Exclusivo para Assinantes
Brasil

Volta às aulas na pandemia: mando ou não mando meu filho para a escola?

O GLOBO entrevistou especialistas para tirar dúvidas de pais e tentar encontrar a resposta para esta pergunta
Alunos voltam para a escola no Rio de Janeiro Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Alunos voltam para a escola no Rio de Janeiro Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

RIO - Com o retorno voluntário das escolas particulares do Rio de Janeiro e a possibilidade de reabertura ao longo do mês em diversas outras cidades do país, agora cabe às famílias a decisão de mandar ou não as crianças e os adolescentes de volta às aulas. Para especialistas consultados pelo GLOBO para ajudar na resolução do dilema, não há resposta simples: depende.

Educação: Como Natividade, cidade do interior do Rio, deu o maior salto do país no Ideb

Para os especialistas, é preciso, antes de mais nada, avaliar o momento epidêmico em cada cidade, cada local. Idealmente, a cidade precisa estar em curva sustentada de queda de infecções: duas semanas de queda na média móvel ou R0 (taxa de retransmissão) menor que um por duas semanas.

Se meu filho já teve a Covid-19, ele está protegido?

Essa é a pergunta mais simples de responder: reinfecções pelo mundo foram raríssimas, portanto, há 99,9% de chance de que quem já teve estar protegido.

Quais são os maiores riscos de mandar para a escola?

Há riscos para a cidade e para as famílias. A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, diz que para a sociedade, o problema é o aumento na mobilidade:

— Você está movimentando a cidade com o deslocamento de estudantes, responsáveis, professores e funcionários. Quando abre uma escola, tem muita coisa que vai acontecer fora da escola porque ela abriu. Um monte de gente que estava confinada e é suscetível vai sair. O risco é aumentar a taxa de transmissão comunitária — diz Pasternak.

Pandemia: As histórias de quem tenta salvar o ano perdido da educação

Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), afirma que o papel exato da criança na doença ainda é “controverso”, mas é possível dizer que “há baixa transmissibilidade”.

— Os estudos em relação a isso foram feitos em ambiente doméstico, com as crianças fora da escola. Agora temos visto mais isso com a volta às aulas em diversos países. Mas por onde a pandemia passou, as crianças adoeceram com menos frequência, menos gravidade, foram menos internadas e morreram menos. Com menos sintomas, se você não tosse ou espirra, transmite menos, isso é o B A Bá da infectologia.

Por isso, cada família tem que avaliar se há em casa pacientes do grupo de risco, idosos ou pessoas com comorbidade, para ver se vale lidar com o risco, ainda que pequeno.

Ideb: Rio não bate meta em nenhuma etapa de ensino

Como medir o risco do vírus versus os benefícios para a saúde mental e o desenvolvimento da criança?

Estudos mostram crianças mais ansiosas, irritadas, estressadas e com dificuldades para dormir, ou seja, em geral, o isolamento tem um impacto negativo. Mas cada família precisa avaliar sua dinâmica e a situação dos filhos.

— Com o nível de infecção das crianças menores que nos adultos, tomadas as devidas precauções, o ficar em casa pode ser pior em termos emocionais e pedagógicos. Mas é importante a conversa, as crianças entendem muitas coisas desde pequenas, percebem como a família está passando essa fase e, em geral, refletem uma dinâmica familiar. Quando se está numa situação de exceção é muito difícil falar o que é certo e errado, nessa situação. Tem que utilizar ainda mais de bom senso. Às vezes o melhor para uma família não é para a outra — afirma a psicopedagoga Luciana Brites.

Por outro lado, a família deve saber por que está mandando, tendo uma visão racional do risco, para não "mandar e ficar na neurose”.

Se decidir mandar, como posso aumentar a proteção da criança e da família?

De acordo com o pediatra e infectologista, não é preciso encapar caderno, lavar roupa, dar banho, nada disso, "não se transmite assim".

Saeb: Desempenho em Língua Portuguesa piorou em 11 estados do país do 1º ao 5º ano

Coloque máscara e mande outras para troca, mostre como tirar e vestir, ensine a lavar as mãos com frequência, evitar compartilhar objetos e manter distanciamento de 1,5 m de colegas e professores. E tenha certeza que a escola também está instruindo e fiscalizando.

E se não quiser mandar, o que fazer?

Para Kfouri, "a decisão individual deve ser respeitada e o estado deve fornecer as condições de ensino para todos".

— Tem que ter garantia de segurança alimentar, internet e aulas à distância para quem não vai. Entra na questão individual, se a família tem idosos, imunodeprimidos ou simplesmente ter a livre opção de não querer correr o risco, estar inseguro.

A psicopedagoga reforça que até os 6 anos, é a fase do contato social: pegar, tocar, viver a experiência corporal, brincar com o amiguinho. Ainda é difícil que eles assimilem regras de não encostar ou como usar a máscara de forma adequada.  A partir dos 7 já entra numa aprendizagem mais formal, entende melhor as regras, a questão social.

Ideb: Brasil avança no ensino médio, mas não consegue bater meta

Para quem não quiser enviar os pequenos à escola, mas está preocupado com a socialização, pode escolher um primo ou amiguinho do prédio com quem ter convívio.

— Pode ser válido, restringindo o número de crianças a probabilidade de ter infecção é menor.

A quais sintomas devemos estar atentos para não mandar a criança para a escola, evitando colocar os colegas em risco?

Pode ter diarreia e dor abdominal mas os principais sintomas são respiratórios: espirro, tosse, coriza, febre, mal-estar, perda de olfato e paladar, segundo Kfouri.

Adianta testar as crianças antes?

— Não adianta, o teste faz uma fotografia do momento e os testes sorológicos falham 40%. Mas colher o PCR dos sintomáticos é obrigatório — afirma Renato Kfouri.

Para Pasternak, a melhor coisa é fazer o rastreamento por sintomas. Quem tiver algum sintoma vai para casa e todos os contactantes, colegas com quem teve contato, são isolados também. Por isso é importante que as escolas operem em grupos de 4/5 crianças por professor. Isso facilitará o rastreamento e isolamento caso alguém apareça doente.

Como ficam as crianças no abre e fecha das escolas?

As reaberturas são tentativas. Se a transmissão crescer, pode ser necessário voltar atrás.

Diante disso, a psicopedagofa recomenda que os pais conversem com os filhos para quem "ninguém seja pego de surpresa: 'lembra que fechou? Agora abriu, mas pode fechar novamente'. Assim ela já está avisada. Combinar antes facilita as coisas".