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Desigualdade salarial entre homens e mulheres é maior na faixa dos 40 anos

Nesse grupo, elas ganham 75% do rendimento deles. Cuidados com a família e escolaridade explicam descolamento, diz IBGE
Diferença salarial entre homens e mulheres é maior na faixa dos 40 anos Foto: Criação/O GLOBO
Diferença salarial entre homens e mulheres é maior na faixa dos 40 anos Foto: Criação/O GLOBO

RIO - Conforme a idade da mulher brasileira aumenta também cresce a desigualdade em relação ao salário pago aos homens, sempre maior. É o que mostra estudo divulgado pelo IBGE nesta sexta-feira, Dia Internacional da Mulher. A pesquisa comparou o rendimento médio de trabalhadores de 25 a 49 anos de idade dos dois grupos. Essa desvantagem salarial existe independente da profissão. Da auxiliar de serviços gerais aos cargos de gerência, em média as mulheres sempre recebem menos.

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Em 2018, trabalhadoras da faixa etária mais jovem, de 25 a 29 anos, recebiam 87% do rendimento médio dos homens. Na faixa de 30 a 39 anos, elas ganhavam 81,6%. Mas, entre as de 40 a 49 anos, o percentual baixava para 75%. Nesse último grupo, o rendimento médio da mulher era de R$ 2.199 e o do homem, R$ 2.935

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- Podemos apontar duas razões. Uma delas é o fato de as mulheres mais novas terem escolaridade mais elevada que as mais velhas e estarem inseridas em ocupações que pagam mais. A outra tem relação com a maternidade e os cuidados com outros familiares, que muitas vezes acabam levando a mulher a se afastar do mercado por alguns períodos. Quando ela volta, pode ter mais dificuldades de se inserir com o mesmo salário - explica Adriana Beringuy, pesquisadora do IBGE.

Também contribui para esse maior descolamento salarial o fato de menos mulheres ocuparem cargos de chefia, algo geralmente alcançado na maturidade, complementa Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea. Para Ana Amélia, a tendência é que essa diferença diminua no futuro, já que as novas gerações são mais escolarizadas.

Segundo Adriana, do IBGE, todos ganham mais quando ficam mais velhos, só que o crescimento dos rendimentos dos homens é mais acentuado que o das mulheres. Enquanto os homens de 40 a 49 anos ganham, em média, 59% mais que os de 25 a 29 anos, entre as mulheres desses dois grupos a diferença é menor, de 37%.

A professora Bianca Nogueira, de 40 anos, moradora de São Paulo, exemplifica os números da pesquisa. Ela trabalhava em um colégio renomado da capital paulista e foi demitida logo após retornar da licença-maternidade. Hoje, ganha a metade do salário que recebia antes da gravidez. No período em que buscou recolocação, uma outra escola queria lhe pagar salário/hora inferior ao oferecido aos professores já contratados para a mesma função.

Homens ganham mais
Rendimento médio do trabalho principal da população de 25 a 49 anos de idade no 4º trimestre de 2018
Razão do rendimento de mulheres em relação ao de homens
Participação das mulheres entre o total de empregados
(R$ mil)
Renda média
Homens
Mulheres
6,21
Diretores
e gerentes
41,8
63
45,2
64,5
59
21,1
16,2
13,8
55,3
13,2
45,6
71,3%
65%
72%
86,2%
66,2%
72%
65,7%
68,8%
89,8%
100,7%
79,4%
4,43
5,9
Profissionais das
ciências e intelectuais
3,82
3,32
Técnicos e profissionais
de nível médio
2,38
2,07
Trabalhadores de
apoio administrativo
1,78
1,96
Trabalhadores dos serviços,
vendedores dos comércios e mercados
1,3
1,4
Trabalhadores qualificados da agropecuária,
florestais, da caça e da pesca
1
1,75
Trabalhadores qualificados, operários
e artesões da construção
1,15
1,9
Operadores de instalações e
máquinas e montadores
1,3
1
Ocupações
elementares
0,951
5,3
Membros das Forças Armadas,
policiais e bombeiros militares
5,33
2,5
MÉDIA
1,98
Fonte: IBGE
Homens ganham mais
Rendimento médio do trabalho principal da população de
25 a 49 anos de idade no
4º trimestre de 2018
(R$ mil)
Renda média
Homens
Mulheres
6,21
Diretores
e gerentes
4,43
5,9
Profissionais das
ciências e intelectuais
3,82
3,32
Técnicos e profissionais
de nível médio
2,38
2,07
Trabalhadores de
apoio administrativo
1,78
Trabalhadores dos serviços,
vendedores dos comércios
e mercados
1,96
1,3
Trabalhadores qualificados
da agropecuária, florestais,
da caça e da pesca
1,4
1
Trabalhadores qualificados,
operários e artesões
da construção
1,75
1,15
1,9
Operadores de instalações e
máquinas e montadores
1,3
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Ocupações
elementares
0,951
5,3
Membros das Forças Armadas,
policiais e bombeiros militares
5,33
2,5
MÉDIA
1,98
Participação das mulheres entre o total de empregados
Diretores
e gerentes
41,8
63
45,2
64,5
59
21,1
16,2
13,8
55,3
13,2
45,6
Profissionais das
ciências e intelectuais
Técnicos e profissionais
de nível médio
Trabalhadores de
apoio administrativo
Trabalhadores dos serviços,
vendedores dos comércios
e mercados
Trabalhadores qualificados
da agropecuária, florestais,
da caça e da pesca
Trabalhadores qualificados,
operários e artesões
da construção
Operadores de instalações e
máquinas e montadores
Ocupações
elementares
Membros das Forças Armadas,
policiais e bombeiros militares
MÉDIA
Razão do rendimento de mulheres em relação ao de homens
Diretores
e gerentes
71,3%
65%
72%
86,2%
66,2%
72%
65,7%
68,8%
89,8%
100,7%
79,4%
Profissionais das
ciências e intelectuais
Técnicos e profissionais
de nível médio
Trabalhadores de
apoio administrativo
Trabalhadores dos serviços,
vendedores dos comércios
e mercados
Trabalhadores qualificados
da agropecuária, florestais,
da caça e da pesca
Trabalhadores qualificados,
operários e artesões
da construção
Operadores de instalações e
máquinas e montadores
Ocupações
elementares
Membros das Forças Armadas,
policiais e bombeiros militares
MÉDIA
Fonte: IBGE

— Sabiam que, por ser mãe de uma criança pequena, a tendência seria eu aceitar ganhar menos para voltar a ter emprego — diz ela.

Com o bebê recém-nascido, as finanças apertaram para Bianca, que tinha o maior salário da casa. Com a ajuda de amigos, apelou para aulas particulares e revisões de textos, bicos que costumam aceitar mães de crianças pequenas.

Esse tipo de reinserção pode explicar outro movimento captado pelo IBGE: a queda da proporção de rendimentos recebido pelas mulheres mais velhas acompanha a redução da jornada média de trabalho remunerado. No grupo mais jovem, ela trabalha cerca de 3,6 horas menos que o homem da mesma idade. No grupo da outra ponta, a diferença chega a 5,4 horas em 2018. A pesquisa não considerou as horas empregadas em afazeres domésticos e cuidados da família, onde historicamente a mulher tem uma carga bastante superior à dos homens.

No tempo em que ficou sem emprego, Bianca precisou tirar dinheiro de sua poupança para garantir o básico para o bebê e a outra filha, de 21 anos, que faz faculdade. Seu maior medo, conta, era perder o plano de saúde. Foram seis meses de espera até voltar ao regime formal de trabalho.

— Quando engravidei, já me tratavam diferente, como se eu não fosse capaz. 'Poupa ela, está cansada', diziam. E eu não faltei uma vez. A própria funcionária do RH de um colégio famoso de São Paulo me disse que contratar uma mãe era complicado, porque crianças choram, ficam doentes. Eu ainda arredondava a idade do meu bebê e dizia que ele tinha um ano para atenuar. Mesmo assim, foi difícil — relata.

Um levantamento realizado pelo economista Bruno Ottoni, pesquisador do Ibre/FGV e da Consultoria iDados, reforça essa realidade. No estudo, feito ano passado, ele identificou que os rendimentos das mulheres brasileiras que têm filhos são, em média, 35% menores do que os das que não têm. Para fazer a comparação, Ottoni utilizou dados do IBGE sobre a população de mulheres casadas, empregadas e com idades entre 25 e 35 anos, disponíveis na ocasião.

Enquanto as mulheres que não têm filhos (1,35 milhão dentro do perfil considerado) ganham, em média, R$ 2.182,06 por mês, as que têm filhos (2,9 milhões) recebem R$ 1.618,47.

- A maternidade é um ônus na vida das mulheres e a sociedade não quer pagar essa conta. A cada filho que gera é uma pedra que coloca na sua carreira profissional - resume a economista da UFF Hildete Pereira de Melo, especialista em trabalho e desigualdade de gênero.

Barreiras maiores para mulheres de baixa renda

Segundo a economista, enquanto a carreira dos homens é sempre ascendente, a das mulheres é um U. Ou seja, a mulher consegue ganhar espaço até o momento que começa a ter filhos, depois disso, acaba tendo perdas e só volta a poder se dedicar à carreira quando eles crescem.

- Nossa participação no mercado de trabalho aumentou, mas nosso salário vai lá para baixo - diz Hildete.

De um total de 93 milhões de brasileiros empregados, 43,8% (40,8 milhões) são mulheres e 56,2% (52,1 milhões) são homens.

Ela ressalta que, apesar das barreiras no mercado de trabalho existirem para mulheres de todas as classes sociais, as de renda mais alta têm mais recursos para driblá-las:

- Têm condições de contratar babá, pagar creche particular, enquanto as de renda baixa muitas vezes têm de deixar de trabalhar por não ter com quem deixar os filhos.

Para Hildete, essa realidade pode ser revertida com a universalização do acesso a creches públicas e oferta de escolas em tempo integral durante todo o ensino básico para que as mulheres possam se dedicar mais ao trabalho remunerado. Além de uma mudança de olhar de quem contrata, geralmente homens.

- Na seleção, independente do cargo que está em jogo, as mulheres são questionadas se têm filhos, sobre quem vai cuidar deles quando ficarem doentes. Muitas vezes, nem lhes são ofertadas promoções pela mesma razão - complementa Regina Madalozzo, economista especializada na atuação da mulher no mercado de trabalho, do Insper.

As duas economistas dizem que associar falta de assiduidade à trabalhadora mãe é um equívoco.

- A principal causa de falta no trabalho é o alcoolismo, uma doença que afeta mais os homens - diz Hildete.

Mulheres são mais escolarizadas

Quando a comparação entre os rendimentos das mulheres e dos homens é feita de acordo com a ocupação, o estudo mostra que a desigualdade é disseminada no mercado de trabalho, embora varie de intensidade.

- Nas ocupações que selecionamos para o estudo, as mulheres ganham menos em todas. As maiores proximidades de rendimento, ainda que não haja igualdade, ocorreram no caso dos professores do ensino fundamental, em que as mulheres recebiam 9,5% menos que os homens - disse Adriana.

A desigualdade salarial é maior entre o grupo onde as mulheres são maioria. Em 2018 elas representavam 63% dos profissionais de ciências e intelectuais (economistas, médicos, advogados, professores universitários e químicos). Mas seus rendimentos correspondiam a apenas 65% do pago aos homens dessa área.

O nível de instrução dos trabalhadores de 25 a 49 anos tem aumentado nos últimos anos, como mostra a pesquisa, iniciada em 2012 pelo IBGE. Mais entre as mulheres. Naquele ano, 13,1% dos homens ocupados tinham o ensino superior, passado para 18,4% em 2018.

Entre as mulheres, essa estimativa passou de 16,5% para 22,8%. O rendimento médio mais baixo, segundo o nível de instrução, era o da mulher do grupo sem instrução e fundamental incompleto (R$ 880), enquanto o mais elevado era recebido por homens de nível superior completo (R$ 5.928).

* Estagiário sob supervisão de Daiane Costa