Celina

Pandemia de Covid-19 e crise econômica atingem trabalhadoras domésticas de forma desproporcional na América Latina

Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) calcula que mulheres são 93% das funcionárias empregadas por famílias. Durante a quarentena, sete em cada dez ficaram desempregadas ou perderam horas de trabalho
Coletivo Pela Vida das Nossas Mães arrecada doações para trabalhadoras domésticas que enfrentam dificuldades financeiras durante o isolamento domiciliar devido ao coronavírus Foto: Marcos Alves /Agência O Globo
Coletivo Pela Vida das Nossas Mães arrecada doações para trabalhadoras domésticas que enfrentam dificuldades financeiras durante o isolamento domiciliar devido ao coronavírus Foto: Marcos Alves /Agência O Globo

Com uma longa história de exclusão e precariedade, as trabalhadoras domésticas na América Latina estão sofrendo em cheio os efeitos econômicos da pandemia, que as deixou confinadas e sem trabalho.

"Eles me disseram para desculpá-los, mas que agora eu não podia trabalhar. Sou uma pessoa consciente, vejo o que está acontecendo conosco, mas espero poder voltar ao meu trabalho", conta à agência de notícias AFP a mexicana Carmen Hernández, de 59 anos, empregada doméstica há 36.

Seu caso se repete ao longo da região, uma das mais desiguais do mundo, onde até 18 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico, sendo 93% mulheres, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Sem renda, pois a maioria trabalha com contratos de palavra, a COVID-19 evidenciou sua vulnerabilidade. Sete em cada 10 ficaram desempregadas ou perderam horas de trabalho devido às quarentenas, de acordo com a CEPAL, que calcula em 77% a informalidade do setor.

Coronavírus: pandemia impacta as mulheres de forma diferente. E isso precisa ser levado em conta para enfrentar a crise

No Brasil, de 4,9 milhões de empregos perdidos entre fevereiro e abril, 727 mil foram do serviço doméstico. Uma situação crítica para um setor no qual os salários não são suficientes. Na América Latina são iguais ou inferiores a 50% do que recebem em média os demais trabalhadores, apesar dos esforços de alguns países por regularizar a atividade, segundo a CEPAL.

Para complementar a renda, Carmen limpa cinco casas por semana. Sem trabalho desde maio, ela recebeu a oferta de voltar a uma residência em breve. Mas uma normalização parece distante no momento em que o novo coronavírus mantém a propagação acelerada na região, que registra 2,4 milhões de contágios e quase 111 mil mortes.

A pandemia também evidenciou a discriminação contra as domésticas na região, onde este trabalho representa até 14,3% do emprego feminino.

Vulnerabilidade: Trabalhadoras domésticas e diaristas falam das dificuldades que enfrentam em meio à pandemia

No Brasil, com seis milhões de trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras de áreas da periferia, muitas se viram obrigadas a seguir trabalhando, sob risco de contágio nos transportes públicos. Uma das primeiras vítimas fatais no país - das mais de 57 mil acumuladas - foi uma mulher de 63 anos que trabalhava em um bairro nobre do Rio de Janeiro, infectada pela patroa que retornara de uma viagem à Itália. Outro caso que comoveu o país foi a morte de um menino de 5 anos, filho de uma trabalhadora doméstica, em um edifício de luxo do Recife, que caiu do nono andar quando estava sob os cuidados da empregadora de sua mãe, enquanto a funcionária - que o levou para o trabalho por não ter com quem deixá-lo - passeava com o cachorro da família.

Na Argentina chamou a atenção o caso de um empresário de Tandil que escondeu a trabalhadora doméstica na mala do carro para tentar fazer com que entrassem em uma área privada, violando a quarentena. No país, metade das 1,4 milhão de trabalhadoras do setor não têm previdência social. O Peru registrou 60 casos da doença em domésticas em três meses.

Ajuda: coletivo reúne doações para trabalhadoras domésticas que ficaram sem remuneração

"A crise exacerbou as vulnerabilidades e desigualdades existentes entre as trabalhadoras domésticas", destaca Vinícius Pinheiro, diretor regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A situação motivou iniciativas de proteção. No México, o cineasta Alfonso Cuarón apoia uma campanha para que os patrões continuem pagando os salários durante o confinamento. Cuarón dirigiu "Roma" (2018), dedicado a Liboria Rodríguez, a trabalhadora que ajudou a criá-lo. Um grupo de filhos de trabalhadoras domésticas no Brasil divulgou o manifesto "Pela vida de nossas mães", com a solicitação de uma quarentena remunerada. Para ajudar os vulneráveis, os governos do Brasil e da Argentina pagam subsídios de emergência. Mas a informalidade dificulta o acesso de muitas pessoas.