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Culpa materna: por que as mulheres ainda sofrem tanto com isso?

Pressão social pela maternidade perfeita faz com que mães se exijam demais; conheça histórias de mulheres que aceitaram melhor suas imperfeições
São poucas as mulheres que conseguem viver a maternidade sem se responsabilizar por tudo que dá (ou pode dar) errado com o bebê  Foto: Arte de André Mello
São poucas as mulheres que conseguem viver a maternidade sem se responsabilizar por tudo que dá (ou pode dar) errado com o bebê  Foto: Arte de André Mello

RIO - O resultado deu positivo. Junto com toda a alegria, já chega ela, a culpa. A mulher mal descobriu que estava grávida e começa a se cobrar por tudo que não está perfeito para a gestação: seu corpo, sua conta bancária, seu trabalho, sua idade, seu parceiro. Os meses e anos passam e as culpas vão mudando. Na nossa sociedade são poucas as mulheres que conseguem viver a maternidade sem se responsabilizar por tudo que dá (ou pode dar) errado com o bebê.

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, sempre que algo é muito forte culturalmente, as pessoas acabam internalizando.

— O lado cultural reforça o protagonismo feminino. Como a mulher tem total responsabilidade, ela sente culpa. Existe um modelo de ser mãe que é considerado correto e que ninguém consegue corresponder. Aliás, isso existe em várias áreas da vida feminina: há um modelo de corpo, de relacionamento... O script é intenso, mas o de mãe é mais complicado porque você é responsável por outra vida. E por mais maravilhosa que seja, algum problema vai ocorrer e a culpa vai ser intensa.

Às vésperas do Dia das Mães, celebrado no próximo domingo, dia 12, CELINA ouviu cinco mães para entender pelo que sentem culpa e como lidam com esse sentimento. Leia os relatos .

A antropóloga fez estudos na Alemanha e compara a cultura germânica com a brasileira. Segundo ela, em alguns países europeus há a cultura do “Ou”: a mulher escolhe não ter filho para se dedicar mais à carreira, ou decide ter filho e para um ano ou mais para investir na criação. Você hierarquiza e prioriza o que é importante naquele momento. Enquanto isso, o Brasil tem a cultura do “E”:

— A brasileira não quer abrir mão de ter filhos, e ainda trabalha, cuida do corpo, do marido, dos pais e tem vida social, cultural. É uma cultura da soma de papéis . Daí vem a exaustão, a frustração, a insônia, a depressão, os remédios. Há uma profunda insatisfação com tudo que nos é cobrado porque você nunca vai conseguir corresponder ao ideal.

A mãe fica com uma carga pesada na busca por uma perfeição que não existe . A psicóloga especialista em psicologia perinatal e parentalidade Julia Bittencourt afirma que é saudável para os filhos lidar com pessoas imperfeitas “porque a vida é assim, é bom lidar com mães que erram e pedem desculpa”.

— A gente vê o melhor para o filho, mas não necessariamente o que a gente acredita que seja melhor é o melhor. O ideal para mim não é o ideal para você e pode não ser para o seu filho. Mesmo fazendo o melhor, elas vão falhar.

Existem muitas formas de maternidade . Cada mulher tem a sua forma de ser mãe e essas cobranças só servem para criar a ideia de que você não é uma mãe normal, só para criar a ilusão de que a outra consegue e você não. E não existe maternidade perfeita , nem para amiga do Instagram, nem a sua mesma.

O caminho a seguir

Atualmente, a mulher está exposta a muitas coisas: opiniões externas, matérias, grupos de mãe no WhatsApp, pesquisas científicas, a creche, a família... Informação é algo maravilhoso, mas há um debate sobre o lado negativo desse excesso.

— Há o risco de a mulher se desconectar da sua verdade, dos seus valores familiares, do que acha que é o melhor. Ela fica perdida e culpada porque não olha para si, sua confiança fica abalada. Quanto mais ela estiver conectada com ela mesmo, com o que acha importante, mais certa das suas escolhas será. Assim você exerce a maternidade de acordo com o que acredita — afirma Julia Bittencourt.

A psicóloga também ressalta a importância do autocuidado. A mulher precisa tirar um tempo para si mesma, seja para ver um filme, fazer uma massagem, correr na praia ou tomar um chopp com as amigas. É necessário recarregar a própria bateria antes de poder gastá-la com os filhos. Caso contrário, a mulher vai estar sempre sem paciência ou esgotada demais. Aí liga a televisão para desligar a criança e a culpa reaparece com outro nome.

— Ela entra no piloto automático de que tem que ser mãe, tem que trabalhar, tem que isso, aquilo, fica esgotada. Se tem um tempo só para você, vai estar mais disponível e melhor emocionalmente para estar com seu filho.

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Esgotada era como Simone Dealtry estava: com dois filhos, gripada, sem dormir, e o maior esfregando morangos no sofá.

— Eu tirei, ele parou, depois recomeçou e me olhou com cara de deboche e desafio. Aí eu perdi a cabeça e dei um tapa nele. Senti uma raiva muito grande, depois veio a culpa, culpa por ter ficado irritada, culpa por ter batido. Fiquei péssima. Demorou uns três dias para voltar ao normal.

Mirian Goldenberg faz um alerta para as mulheres: a cobrança é principalmente feminina. São as amigas, familiares, conhecidas e até desconhecidas as primeiras a policiar.

— Tem uma cobrança social que acaba sendo internalizada por todas as mulheres e, inconscientemente, reproduzida, sob a crença de que tem que ser obedecido para o bem da criança ou da mãe — afirma a antropóloga.

Bruna Rangel teve dificuldades para amamentar e, por mais que tenha se esforçado, se sentiu culpada por isso. E quem estava ao redor, mais atrapalhou do que ajudou.

— A cobrança maior é da família, sempre tem um pitaco para dar, uma opinião, alguma coisa para dizer. As pessoas só sabem do final da história, não sabem o contexto inteiro, e isso acaba mexendo com a nossa cabeça porque você já está frágil.

Mirian ressalta que é importante rever a maneira como as mulheres lidam com outras mulheres:

— E entender como reforçam e reproduzem a lógica da dominação masculina, cobrando que dê peito, que trabalhe mais ou menos, fazendo a outra sofrer de culpa, de vergonha. O segredinho da libertação é cada uma não reproduzir e fortalecer os preconceitos nem em relação a ela mesma, nem às outras.

Para a antropóloga, no Dia das Mães, o grande presente que uma mulher pode receber é o reconhecimento. Dos filhos, do parceiro, da própria mãe e das outras mulheres.

— A parte bonita é que um abraço de reconhecimento vale tudo. É disso que as mães mais sentem falta. Estão sendo massacradas por quem acha que elas não estão fazendo o certo, e interiormente não se sentem valorizadas. Se se sentissem reconhecidas, não sentiriam culpa. Um abraço, um elogio, qualquer forma de reconhecimento compensa esse enorme trabalho que as mulheres fazem. Assim, a culpa deixa de existir.