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Celina

Fé cristã fora do armário: livro reúne pensamento religioso que prega acolher pessoas LGBTI+

Publicação será lançada este mês, por iniciativa do Católicas pelo Direito de Decidir, grupo progressista de mulheres cristãs que lutam pela legalização do aborto no Brasil há 25 anos
Igreja evangélica em Madureira, zona norte do Rio, acolhe fiéis LGBTI+; teologias que pregam a aceitação da diversidade ganham cada vez mais espaço, mas discurso hegemônico de religiões cristãs ainda reforça intolerância Foto: Arte sobre foto de Gabriel Monteiro/O Globo
Igreja evangélica em Madureira, zona norte do Rio, acolhe fiéis LGBTI+; teologias que pregam a aceitação da diversidade ganham cada vez mais espaço, mas discurso hegemônico de religiões cristãs ainda reforça intolerância Foto: Arte sobre foto de Gabriel Monteiro/O Globo

RIO - A diversidade da sigla LGBTI+ cabe dentro da fé cristã? Quando pensamos no discurso hegemônico da Igreja Católica e das igrejas evangélicas, que historicamente condenaram a homossexualidade, a diversidade e a liberdade sexual, parece impossível responder sim a essa pergunta. No entanto, ganham cada vez mais espaço outras leituras da Bíblia, que pregam o acolhimento e o respeito às diversas orientações sexuais e identidades de gênero.

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Para divulgar pensamentos cristãos que questionam as interdições da moral sexual comumente propagadas pelas igrejas, a organização Católicas pelo Direito de Decidir lança, neste mês, o livro "Teologias Fora do Armário". A publicação reúne artigos que apresentam pensamentos teológicos contra hegemônicos construídos em torno das questões de gênero e sexualidade, como a teologia queer e o pensamento de teólogas lésbicas. A obra também reflete sobre como o discurso religioso hegemônico muitas vezes legitima a violência contra as mulheres e pessoas LGBTI+ dentro e fora das igrejas.

— A religião tem um peso muito forte no nosso continente e quando ela é condenatória prejudica as pessoas com muita força, ainda mais quando se refere a homossexualidade e a transexualidade. Há um índice de suicídio importante, mortes de pessoas travestis e transexuais , e isso está sendo moldado pela religião — afirma a organizadora do livro e integrante do Católicas pelo Direito de Decidir, Regina Jurkewicz — Mas acredito que, ao mesmo tempo que a religião pode oprimir, ela também pode libertar —  completa.

O objetivo da obra, segundo Regina, é destacar pensamentos diversos dentro da própria igreja, mostrando que é possível conciliar a fé e o acolhimento de pessoas LGBTI+. O livro tem textos assinados pela teóloga feminista Mary E. Hunt, a psicóloga e ativista Cristiana de Assis Serra, a historiadora e mestra em ciência da religião Bruna David de Carvalho e o jornalista Leandro Noronha da Fonseca, a doutora em filosofia e ciências religiosas Ivone Gebara, a socióloga e ativista Tabata Pastore Tesser e o doutor em teologia André Musskopf.

— A gente tem a ideia de que a teologia cristã clássica é a única e somente ela representa a voz das igrejas. E, na verdade, existe uma pluralidade de pensamentos teológicos escondidos. A gente tentou dar luz para esses pensamentos, sabendo que tem muitas pessoas, sobretudo jovens, que participam das igrejas e são homossexuais ou transexuais, e não se sentem acolhidos. Mas é possível sentir e viver esse acolhimento quando a gente pensa teologicamente de uma forma diferente — afirma Regina.

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Ela reconhece que estes pensamentos religiosos diversos ainda estão longe de ser majoritários nas igrejas, mas acredita que os processos de mudança começam a ganhar mais espaço. Para Regina, o livro cumpre um papel "fundamental" de reafirmar a diversidade teológica em um momento de recrudescimento do fundamentalismo religioso.

— Não seria real dizer que há um amplo crescimento desses pensamentos nas igrejas, mas se você olhar para alguns setores, você vê que há um movimento. Ao mesmo tempo que isso cresce, o fundamentalismo reage e há setores que vão procurar reforçar a volta do pensamento único.

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'Discurso de ódio não é coerente com nenhuma igreja'

Regina, que também é doutora em ciências da religião, afirma que o argumento bastante utilizado por fundamentalistas católicos e evangélicos de que a criminalização da homofobia fere a liberdade religiosa não é coerente com a fé cristã e fomenta atos de violência.

—Ter liberdade religiosa é ter liberdade de crença. Essa liberdade não pode ser condenatória de quem vive a sexualidade de uma forma diferente da que eu acredito que deva ser vivida. Esses discursos fundamentalistas se transformam em práticas criminosas. A gente vê isso nas perseguições contra mulheres lésbicas e, sobretudo, nos assassinatos de travestis, o grupo de pessoas mais desrespeitado no Brasil —  explica a pesquisadora — O argumento da liberdade religiosa tem que ser utilizado de uma forma coerente e o discurso de ódio não é coerente com nenhuma igreja — reforça.

O livro "Teologias Fora do Armário" nasceu de um seminário sobre teologia e sexualidade realizado em novembro do ano passado em São Paulo, conta Regina. A publicação terá pré-lançamento nesta quinta-feira, 15, no VI Congresso Latino-americano de Gênero e Religião, promovido pelas Faculdades EST em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O lançamento oficial acontece no final deste mês, em São Paulo.