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Estátua de mercador de escravos é substituída por escultura de manifestante negra na Inglaterra

Monumento de Edward Colston foi retirado e jogado em um porto por manifestantes em Bristol, em junho, durante protestos após o assassinato do americano George Floyd
Jen Reid posa ao lado de sua escultura que foi colocada no lugar da estátua de Edward Colston, um traficante de escravos do século XVII Foto: Equipe de Marc Quinn / via Reuters
Jen Reid posa ao lado de sua escultura que foi colocada no lugar da estátua de Edward Colston, um traficante de escravos do século XVII Foto: Equipe de Marc Quinn / via Reuters

BRISTOL e LONDRES — Jen Reid nunca havia participado de um protesto do Black Lives Matter antes de ir às ruas de Bristol, Inglaterra, em 7 de junho. No final daquele dia de revolta, ela subiria num pedestal no lugar de um mercador de escravos do século XVII, cuja estátua de bronze fora derrubada e jogada no porto da cidade.

A imagem de Reid, com o punho cerrado, o braço direito erguido em um gesto de desafio, espalhou-se  nas mídias sociais. Para muitos, parecia o substituto perfeito para o comerciante Edward Colston — uma repreensão em carne e osso ao cruel legado do mercador, que ainda paira sobre a moderna Bristol.

No amanhecer desta quarta-feira, Jen Reid estava lá de novo, na forma de uma estátua em resina e aço de Marc Quinn, escultor britânico conhecido por seu trabalho provocador.

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A derrubada da estátua de Colston ocorreu durante os protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) após o assassinato  em 25 de maio do americano George Floyd , um homem negro sufocado até a morte por um policial branco. Em diversos outros países manifestantes removeram estátuas de personalidades ligadas ao racismo.

Imagem traz Jen Reid, do Black Lives Matter, com o punho levantado. A obra é do artista Marc Quinn e foi erguida sem a permissãodo governo de Bristol
Imagem traz Jen Reid, do Black Lives Matter, com o punho levantado. A obra é do artista Marc Quinn e foi erguida sem a permissãodo governo de Bristol

Reid, que é estilista de moda, a princípio teve dúvidas sobre ir ou não à manifestação. Estava cuidando de seus pais, idosos, e temia contrair o novo coronavírus e levar a doença para casa. Mas a indignação com o assassinato de Floyd falou mais alto: a estilista comprou uma boina preta e luvas e foi ao protesto com seu marido, Alasdair Doggart.

Doggart foi quem registrou o momento em que Reid estava no pedestal e publicou a imagem nas redes sociais. Após ver a foto, no dia seguinte, Quinn entrou em contato com a estilista, propondo o projeto. Ela viajou para um estúdio nos arredores de Londres e recriou a pose da foto para o artista. Com uma equipe de dez pessoas trabalhando, foram colocadas 200 câmeras para registrar todos os ângulos daquele momento.

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Para Quinn, a escultura é um complemento aos protestos. Ele afirmou que não espera que as autoridades deixem seu trabalho lá para sempre, mas gostaria que ficasse por pelo menos um tempo que permitisse uma conversa para decidir o que será feito.

A escultura foi feita em resina, porque, segundo ele, levaria muitos meses para fazer uma em bronze. E ele queria colocar a estátua enquanto as memórias dos acontecimentos recentes ainda estivessem frescas nas cabeças das pessoas.

"Eu e Jen Reid apresentamos uma nova obra pública temporária, 'A Surge of Power (Jen Reid) 2020' [Uma onda de poder 2020, em tradução livre], em cima do pedestal vazio de Edward Colston, em Bristol, na Inglaterra", escreveu Quinn no instagram ao lado de uma foto da escultura.

Escultura de Jen Reid, feita por Marc Quinn Foto: Geoff Caddick / AFP
Escultura de Jen Reid, feita por Marc Quinn Foto: Geoff Caddick / AFP

Quinn é conhecido por ter feito uma estátua de uma mulher grávida e deficiente e posto na Trafalgar Square, uma das praças mais famosas de Londres.

— Acho que é algo que o povo de Bristol realmente vai gostar de ver — disse Reid à BBC.

O prefeito de Bristol, Marvin Rees, disse que cabe à população da cidade decidir o que será colocado no lugar da estátua de Colston, mas ele também afirmou que a escultura de Reid foi colocada no local sem ter autorização.

— A escultura foi instalada hoje pela decisão do artista de Londres — disse o prefeito. — Não foi solicitada e não teve permissão para ser colocada.

Em junho, Rees disse que a estátua de Colston, que foi retirada do porto, seria exibida em um museu ao lado de cartazes do movimento Black Lives Matter, para que a história de 300 anos de escravidão e a luta pela igualdade racial pudessem ser melhor compreendidas.