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Celina

Crescem no Brasil clubes de leitura de obras feministas e autoras mulheres

Um deles, por exemplo, está presente em mais de 120 cidades. Entre as escritoras mais lidas, estão Bell Hooks, Angela Davis e Djamila Ribeiro
Livros feministas ou de ficção escritos por mulheres ganham cada vez mais espaço nas livrarias e entre as leitoras Foto: Arte de Nina Millen
Livros feministas ou de ficção escritos por mulheres ganham cada vez mais espaço nas livrarias e entre as leitoras Foto: Arte de Nina Millen

RIO - Não precisa ser um grande observador para notar que a quantidade de publicações de livros escritos por mulheres está crescendo cada vez mais. Embora não haja no Brasil, segundo a Câmara Brasileira do Livro, um sistema de pesquisa que separe por gênero os autores das obras, basta entrar em uma livraria para ver que livros feministas ou de ficção escritos por mulheres estão ganhando espaço crescente nas prateleiras. E, claro, se há um crescimento no volume de publicação é porque a procura também aumentou.

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Angela Davis, Djamila Ribeiro, bell hooks, Silvia Federici e Jarid Arraes são algumas das autoras que têm destaque nesse boom editorial, segundo Elisa Ventura, dona e fundadora da livraria Blooks, que investe no recorte de gênero e raça desde a sua fundação.

— É um público interessado, atuante, com foco na leitura e isso representa um aumento na procura. Sempre tivemos um espaço para livros com esse recorte e isso facilita a nossa percepção de que o número de publicações de uns anos para cá cresceu muito — reforça Elisa. — Feminismo e gênero não são assuntos que estão na moda. São pautas. As pessoas estão entendendo a importância de discutir sobre isso. Os jovens, que antes não frequentavam livrarias, estão lá buscando esses títulos, participando dos eventos, sendo ativos.

Nas ruas, não é raro ver mulheres carregando títulos com esse recorte — o de gênero. E o acesso a essas informações de uma maneira mais massiva fez muitas delas reviverem um hábito que parecia já ter ficado no passado: os clubes de leitura.

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'Enxergo o feminismo como ferramenta de mudança'

O clube "Leia Mulheres", por exemplo, está presente em mais de 120 cidades brasileiras e tem mais de três mil livros lidos nos seus quatro anos de existência.

Com reuniões mensais — que recebem cerca de 20 participantes cada —, o clube seleciona autoras dos mais variados países e gêneros literários. As escritoras independentes também têm espaço na lista de leitura. O "Leia Mulheres" faz, inclusive, parceria com algumas editoras.

— As discussões já começam nas nossas redes sociais, que também são uma expansão do que foi discutido no encontro. Toda semana eu recebo e-mail de duas ou três cidades pedindo para o "Leia Mulheres" formar um grupo de leitura no local. É um crescimento contínuo! — ressalta Michelle Henriques, coordenadora e mediadore do clube. — Nas reuniões, as mulheres encontram um espaço seguro pra compartilhar opiniões, comentar sobre experiências e reflexões que tiveram com aquela leitura, isso motiva muito. Você ler um livro que mexe com você e conversar sobre isso é muito bom.

Esta foi justamente uma das motivações para Alícia Oliveira, uma médica de 44 anos, fundar o "Tranças Literárias", um grupo de leitura independente. Ao lado de 15 amigas que compartilhavam o interesse de discutir assuntos pertinentes às mulheres, ela criou um grupo no WhatsApp para escolher um título literário e combinar um encontro para discussão. Com apenas dois meses de existência, o grupo cresceu e já conta com 48 participantes.

— O crescimento foi no boca a boca — conta Alícia. — É uma delícia. Tomamos vinho nos encontros, cada uma leva um lanche e discutimos a leitura, a visão feminina, as nossas sensações. As pessoas se juntam para ver série, filme... Por que não podemos fazer isso com livros?

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Carolina Alves, de 33 anos, faz parte do "Tranças Literárias" e é uma das mais ativas no debate. Desde 2016, ela se dedica à leitura de livros feministas, buscando entender as variadas realidades que cercam as mulheres pelo mundo e ter maior embasamento para a sua argumentação.

— Eu enxergo o feminismo como uma ferramenta de mudança. Eu quero entender as realidades, embasar os argumentos e levar isso para as pessoas. Eu sou a "chata da reunião de família" que briga com as pessoas — diverte-se ela.

Autoras lésbicas e bi também em destaque

Outro grupo que está ganhando destaque nacional é o "Lesbos", que se dedica à leitura de obras escritas por mulheres lésbicas ou bi ou que narrem histórias de personagens lésbicos. Fundado em 2017 por Lídia Bizio e Sol Guiné, o grupo realiza reuniões mensais e já está presente em três cidades: São Paulo, Salvador e Curitiba.

Segundo Lídia, cada cidade tem autonomia para escolher o livro que será lido pelo grupo. Na capital paulista, por exemplo, as mulheres do "Lesbos" estão organizando a leitura seguindo uma ordem cronológica a partir de 1998; enquanto em Curitiba as autoras estão sendo selecionadas por regiões.

— O que eu percebo nas mulheres que participam do "Lesbos" é que elas se sentem confortáveis e satisfeitas por terem um espaço para conversar sobre a vida, sobre as suas histórias. Essa dinâmica do "vamos sentar e conversar", ser ouvida, compreendida, tudo num espaço seguro, é muito importante — ressalta Lídia.

*Estagiária sob supervisão de Clarissa Pains