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Coronavírus: a quarentena pode intensificar a depressão pós-parto. Aprenda a identificar os sintomas

Grávidas e mães de bebês com até 12 meses podem estar mais vulneráveis à depressão perinatal durante a pandemia de Covid-19. Saiba quais cuidados devem ser tomados por essas mulheres e como pessoas próximas podem ajudar
Tristeza persistente e falta de prazer estão entre os principais sintomas da depressão pós-parto. Familiares e pessoas próximas podem ajudar a identificar a doença Foto: Arte de Ana Luiza Costa
Tristeza persistente e falta de prazer estão entre os principais sintomas da depressão pós-parto. Familiares e pessoas próximas podem ajudar a identificar a doença Foto: Arte de Ana Luiza Costa

Grávidas e mães de recém-nascidos se encontram em uma situação inesperada em meio à pandemia do novo coronavírus . O momento da gestação e do nascimento , que na maioria das vezes inclui muito planejamento, está passando por alterações e quebras de expectativas devido às circunstâncias atuais. Apesar de ainda não existirem estudos específicos sobre essa questão, especialistas apontam que as preocupações com a Covid-19 e o isolamento domiciliar podem tornar essas mulheres mais suscetíveis à depressão pós-parto .

A psicóloga da Maternidade Perinatal Helena Aguiar define a depressão pós-parto como "uma condição de profunda tristeza, desesperança, falta de energia e prazer em realizar tarefas que antes as mulheres realizavam sem esforço". Ela pode acontecer em todo o período que cerca a gravidez e o pós-parto. Por isso, um termo utilizado atualmente é "depressão perinatal", como explica a psiquiatra Maila Castro , membro da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

— Usamos a classificação da Organização Mundial da Saúde, que considera a depressão perinatal um episódio depressivo maior, podendo começar na gravidez ou nos primeiros 12 meses após o parto. Esse é um período de vulnerabilidade ao aparecimento de doenças ou comprometimentos para toda a família: tanto para a mãe quanto também para a criança e o parceiro. E o maior risco é nas primeiras cinco semanas depois do nascimento — afirma a médica, que também é professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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A psiquiatra Maila Castro explica que a depressão pós-parto é resultado de uma combinação de fatores biológicos, psíquicos e sociais. Por isso, algumas mulheres apresentam maior risco de desenvolvê-la. Nesse grupo estão principalmente aquelas que tiveram depressão anteriormente ou na própria gravidez. Além disso, mulheres que passaram por situações de estresse durante a gestação ou após o parto, que têm baixo suporte social ou instabilidade financeira, que tiveram complicações na gravidez, parto ou pós-parto e mães de crianças que tenham alguma necessidade de cuidado especial também podem ser mais suscetíveis.

— Em muitos desses pontos podemos fazer um paralelo com o momento atual, como por exemplo o baixo suporte social e a instabilidade financeira, que podem ser agravados durante a pandemia. O nascimento de um bebê também é um momento de muita expectativa, e muitas mulheres estão frustradas por não poderem ter o chá de bebê cheio de gente, além de não estarem cercadas da família no parto. Tudo isso vai mudar a configuração do nascimento e do pós-parto no momento atual e pode deixá-las mais vulneráveis ao desenvolvimento de sintomas — explica Maila Castro.

A psiquiatra também ressalta que, quando ocorre algum tipo de catástrofe, as pessoas envolvidas, em geral, apresentam um aumento de transtornos mentais. Ela menciona um estudo realizado na China que apontou uma maior incidência de depressão e ansiedade na população durante a pandemia de coronavírus, e outro, do qual participou na UFMG, realizado após o rompimento da barragem de Mariana em 2015, que mostrou um aumento na ocorrência de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático nas pessoas envolvidas no desastre.

— Quem é submetido a catástrofes tem essa predisposição aos transtornos mentais. Mulheres já são mais vulneráveis à depressão, no período perinatal ainda mais, então é preciso ficar especialmente atento a elas. Tanto a família quanto os obstetras, pediatras e médicos têm um papel essencial nesse momento — defende.

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A psicóloga Helena Aguiar também destaca que a impossibilidade de ter uma rede de apoio, tão importante na fase do nascimento do bebê, pode contribuir para a maior vulnerabilidade das mães.

— O que temos visto no consultório, que continua atendendo online, são mulheres mais fragilizadas nesse período. Tanto as que estão no puerpério quanto na gravidez. O apoio das avós é importantíssimo na nossa cultura, e tenho visto duas situações: as avós ou não estão participando desse momento ou, quando estão, existe um sentimento de culpa muito grande por parte das mulheres por estarem expondo suas mães ao risco de contágio — conta.

No entanto, a psicóloga pondera que esse não é o único problema atual. A privação de sono, o isolamento, a alimentação inadequada e o sedentarismo, aspectos que podem ser acentuados durante o isolamento social, também estão entre fatores de risco para a depressão.

Sintomas e tratamento da depressão pós-parto

Helena Aguiar afirma que a depressão pós-parto tem os mesmos sintomas da depressão, porém é localizada no período que gira em torno do nascimento do bebê. Apesar de muitos acharem que ela está ligada somente a problemas na relação entre mãe e filho, esse não é o caso. Para ser diagnosticada dessa forma, ela precisa estar afetando todas as áreas da vida da mulher.

A psiquiatra Maila Castro enumera alguns sintomas comuns : tristeza persistente na maior parte do dia; perda de prazer pelas coisas que habitualmente davam prazer; alterações no sono e no apetite, tanto aumento quanto diminuição; apatia; falta de vontade de fazer as coisas; cansaço; desânimo; desatenção; pensamentos de culpa e, em alguns casos, comportamento suicida.

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As profissionais destacam que o puerpério é um período de muitas alterações na rotina da mulher, além de uma mudança hormonal intensa. Por isso, é comum que muitas mães apresentem um outro quadro, conhecido como baby blues .

— Esse é um quadro transitório, que não chega a preencher critérios da depressão e nem a impactar tanto a vida da mulher — explica a psiquiatra Maila Castro.

A psicóloga Helena Aguiar explica a diferença entre depressão pós-parto e baby blues :

— No baby blues a mulher chora muito sem entender o motivo e se sente culpada por não estar tão feliz quando achava que estaria, mas isso tudo vai diminuindo gradativamente. A depressão pós-parto é o contrário, vai se intensificando. É importante fazer a distinção não só do baby blues , mas também da própria tristeza que faz parte desse momento de adaptações — diz Helena Aguiar.

O tratamento recomendado para a depressão pós-parto é a combinação da psicoterapia com a intervenção farmacológica, ou seja, o uso de medicação. Maila Castro destaca que o médico deve ter atenção para eleger medicamentos que sejam menos transmitidos para a criança, já que a maioria das mães vai estar amamentando. Helena Aguiar ressalta a importância de um diagnóstico rápido, para que a doença deixe menos consequências para a família.

Cuidados para grávidas e mães de recém-nascidos

A psicóloga Helena Aguiar recomenda que as grávidas e mães de recém-nascidos busquem manter uma rotina equilibrada durante o período de isolamento domiciliar e tentem fazer alguma atividade física, mesmo dentro de casa. Por outro lado, ressalta ser importante evitar a rigidez em excesso; ela pode ser prejudicial. Aguiar também indica que essas mulheres filtrem as informações e escolham bem suas fontes de notícias, para não se desesperar. Se for possível fazer terapia, essa é uma boa sugestão para ajudar a entender o que está acontecendo e "abrir espaço para se conectar com o novo".

— Tenho visto mulheres muito conectadas ao que não aconteceu. Grávidas falando que queriam tanto fazer um enxoval e não conseguem fazer uma compra online, por exemplo. Se ela não faz uma boa elaboração e não se desliga do que aconteceu, não consegue se conectar com as novas possibilidades. Ainda bem que hoje temos o meio virtual para viabilizar algumas — explica Helena Aguiar.

A psiquiatra Maila Castro afirma que suportes, mesmo a distância, são importantes:

— Sabemos que não existe uma intervenção biológica que possa ser feita para prevenir a depressão pós-parto. Mas existem evidências de que o suporte, que pode ser por telefonema, e a psicoterapia individual podem ajudar. Podemos pensar nesse tipo de prevenção — afirma.

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Como família e amigos podem ajudar?

A partir das entrevistas com as duas especialistas, reunimos uma lista de dicas para familiares e pessoas próximas apoiarem as grávidas e mães de recém-nascidos durante o período de isolamento domiciliar:

Conexão entre o casal

No período atual, em que muitos pais de recém-nascidos não podem contar com a presença do resto da família, a conexão entre o casal é um fator muito importante.

— É importante que o casal esteja conectado para poder entender esses sinais de excesso. Precisamos lembrar que a depressão pós-parto existe entre os homens, porque eles também passam por muitas mudanças nesse momento. O casal vai ter que se ajudar, perceber como está, entender que a tristeza vai fazer parte, mas ficar atento ao principal sintoma da depressão que é a falta de energia e prazer — diz a psicóloga Helena Aguiar.

Estar presente mesmo à distância

Para os familiares ou amigos que não estão juntos durante o isolamento, uma recomendação é se mostrar presente mesmo que não fisicamente. Para isso, a tecnologia pode ser uma grande aliada.

— Mandar uma mensagem, uma compra no supermercado,  perguntar se precisa de algo, enviar um presente ou até uma fralda, fazer chamadas de vídeos. De alguma forma ser suporte e mostrar que, apesar do isolamento, existe a preocupação com o bebê que está chegando ou já chegou. Incluir essa família, mesmo que de forma virtual, é importante para que não se sintam sozinhos — sugere Helena Aguiar.

Manter um olhar atento para essas mães

Ter um olhar especial para as mães e grávidas é importante tanto para amenizar os fatores de risco, quanto para fazer uma rápida identificação, caso os sintomas apareçam.

— Temos que ficar próximos dessas mulheres e tentar ouví-las o máximo possível para identificar algum sinal de que estejam precisando de ajuda — diz a psiquiatra Maila Castro.

A psicóloga Helena Aguiar concorda:

— Às vezes é uma pessoa de fora que vai perceber que aquilo que a mãe está sentindo não é natural.

Dividir as tarefas entre o casal

Na nossa cultura, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. É importante existir um diálogo entre o casal para que dividam o tempo com o bebê e tambémpara que cada um possa ficar sozinho.

— Isso é super difícil, a tendência cultural é que a mulher se sobrecarregue demais , mas a quarentena tem um ponto positivo: os homens ficam mais em casa também. É importante ter um diálogo sobre isso e cada um ter um tempo sozinho, nem que seja para tomar um banho tranquilo. Isso é fundamental para a saúde mental — afirma Helena Aguiar.

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Na dúvida, consultar um profissional

A família e os amigos são importantes para identificar os possíveis sintomas, mas podem surgir dúvidas. Nesses casos, o recomendado é buscar ajuda profissional.

— Se surgir a dúvida, procure um profissional. Existem hoje muitos que trabalham em redes de apoio online, até gratuitas, para as populações mais carentes — recomenda Helena Aguiar.

— As pessoas têm que ficar especificamente atentas, saber que esse é um período de vulnerabilidade e, se identificarem algum sintoma, procurar um médico para entender se é preciso tratamento ou não. Elas não têm como identificar sozinhas, mas podem suspeitar. Isso é muito importante — conclui Maila Castro.