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Caso Lázaro: 'Maior caçada a um psicopata da história desse país', diz secretário de Segurança de Goiás 3 meses após morte do criminoso

Rodney Miranda falou ao GLOBO sobre artifícios usados por bandido morto pela polícia após 20 dias de fuga que mobilizou centenas de agentes das forças de segurança do estado e do DF
Polícia faz buscas para prender Lázaro de Sousa Foto: Editoria de Arte
Polícia faz buscas para prender Lázaro de Sousa Foto: Editoria de Arte

RIO — A fuga do criminoso mais procurado do país durante 20 dias no mês de junho passado tirou noites de sono do secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, e se tornou, nas palavras dele, "a maior caçada a um psicopata no país". Três meses após a morte de Lázaro Barbosa de Sousa, completados nesta terça-feira, Miranda afirma que as regiões por onde ele cometeu seus crimes voltaram a viver sua rotina de paz e tranquilidade e relembra a saga da passagem do serial killer de 32 anos, morto com ao menos 38 tiros em confronto com forças de segurança  no distrito de Girassol, em Cocalzinho de Goiás. O secretário afirma não ter dúvidas: Lázaro tinha uma rede de proteção que dificultou as buscas que mobilizaram cerca de 300 policiais de dois estados, agentes federais, drones, helicópteros e cães farejadores.

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— Ele tinha uma rede de proteção, sim — afirmou em entrevista ao GLOBO.

Apesar disso, segundo Miranda, é importante lembrar que os requintes de crueldade com os quais Lázaro praticava seus crimes eram uma característica dele:

— O perfil dele é o de um psicopata. Disso não há dúvida.

Lázaro usava um agasalho da PM do Distrito Federal quando foi morto Foto: Reprodução
Lázaro usava um agasalho da PM do Distrito Federal quando foi morto Foto: Reprodução

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À época da morte, Miranda afirmou que o criminoso havia descarregado "a pistola em cima dos policiais" e que as equipes não tiveram "outra alternativa senão revidar". Ele mantém a afirmação. Lázaro usava um agasalho da Polícia Militar do DF quando foi morto pelos policiais.

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Caso segue investigado

O secretário participou pessoalmente das buscas a Lázaro — "tenho muita dificuldade de planejar e coordenar (operações) de trás da tela de um computador", afirma — e disse não se arrepender do número de agentes mobilizados nas buscas, porém, sem revelar os valores gastos nesses dias todos de operação — a Polícia Civil de Goiás impôs sigilo de cinco anos sobre a ação, em questões como efetivo deslocado e custos envolvidos.

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— Com certeza foi a maior caçada a um psicopata da história recente desse país. A quantidade de pessoas (que participaram da procura a Lázaro) foi até pela dimensão do local. São mais de cinco mil propriedades. Nosso principal objetivo, o número um, era não deixar ele machucar mais ninguém.

Com registros de crimes na Bahia, no Distrito Federal e em Goiás, inquéritos apuram a ação de Lázaro, possíveis cúmplices e há também procedimentos já investigados na Justiça.

Um dos  acusados de dar proteção a Lázaro, o fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, de 73 anos, foi preso, denunciado e é réu no processo .

O secretário frisou ainda que não  foi descartada a hipótese de Lázaro ter agido com algum parceiro. Num dos crimes praticados por ele, um estupro em Cêilândia, em 2009, o criminoso estava junto com o irmão, Deusdete, morto há cinco anos.

Fazendeiro é o único investigado, afirma MP

A promotora responsável pelo caso Lázaro concordou em responder perguntas enviadas por e-mail pelos jornalistas. Ao GLOBO, Gabriela Sterling Jorge Vieira de Mello afirmou que a Promotoria de Justiça de Cocalzinho de Goiás não recebeu informações sobre apuração em andamento sobre a contratação do criminoso por parte de fazendeiros e disse ainda que Elmi Evangelista é o único chacreiro investigado.

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'Curupira' de Goiás

Miranda ouviu falar de Lázaro pela primeira vez no dia 12 de junho, um sábado, três dias após o criminoso matar quatro pessoas de uma mesma família em Ceilândia, no DF.

— (A  informação) chegou sábado à noite por meio do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele pediu (na operação) apoio e autorização para as equipes atravessarem para Goiás. No domingo, foi montada a força-tarefa. Na segunda-feira, fui pessoalmente ao local. Coordenar pessoalmente é um perfil meu — disse ele.

Para o secretário, uma das maiores dificuldades para que os policiais chegassem a Lázaro foi o fato de ele não estar fugindo e, sim, se escondendo. Assim, o criminoso estabeleceu seu próprio perímetro e montava armadilhas para os agentes.

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Durante a caçada a Lázaro, muito se falou sobre os métodos usados pelo bandido para despistar as forças de segurança. Ele foi chamado até mesmo de Curupira — figura folclórica que tem os pés virados para trás. Os comentários, que na época pareciam fantasiosos, eram que Lázaro calçava os chinelos de forma invertida, com a parte da frente para trás, para deixar pegadas enganosas. A manobra era verdade.

— Os chinelos nós achamos na casa do Elmir. Chinelos de dupla face, feitos de papelão — contou Miranda.

Esconderijos nas árvores, maconha e rituais

Os esconderijos usados por Lázaro nas matas, que muitas vezes pareciam saídos de filmes, também não eram mera ficção, disse o secretário:

— Um drone pegou uma imagem de calor dele na copa de uma árvore. Nas grutas vimos restos de fogueira, o que era sinal da presença dele.

Miranda, que chegou a ficar a cerca de cinco metros de Lázaro numa ocasião, apontou ainda um fator que fazia com que o bandido levasse vantagem nas fugas: a velocidade com que ele corria chegava a 7 km/h.

Vídeo:

As buscas ao criminoso Lázaro Barbosa Sousa, de 32 anos, terminaram com sua morte, após trocar tiros com a polícia. O criminoso chegou a ser encaminhado para um hospital da região, mas não resistiu aos ferimentos. O tiroteio ocorreu em Itamaracá, em Águas Lindas de Goiás, região onde o criminoso estava sendo procurado desde a noite de domingo
As buscas ao criminoso Lázaro Barbosa Sousa, de 32 anos, terminaram com sua morte, após trocar tiros com a polícia. O criminoso chegou a ser encaminhado para um hospital da região, mas não resistiu aos ferimentos. O tiroteio ocorreu em Itamaracá, em Águas Lindas de Goiás, região onde o criminoso estava sendo procurado desde a noite de domingo

De acordo com o secretário, Lázaro praticava rituais macabros. Além disso, o criminoso costumava sair nos fins de tarde para comprar drogas. Foi essa movimentação regular do bandido que fez com que o cerco a ele começasse a se apertar.

— Ele era viciado em maconha. Todo o final de tarde ele saía (para comprar o entorpecente) — afirmou.

Essa constância nas saídas de Lázaro para conseguir maconha chamou a atenção dos policiais, que acabaram por descobrir quem era o fornecedor dele e conseguiram prender um casal.

— Isso dificultou mais ainda a situação dele porque foi saindo de sua área — afirmou o secretário de segurança.

Criminoso cercado

Na noite de 27 de junho, Lázaro foi visto por moradores no Setor Itamaracá. A polícia foi chamada.O criminoso ignorou, de acordo com o secretrário, uma tentativa de negociação feita pelos agentes para que se entregasse. Durante a madrugada do dia 28, um cerco foi feito na região, com o apoio de helicópteros e cães farejadores.

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Pela manhã, Lázaro fugiu da casa da ex-mulher por uma região de mata nos fundos da residência. Ele acabou se envolvendo num confronto. Lázaro ainda foi colocado numa ambulância e levado para o Hospital Municipal Bom Jesus, em Águas Lindas de Goiás, onde chegou morto. O corpo dele seguiu para o Instituto Médico-Legal (IML) e foi sepultado três dias depois.

Hoje, a passagem de Lázaro por Cocalzinho de Goiás ainda provoca medo em algumas pessoas que conheciam o bandido e temem falar dele e atrair uma vingança por parte de algum cúmplice. Mas a rotina de normalidade tenta se sobrepor às lembranças do pavor.

— A normalidade na região foi restabelecida. É uma região pacata, tranquila, com índices baixos de criminalidade. Nós vínhamos construindo isso (esse cenário) desde 2019. (Desde  a morte de Lázaro) já voltei três vezes lá — afirmou Miranda.

Histórico de crimes

A ficha criminal de Lázaro remete a 2007, quando ele tinha 19 anos e matou duas pessoas em Barra dos Mendes, na Bahia. Os crimes foram cometidos contra pai e filho. Lázaro chegou a ficar dez dias preso, na ocasião, mas fugiu da cadeia.

Em 2009, ele foi preso novamente. Dessa vez, Lázaro era suspeito de ter cometido os crimes de roubo, estupro e porte ilegal de arma de fogo. Ele ficou detido no Complexo Penitenciário da Papuda (CPP), em Brasília. No presídio, um laudo psicológico o descreveu como “psicopata imprevisível”, com comportamento agressivo, impulsivo, instabilidade emocional e falta de controle e equilíbrio.

Durante caçada:

Veículo estava no sentido oposto do qual seguiam polícia e imprensa. Crédito: Ceilândia Muita Treta
Veículo estava no sentido oposto do qual seguiam polícia e imprensa. Crédito: Ceilândia Muita Treta

Em 2016, quando estava no regime semiaberto, Lázaro saiu e não retornou para o presídio. Dois anos depois, ele voltou a ser preso, em Águas Lindas de Goiás, pelos crimes de homicídio qualificado, porte ilegal de arma de fogo, roubo e estupro. Ele fugiu meses depois e desde então era considerado foragido da Justiça.

Mesmo assim, Lázaro continuou a praticar crimes. Em abril do ano passado, ele teria invadido uma propriedade em Santo Antônio do Descoberto, no entorno do Distrito Federal, e roubado o proprietário após agredí-lo com um machado.

Ele também é o principal suspeito de ter invadido uma casa em Sol Nascente, no Distrito Federal, rendido pai e filho e estuprado uma mulher. Em abril de 2021, Lázaro teria feito uma família refém, obrigado as pessoas a ficarem nuas e obrigado as mulheres a fazer comida para ele.

Cronologia da fuga

  • 9 de junho - Lázaro invade a chácara da família Vidal, na região do Incra 9, em Ceilândia (DF). Cláudio Vidal, de 48 anos, e os filhos Gustavo Vidal, de 21, e Carlos Eduardo Vidal, de 15, foram encontrados mortos no local com marcas de facadas e tiros. Mulher de Cláudio e mãe dos jovens, Cleonice Vidal, de 43 anos, é sequestrada pelo criminoso. O corpo dela foi localizado no dia 12, num córrego em Ceilândia (DF). De acordo com o laudo pericial, Cleonice levou um tiro na cabeça e teve umad as orelhas cortadas possivelmente quando ainda estava viva. O exame mostrou indícios de violência sexual.
  • 9 de junho - em fuga, Lázaro invadiu e roubou uma chácara em Ceilândia. Ele rendeu o caseiro, o dono da propriedade e o filho dele.
  • 10 de junho - Lázaro invadiu uma residência a três quilômetros da chácara da família Vidal. Ele manteve reféns a dona da casa e o caseiro durante três horas e os teria obrigado a fumar maconha. O bandido teria levao R$ 200 e celulares antes de deixar o local.
  • 11 de junho - Lázaro fugiu para Cocalzinho de Goiás (GO). A polícia recebeu informações de que ele havia roubado um veiculo, o abandonado e queimado.
  • 12 de junho - O criminoso invadiu uma casa nos arredores da Lagoa do Samuel, na zona rural de Cocalzinho, e fez o caseiro refém.
  • 12 de junho - Lázaro invadiu outra propriedade, atirou contra três homens e roubou armas e munição que eram de um militar da Aeronáutica.
  • 13 de junho - O bandido furtou um carro e o abandonou na BR-070 ao ver um bloqueio feito pelas forças de segurança. Ele fugiu para uma região de mata. Houve troca de tiros. No automóvel usado por Lázaro foram encontrados um carregador de arma.
  • 14 de junho - Um caseiro atira contra Lázaro numa propriedade em Cocalzinho. O bandido foi filmado no curral de uma fazenda entre os distritos de Edilândia e Girassol.
  • 15 de junho - Uma família foi feita refém pelo criminoso. A filha do proprietário da chácara consegue ligar para um policial. Lázaro descobre e leva as vítimas para a beira de um rio. A polícia consegue localizá-los e há novo confronto. Dois policiais ficam feridos. O bandido escapa se escondendo na mata.
  • 16 de junho - Lázaro foi visto por um morador da região de Cocalzinho.
  • 17 de junho - As buscas a Lázaro são retomadas. Mais uma vez houve troca de tiros
  • 18 de junho - O criminoso foi visto num chiqueiro de uma chácara, mas conseguiu fugir pela vegetação.
  • 19 de junho - Policiais fazem buscas em Águas Lindas de Goiás após um morador ter afirmado ter visto Lázaro numa gruta na região.
  • 21 de junho - Uma moradora disse ter visto um homem parecido com o bandido numa propriedade rural. A região foi vasculhada por militares de várias unidades.
  • 22 de junho - Um carro encontrado queimado é periciado. Um lençol e um serrote foram encontrados num local onde Lázaro pode ter se abrigado.
  • 23 de junho -  Equipes fizeram buscas em áreas de chácaras, sem sucesso.
  • 24 de junho - Os policiais fazem mais buscas em região de chácaras em Girassol.
  • 26 de junho - O fazendeiro Elmi e o caseiro Alain Reis são presos suspeitos de ajudarem na fuga de Lázaro.
  • 28 de junho - Lázaro é morto em tiroteio com a polícia no distrito de Girassol.

Os envolvidos

  • Elmi Caetano Evangelista, de 73 anos - fazendeiro - acusado de ajudar Lázaro na fuga, ele responde por favorecimento pessoal e porte de armas. Chegou a ficar preso no presídio de Águas Lindas de Goiás, mas conseguiu a liberdade. Usa tornozeleira eletrônica e cumpre medidas determinadas pela Justiça.
  • Alain Reis Santana, de 32 anos, caseiro - ele chegou a ser preso, suspeito de ajudar Lázaro. Mas nada ficou comprovado e o caseiro foi liberado na audiência de custódia. Em depoimento, alegou que recebeu ordens do patrão, Elmi, para não deixar a polícia se aproximar da fazenda.
  • Luana Cristina Evangelista (ex-mulher de Lázaro), de 30 anos; Isabel Evangelista de Sousa (mãe de Luana), de 65; e Ellen Vieira da Silva (viúva do bandido), de 20 - foram indiciadas por ajudar Lázaro a fugir da polícia em Cocalzinho de Goiás e Águas Lindas de Goiás. O Ministério Publico (MP) propôs que paguem R$ 550 para encerrar o processo contra elas.