter este tipo de crime é preciso trabalho de inteligência e de preparação, e não basta apenas patrulhamento preventivo. Professor da FGV e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, relacionou o assalto ao fenômeno do ‘novo cangaço’ que ataca em cidades do interior do país.

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Alcadipani ressaltou que o assalto mostra uma articulação maior dos criminosos que estão envolvidos neste tipo de delito:

— Já tivemos outras ações como essa, de novo cangaço, acontecendo em São Paulo, onde pessoas foram utilizadas como escudo humano e houve toda essa articulação. Mas no caso de hoje (ontem), vimos criminosos utilizando diferentes tipos de explosivos e detonadores, o que mostra que essa quadrilha está bem organizada e estruturada — disse.

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Segundo ele, o chamado “novo cangaço” é um tipo de crime em que grupos tomam as cidades e colocam as autoridades de joelhos, assim como era feito antigamente, pelos cangaceiros. Municípios como Ourinhos (SP), Criciúma (SC) e Jarinu (SP) também passaram por episódios recentes desse tipo de ação de quadrilhas. Mas a presença em uma cidade tão grande e estruturada como Araçatuba mostra a ousadia e a articulação dos criminosos, de acordo com Alcadipani.

Outro ponto citado pelo professor da FGV é a presença de explosivos no roubo, que segundo ele pode, sim, indicar a participação de pessoas de uma grande facção criminosa, mas sem que a organização esteja necessariamente envolvida diretamente na ação.

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Padrão que se repete

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, diz que é possível observar um padrão em ações como a de Araçatuba. Segundo ela, se repetem o uso de armamento pesado, como explosivos, e a alta organização, feita a longo prazo, com o acompanhamento do trabalho policial.

— Há uma organização grande e um acesso a armamento pesado. É preciso investigar e se preparar para evitar que isso aconteça. Ou seja, evitar grandes fluxos de armamento, munição ilegal e explosivo, interceptando isso a tempo, e cortar os canais oriundos do tráfico internacional de armas e o desvio dentro do próprio Brasil. O poder público precisa se organizar ainda mais, com cooperação entre os estados — disse ela.

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O ex-secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva, coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, explicou que a prevenção a grupos como esses, que são raros, mas muito perigosos, deve se basear em trabalhos integrados de inteligência, e não em patrulhamento, já que o efetivo em cidades como Araçatuba é menor.

— Essas quadrilhas se aproveitam da oportunidade que existe nessas cidades, que ficam desguarnecidas durante a madrugada. Num município de 200 mil habitantes, como há vários no Brasil, deve haver meia dúzia de patrulhas naquele horário, que são orientadas a não entrar em confronto, mas a abrigar-se e proteger-se para pedir reforços. Foi o que aconteceu em Araçatuba, e assim eles até conseguiram evitar de alguma maneira que a situação fosse até agravada — opinou. — Não é o patrulhamento comum da PM que vai fazer a prevenção a atos como esse. Essas ações precisam de um trabalho de inteligência, para buscar a identificação das lideranças e, de alguma maneira, ir cercando essas quadrilhas, que são poucas. É necessário uma cooperação de inteligência entre polícias Civil, Militar e Federal, porque tem armas estrangeiras empregadas nesses crimes, explosivos, o que são evidências de que são pessoas que vão de um estado para o outro.

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Prevenção em Guararema

De acordo com a Secretaria de Segurança do estado de São Paulo, até julho deste ano, foram dez casos de roubos a banco registrados. Segundo um levantamento feito pelo ex-secretário, cinco foram ataques feitos nestes moldes: além de Araçatuba, em São Carlos, Mococa e dois na capital. Ele relembrou ainda de um outro caso recente onde o trabalho de inteligência das polícias conseguiu antecipar e evitar um golpe.

— Nós tivemos um caso recente em Guararema. A polícia conseguiu informações e acabou abortando o ataque dos criminosos. Eles foram emboscados no momento em que chegavam à cidade. O que temos hoje é essa demanda de inteligência. Não só de coleta gradual de dados, mas de resposta rápida também. Aqui em São Paulo existe um sistema tecnológico nos radares que identifica os veículos que passam por eles através da placa. A gente precisa que eles gerem um alerta à polícia e a estes municípios caso passem dois, três ou meia dúzia de veículos roubados de uma vez, sobretudo em horários a partir das 23h30 — acrescentou.

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Em outubro de 2017, Araçatuba foi palco de outro grande assalto. Uma quadrilha formada por dezenas de pessoas agiu de forma parecida: dividiu-se em três diferentes lugares e utilizou explosivos para invadir uma empresa de valores. O muro da companhia foi destruído, casas vizinhas foram condenadas, e o grupo fugiu com R$ 10 milhões. Um policial civil ainda foi morto na ação. O crime motivou a operação Homem de Ferro, da Polícia Civil, que nos anos seguintes prendeu mais de 20 pessoas ligadas ao grupo.

— A facilidade com que alcançam explosivos para essas ações também é algo que deve ser destacado. O Exército até consegue ter um controle eficiente sobre eles quando são importados, mas quando chegam às pedreiras, a construção civil já não tem mais controle nenhum. A Polícia Federal precisa fazer um cadastro melhor — avisou José Vicente. — As quadrilhas não atacam mais bancos hoje porque quase todos os caixas eletrônicos inutilizam as notas com tinta quando são explodidos. Então, eles precisam ir direto aos grandes cofres. Mas, para isso, precisam também de informações privilegiadas.

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Repercussão no exterior

O ataque repercutiu em veículos da imprensa dos Estados Unidos e Europa . O britânico The Guardian afirmou que os bandidos “mergulharam uma cidade brasileira no terror”.

A BBC, também do Reino Unido, lembrou que assaltos a bancos em grande escala têm sido cada vez mais frequentes nos últimos anos no Brasil. “Esses roubos bem planejados são parte de um fenômeno que os brasileiros chamam de ‘novo cangaço’, referindo-se a um termo usado pela primeira vez para descrever o banditismo que assolou partes do Brasil nas décadas de 1920 e 1930”, descreveu a BBC.

O The New York Times chamou a atenção para o tamanho dos bandos e destacou que eles têm atiradores bem treinados.