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Coronavírus: restrições de viagens na China impedem vítimas de tráfico de mulheres de deixar o país

Segundo organizações de ajuda, mulheres que conseguem fugir do casamento forçado estão sendo levadas para centro de detenção do governo chinês
Nyo, de 17 anos e vítima do tráfico de mulheres de Mianmar para a China, com o bebê que fruto do casamento e das relações sexuais forçadas com o "marido chinês" Foto: MINZAYAR OO / NYT
Nyo, de 17 anos e vítima do tráfico de mulheres de Mianmar para a China, com o bebê que fruto do casamento e das relações sexuais forçadas com o "marido chinês" Foto: MINZAYAR OO / NYT

PHNOM PENH — As restrições de viagem impostas pelo governo da China como medida para conter o avanço do coronavírus forçaram grupos que atuam contra o tráfico de mulheres a suspender as operações de resgate de vietnamitas e cambojanas levadas a força para se casarem com chineses. As que conseguiram fugir do casamento forçado estão agora escondidas e esperando um resgate que não tem data para acontecer. Na última década, dezenas de milhares de mulheres do Sudeste Asiático foram levadas a força para a China por redes de criminosos que lhes prometiam empregos lucrativos, mas a entregaram para homens, muitos deles abusivos. O desequilíbrio entre o número de homens e de mulheres na China é fator determinante no aumento do tráfico de mulheres para o país.

Campanhas no Vietnã e no Camboja afirmam que mulheres que fugiram de seus maridos chineses foram presas e estão sem comunicação. As que não estão "sob risco de morte imediato" são aconselhadas a não fugir.

— Algumas mulheres dizem que o marido chinês está mentalmente perturbado, que apanham, que foram obrigadas a se prostituir para os vizinhos, e, nesse ponto, suas vidas estão em risco — diz Michael Brosowki, diretor da Fundação Blue Dragon para a Infância, com sede em Hanói. — Elas dizem que precisam partir, precisam partir agora. Tudo o que podemos fazer é aconselhá-las a procurar um esconderijo seguro.

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No último ano, a Fundação Blue Dragon resgatou uma mulher a cada três dias na China, mas suspendeu as operações no fim de janeiro, quando começaram as restrições às viagens impostas pelo governo chinês para conter o coronavírus.

— É impossível viajar a lugares remotos da China agora. Mesmo que isso fosse possível, as fronteiras estão fechadas — diz Brosowski à Thomson Reuters Foundation.


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Hoje, a Fundação Blue Dragon está em contato com 27 mulheres que pediram ajuda para deixar um casamento forçado e sair da China. Já a organização Chab Dai, baseada na capital doCamboja Phnom Penh afirma ter perdido contato com mulheres que fugiram de seus maridos depois que explodiram os casos de coronavírus na China. O gerente de programas da Chab Dai, Chan Saron conta que, em janeiro, uma mulher foi levada para "uma detenção controlada pelo governo" e mantida sob "condições muito rígidas" até que o contato com ela foi perdido.

— Segundo a legislação chinesa, sobrevivente são tratados como migrantes ilegais — explica Saron. — Recebemos dezenas de casos como esse, mas pode haver mais.

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Um assistente chinês para o consulado do Camboja em Xangai diz que pouco poder ser feito para ajudar mulheres que escaparam de seus raptores e que elo contato com elas agora é impossível.

— Se conseguirmos contactar as mulheres, acharemos uma maneira de ajudá-las — diz a a assistente chinesa, que preferiu se identificar como Hayley. — mas sem informação, como poderemos encontrá-las?

Nos últimos anos, autoridades em Camboja, Vietnã e China têm tentado combater o tráfico de mulheres, mas organizações de ajuda temem que a proibição aos serviços de empresas que promoviam casamentos de chineses com estrangeiras jogou essa questão para o submundo do crime, deixando as mulheres em risco ainda maior. Homens chineses costumam pagar entre US$ 10 mil e US$ 20mil por uma mulher estrangeira, segundo um relatório de 2016 das Nações Unidas.

Criminosos oferecem a mulheres de regiões pobres do Sudeste Asiático uma vida de sonhos na China, onde há 40 milhões a mais de homens — resultado da política de um filho do Estado chinês. As mulheres recebem promessas de uma vida de relativo luxo na China, e enquanto algumas delas realmente casam e enviam dinheiro para suas família, outras terminam em um cicle de abuso, violência e exploração.