Celina

Como estereótipos de gênero definem nossa autoconfiança nas tarefas do dia a dia

Estudos científicos mostram que a população feminina tende a se achar pior do que realmente é em 'atividades masculinas'
Muita gente se sente pressionada a seguir as normas de gênero, o que ajuda a explicar por que homens e mulheres tendem a ser excessivamente confiantes em relação a práticas diferentes Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto Pixabay
Muita gente se sente pressionada a seguir as normas de gênero, o que ajuda a explicar por que homens e mulheres tendem a ser excessivamente confiantes em relação a práticas diferentes Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto Pixabay

NOVA YORK - Você acha que é um motorista acima da média? Como se compara aos outros como mãe ou pai? É melhor que a média quando se trata de dançar? Qual sua capacidade de salvar a Humanidade?

Grande parte do público vai responder a essas perguntas de forma incorreta porque, em alguns casos, acha que é melhor do que a realidade; em outros, que é pior.

Não é de hoje que as pessoas costumam se avaliar de maneira incorreta. Em um famoso estudo de 1981, os pesquisadores pediram aos participantes que julgassem sua própria capacidade como motoristas — e mais de 90% se disseram acima da média.

É claro que alguns que acham que dirigem bem são bons mesmo, mas essa estatística mostra que a tendência geral é a de inflar as capacidades na hora da comparação com o outro. Afinal, pela lógica, somente 50% podem estar acima da média.

Resultados semelhantes foram obtidos em muitas outras áreas: mais de 90% dos professores da faculdade de uma universidade estadual se consideraram acima da média; mais de 30% dos engenheiros de uma empresa disseram fazer parte dos 5% dos melhores.

Estudos como esses levaram os cientistas sociais a concluir que as pessoas sistematicamente exageram suas próprias capacidades, pois têm o que os pesquisadores chamam de "superioridade ilusória".

SIGA CELINA NO INSTAGRAM

No entanto, a história é mais complexa: estudos mais recentes descobriram exemplos nos quais as pessoas tendem a subestimar as próprias capacidades. Um deles concluiu que a maioria se achava pior que a média para se recuperar da morte de uma pessoa querida; outro mostrou que, no geral, o pessoal pensava ser muito ruim andando de monociclo. Nesse caso, o que existe é uma "inferioridade ilusória".

Mas quando é que a pessoa tem mais chance de se avaliar excessivamente bem? E o contrário, achando-se pior do que realmente é?

Um dos autores deste texto realizou uma pesquisa sobre o assunto. Spencer e seus colegas conduziram uma pesquisa sobre esse tópico usando o Positly, plataforma nova que permite aos estudiosos realizar um grande número de trabalhos com rapidez. E, em vez de perguntarem aos entrevistados sobre seu nível de habilidade em apenas algumas atividades, pediram uma autoavaliação de aptidão em cem delas.

Para cada uma, a pessoa tinha de se comparar aos outros participantes de mesma idade e gênero e que moravam na mesma área. O fato de se achar superior a mais de 50% deles sugeria um excesso de confiança sistemático; já o contrário poderia indicar falta de autoconfiança.

A pesquisa mostrou que, no geral, as pessoas superestimaram a própria eficiência em evitar ser passado para trás em um golpe, ganhar um concurso de curiosidades ou abraçar; mas a subestimaram em relação à previsão de um evento esportivo, ganhar uma briga ou dançar.

Normas de gênero

Quatro fatores previam consistentemente excesso de confiança: primeiro, as atividades que refletiam a personalidade ou o caráter, e isso ajudou a explicar quem se supervalorizava em questões que envolviam ética, confiabilidade em matéria de amizade e valor como ser humano.

E, uma vez que muita gente se sente pressionada a seguir as normas de gênero, isso também ajuda a explicar por que homens e mulheres tendem a ser excessivamente confiantes em relação a práticas diferentes. Entre as cem atividades testadas, os homens se mostram presunçosos na comparação com outros homens notadamente nas tarefas estereotipicamente masculinas, como jogar pôquer, consertar uma cadeira e compreender ciência; já as mulheres se comparam com bem menos confiança a outras nesses mesmos quesitos.

Em contrapartida, elas se sentiam mais confiantes em relação às outras quando se tratava de entender os sentimentos alheios, preparar uma boa refeição e educar os filhos, tarefas nas quais os homens se sentem menos confiantes entre si.

Uma curiosidade: o homem médio se achou em melhores condições do que 63% de seus pares para sobreviver a um apocalipse zumbi; a mulher média ficou em 47%.

O que liga homens ao apocalipse zumbi?

Outro fator que previa excesso de confiança é quanto o nível de habilidade é uma questão de opinião, ou seja, dê às pessoas mais espaço de manobra para que definam a habilidade e elas tenderão a se valorizar mais. Entretanto, elas se revelam menos autoconfiantes na avaliação da própria inteligência (um tanto subjetiva) do que no desempenho em um teste de QI (supostamente mais objetivo).

Uma das implicações dessa pesquisa é que as pessoas tendem a sistematicamente subestimar sua capacidade de fazer coisas bem difíceis que nunca tentaram antes — com exceção (notável) da avaliação masculina de sua competência para lidar com o apocalipse zumbi.

O que essa pesquisa nos diz sobre a natureza humana? Alguns trabalhos anteriores apresentavam o ser humano como uma criatura comicamente pretensiosa, concluindo que a maioria anda por aí falsamente convencida de ser melhor que os outros; já a pesquisa atual faz um retrato mais complexo.

Claro que há sempre aquele que se ilude achando que é melhor que os outros em qualquer coisa, seja fácil ou difícil, mas o fato é que é natural se sentir tímido ou duvidar da própria capacidade quando é preciso fazer algo difícil ou inédito. Nós nos subestimamos quase que automaticamente quando se trata de sair da zona de conforto.