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Celina Coronavírus

Em meio à pandemia do coronavírus, educação financeira para mulheres se torna ainda mais urgente

Carol Sandler, do canal 'Finanças Femininas', e Gabriela Chaves, da plataforma de educação financeira 'NoFront', dão dicas para mulheres que querem melhorar a relação com as finanças nesse momento de crise
Mulheres são duramente atingidas pela crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19. Nesse momento, a educação financeira para elas é fundamental Foto: Arte sobre foto do Pixabay
Mulheres são duramente atingidas pela crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19. Nesse momento, a educação financeira para elas é fundamental Foto: Arte sobre foto do Pixabay

Apesar da maior presença feminina no mercado de trabalho e de alguns avanços na luta pela igualdade salarial nas últimas décadas, as mulheres ainda enfrentam muitos desafios quando o assunto é dinheiro. O imaginário do "homem provedor" e da "mulher dona de casa" há tempos vem sendo desconstruído, mas os padrões de gênero ainda trazem consequências para essa relação: desde pequenas, as mulheres são menos estimuladas a se envolver com conhecimentos da área de exatas . Quando adultas, muitas ainda abrem mão de gerenciar seus recursos. Por outro lado, hoje elas são grande parte das chefes de família no Brasil e são responsáveis pelas compras na maioria dos lares.

As mulheres estão sendo duramente atingidas pelos impactos econômicos da pandemia de coronavírus . Elas representam grande parte dos trabalhadores informais no país e têm forte presença em setores gravemente afetados pela crise. A diferença salarial entre os gêneros, que vinha sendo reduzida, pode crescer, de acordo com a ONU Mulheres . Além disso, o trabalho doméstico não-remunerado , que tende a aumentar no período de isolamento domiciliar, recai principalmente sobre elas. A educação financeira para mulheres é, portanto, mais do que urgente e pode ser uma grande aliada nesse momento.

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A criadora do canal Finanças Femininas Carol Sandler explica que educação financeira não tem a ver com entender de matemática, mas que ela é a base para mudar os comportamentos em relação ao dinheiro. Ela afirma que esse é um assunto pouco tratado no Brasil de forma geral, mas defende ser necessário pensar em um direcionamento especial para mulheres devido às barreiras sociais e culturais impostas a elas.

— Quando você começa a olhar para sua forma de lidar com dinheiro, percebe que cuidar bem dele é a ferramenta para conseguir bancar e fazer suas próprias escolhas, e isso é o empoderamento feminino — diz.

Ela afirma que promover esse conhecimento para mulheres é importante não apenas pelos obstáculos sociais que elas precisam enfrentar, mas também porque elas são multiplicadoras.

— Quando elas aprendem, levam o conhecimento também para sua família, amigas e para toda sua rede. Pensar em educação financeira para mulheres é uma forma de você de fato conseguir impactar a sociedade de uma forma diferente — defende.

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Gabriela Chaves , economista e fundadora da 'NoFront', uma plataforma que realiza cursos de educação financeira voltados para a população mais atingida pelos efeitos da desigualdade econômica, concorda que esse conhecimento é fundamental para todas as pessoas. Mas afirma que as mulheres são maioria entre seu público, o que acredita acontecer porque elas historicamente tiveram menos acesso a esse conteúdo.

— O ensino da economia e das finanças é muito masculinizado, assim como o campo das ciências econômicas. Existem ainda crenças de que as mulheres são gastadeiras, o que cria uma cultura na qual não se preocupa tanto com a educação financeira para elas e se naturaliza determinadas compulsões por compras — diz Chaves.

— Além disso, as mulheres são impactadas pela precarização do trabalho, pela informalidade, muitas são empurradas ao empreendedorismo e muitas vezes elas representam o pilar econômico na família — continua a economista. Ela afirma que em meio à crise econômica atual, na qual grande parte da população perdeu sua fonte de renda, esse conhecimento é ainda mais importante:

— Ele é ainda mais fundamental nesse momento em que precisamos aprender a administrar os recursos econômicos, que muitas vezes já são escassos, e agora mais ainda. Para mulheres é extremamente urgente e valioso, seja pela condição de inserção desigual no mercado de trabalho ou por todas as outras questões que fazem com que elas precisem ter uma organização muito grande para conseguir administrar as finanças e dar conta de todas as obrigações — completa.

Carol Sandler destaca os impactos da crise nos setores em que as mulheres ocupam maior parte da força de trabalho e também afirma que a sobrecarga feminina devido a divisão desigual das funções domésticas faz com que elas tenham menos tempo disponível para se dedicar à organização financeira: "É uma situação de vulnerabilidade que uma crise dessas só acentua."

"Quando você começa a olhar para sua forma de lidar com dinheiro, percebe que cuidar bem dele é a ferramenta para conseguir bancar suas próprias escolhas", diz Carol Sandler, criadora do canal Finanças Femininas Foto: Luiza Ferraz / Luiza Ferraz
"Quando você começa a olhar para sua forma de lidar com dinheiro, percebe que cuidar bem dele é a ferramenta para conseguir bancar suas próprias escolhas", diz Carol Sandler, criadora do canal Finanças Femininas Foto: Luiza Ferraz / Luiza Ferraz

Administrando as finanças

Para mulheres que desejam melhorar a administração de suas finanças nesse momento, Carol Sandler recomenda que a primeira coisa a ser feita é um diagnóstico de como está a sua situação financeira atualmente.

— É como se você estivesse com uma questão de saúde, fosse no médico e ele passa uma série de exames. Com o dinheiro é a mesma coisa: tem que parar e entender como você anda gastando. Recomendo pegar o extrato do banco dos últimos três meses e analisar como você gastou — indica.

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Ela explica que a proporção ideal é que 50% da renda seja direcionado para gastos essenciais, 30% para supérfluos e 20% deve ir para a reserva. Mas pondera que em tempos de pandemia essa é "uma missão quase impossível." Por isso, sugere fazer esse exercício de análise para saber detalhadamente quanto ganha, anotar todos os gastos e tentar enxugá-los o máximo possível.

— Se você já tem a noção clara de quando você ganha e de como gasta seu dinheiro, agora precisa fazer controle financeiro no dia a dia. Pode parecer difícil ou chato, e você não precisa fazer isso para o resto da vida, mas durante algum tempo tem que anotar todos os gastos para ter esse controle e construir uma intimidade financeira. Com esse conhecimento a gente consegue tomar melhores decisões para o nosso dinheiro — afirma.

Gabriela Chaves também indica que sejam identificados os gastos para que se possa cortar o que não for essencial. Além disso, aconselha que as mulheres busquem por mais informações sobre esse tema e afirma: "pensar nossa relação com dinheiro é pensar uma relação de autocuidado ."

— É importante investir em conhecimento para conseguir desenvolver uma relação melhor com o dinheiro. Os dados apontam que mais da metade da população brasileira teve sua renda financeira reduzida, então também é um momento para entender os gastos e tentar reduzi-los ao que é realmente necessário agora, cortando supérfluos — diz.

"Pensar nossa relação com dinheiro é pensar uma relação de autocuidado", diz a economista Gabriela Chaves, fundadora da NoFront Foto: Pedro Borges
"Pensar nossa relação com dinheiro é pensar uma relação de autocuidado", diz a economista Gabriela Chaves, fundadora da NoFront Foto: Pedro Borges

A economista também menciona a importância da formação de uma reserva de emergência , um dinheiro que deve ser guardado para momentos de crise como esse.

Carol Sandler, por sua vez, acrescenta que para quem tiver alguma dívida essa pode ser a hora de tentar renegociar. Seja no banco, com o empregador, ou com clientes, esse diálogo tem sido uma importante ferramenta no período atual. No entanto, muitas mulheres têm dificuldade em iniciar uma negociação . Para Sandler, esse também é um aspecto ligado a uma questão cultural referente ao papel da mulher.

— Uma série de estudos mostram que ela pode sim ser mal vista no trabalho pelo chefe quando negocia salário, ou quando é vista como alguém que é ambiciosa demais, pede demais, deixa claro o que quer. Ambiciosa é um adjetivo negativo para o feminino, mas não é para o masculino — avalia.

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Por outro lado, ela afirma que as mulheres têm menos dificuldade em negociar pelos outros, e que, nesse caso, isso não é visto como um problema. Por isso recomenda um método que pode ser aplicado nesse momento:

— Existe uma técnica para negociar que é não falar em nome de si, mas falar em "nós". Por exemplo: "Esse aumento vai ser muito importante para a nossa equipe, porque vamos poder utilizar essa minha capacidade para o bem da empresa." Com certeza ela pode ser aplicada nesse momento, porque vamos ter uma série de negociações. Se a mulher for negociar no banco, por exemplo, ela pode explicar que tem essa necessidade familiar, mostrar a capacidade de pagamento da família como um todo e ela vai ter maiores chances de conseguir algo — ela sugere.

Gabriela Chaves ressalta que no período atual todo mundo vai precisar ceder um pouco. Por isso, recomenda que as mulheres não sintam vergonha em buscar negociações.

— Não precisa ter vergonha em pedir um desconto, estamos em uma pandemia mundial em que todo mundo está sendo afetado pelos desafios que ela traz. Primeiro é preciso ser muito claro sobre qual é a barganha possível. Se estamos pensando em aluguel, pensar um plano de pagamento que permita um conforto para todos. Quando se fala do cliente, pensar em uma entrega que atenda às necessidades nesse momento. Procurar estar bem informada na hora de negociar é importante, porque melhora o poder de argumentação — conclui.