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Carmita Abdo Foto: O Globo

Conto de fadas

Pesquisas indicam que, ao contrário do que se imagina, o eros feminino não é sustentado por intimidade e segurança emocional

Na coluna de quinze dias atrás, iniciamos uma reflexão a respeito do desejo sexual feminino, com base em pesquisas recentes. Hoje, conforme prometido, voltamos ao tema.

Em um novo experimento, a psicóloga Meredith Chivers convidou mulheres heterossexuais a ouvir áudios pornográficos. Queria ver se as narrações exerciam ou não o mesmo efeito sobre os genitais e a mente da mulher. Tais narrações eram variadas: uma mulher ou um homem no papel de sedutor, alguém desconhecido, um amigo ou um amante.

A diferença foi brutal: as mulheres relataram estar muito mais “ligadas” aos áudios protagonizados por homens do que àqueles com mulheres, mas o pletismógrafo vaginal (instrumento que mede alterações de pressão e volume do sangue) as contradizia: o fluxo sanguíneo genital aumentava quando os áudios descreviam episódios pornográficos com amigas, mas a pulsação para mulheres desconhecidas era duas vezes mais potente. Com homens desconhecidos, oito vezes maior! Para amigos homens, a variação do pulso vaginal foi quase nula. No entanto, as mulheres do experimento de Chivers sustentavam que os desconhecidos as excitavam muito menos...

Essa descoberta não se encaixa no pressuposto social de que a sexualidade das mulheres depende de vínculo emocional, intimidade e sensação de segurança. O erotismo feminino parece funcionar melhor em estado bruto, natural.

Sarah Hrdy, professora de antropologia, alegou razões evolutivas para que isso aconteça. Suas ideias desafiaram os psicólogos evolucionistas, os quais insistiam que as mulheres são menos libidinosas, sendo o sexo feminino mais apto à monogamia. Hrdy começou sua carreira estudando macacos langur, cujos machos matam os recém-nascidos, mas não seus filhotes (ou os que acreditam que sejam seus). Esta prática vale para machos de outras espécies de primatas. A antropóloga acredita que a promiscuidade feminina entre macacos e babuínos evoluiu, em parte, como um escudo (estratégia para a sobrevivência dos filhotes), pois “confundia” a paternidade: o macho, não tendo certeza de que o filhote não era dele, estaria menos propenso a exterminá- lo.

Hrdy também teorizou sobre o orgasmo. O clímax feminino — em humanos e, se houver, em animais — foi interpretado por psicólogos evolucionistas como um subproduto sem efeito sobre a reprodução. Mas Hrdy defende que o orgasmo possa ter sido muito relevante para nossos ancestrais, como um meio de certificar-se de que as fêmeas eram erotizáveis e que se deslocavam de forma eficiente de uma rodada de sexo para outra, de um parceiro para o próximo. Transferiam, portanto, o “tesão” de um encontro para o seguinte , no desafio de chegar ao clímax.

A possibilidade de orgasmos múltiplos teria razões nobres. Hrdy concluiu que as vantagens que as fêmeas usufruem desse comportamento de prazer-pulsão vão desde a proteção contra o infanticídio em algumas espécies de primatas até, no todo, reunir esperma mais variado e assim obter melhores chances de compatibilidade genética, de engravidar e de ter uma prole saudável.

Essas experiências deixam lições pontuais: primeiro, o desejo das mulheres é uma força subestimada e reprimida, ainda nos dias de hoje. Segundo, apesar das noções impregnadas em nossa cultura, esta força não é, em sua maior parte, provocada ou sustentada por intimidade e segurança emocional. Em terceiro lugar, uma das suposições mais confortantes e de alívio — especialmente para os homens (mas ancorada a ambos os sexos) —, de que o eros feminino é mais adequado à monogamia do que a libido masculina, parece ser pouco mais do que um mero conto de fadas.

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