Celina

Feminicídios crescem 16% no período de maior isolamento social no Brasil

Pedidos de ajuda ao 180 relacionados à violência doméstica também cresceram 36% de março a junho, na comparação com igual período de 2019; por outro lado, registros de ocorrências de crimes diminuíram, evidenciando as dificuldades das mulheres para denunciar seus agressores
Levantamento feito pelo Instituto Igarapé mostra que, durante a pandemia, mortes e chamadas aumentaram; mas medidas protetivas e registros de ocorrência diminuíram Foto: Agência O Globo
Levantamento feito pelo Instituto Igarapé mostra que, durante a pandemia, mortes e chamadas aumentaram; mas medidas protetivas e registros de ocorrência diminuíram Foto: Agência O Globo

Durante os meses de maior isolamento social devido à pandemia de Covid-19, entre março e junho de 2020, houve um aumento de 16% no número de feminicídios no Brasil, em comparação a igual período do ano anterior. Segundo dados levantados pela plataforma EVA, do Instituto Igarapé, o número de chamadas ao Ligue 180 relacionadas à violência doméstica também subiu 36% na mesma comparação.

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Por outro lado, o registro de crimes relacionados à violência contra mulheres de março a junho de 2020, em comparação ao mesmo período em 2019, apresentou quedas significativas nos 18 estados que forneceram seus dados ao instituto: as denúncias de ameaça registradas caíram 24% e de lesão corporal dolosa e estupro recuaram 26%.

Os dados levantados pelo Igarapé, e apresentados nesta quarta-feira (9) durante o 14° Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, evidenciam que a queda nos registros não representa uma diminuição da violência contra as mulheres brasileiras, mas sim uma maior dificuldade para denunciar e receber atendimento , seja pela proximidade dos agressores no interior de seus lares, seja pela impossibilidade de sair de casa. A pandemia calou um fenômeno que já era silencioso.

O instituto fez duas análises diferentes: a primeira de longo prazo, que comparou a média da incidência da violência contra a mulher nos meses de maior isolamento social (março a junho) de 2020 com a do mesmo período do ano passado; e a segunda de curto prazo, que comparou a média de todos os casos reportados no período pré-isolamento social (janeiro a fevereiro), no período de isolamento (março a maio), e no período de flexibilização (junho em diante), todos em 2020.

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Dessa forma foi possível observar que, quando os estados iniciaram a flexibilização do isolamento, a partir de junho, as denúncias voltaram a crescer ou passaram a recuar em menor ritmo, mas ainda não retornaram aos patamares registrados anteriormente.

— O que a gente observa, através da nossa pesquisa, é que a pandemia teve impacto na segurança das mulheres e nos canais de denúncia. Apesar de um aumento no período de maior flexibilização, as denúncias dos vários tipos de violência, de forma geral, não voltaram aos patamares anteriores — explica Renata Giannini, autora do artigo e pesquisadora do Instituto Igarapé.

Ela destaca que, entre março e maio de 2020, houve um aumento de 6% nos casos de feminicídios em comparação a janeiro e fevereiro deste ano. Os dados são relativos a 17 estados e os maiores aumentos aconteceram em Goiás (47%), Rondônia (39%), Maranhão, Paraíba e Santa Catarina (33%).

Segundo a pesquisadora, foi possível observar que, além do incremento no número de feminicídios, cresceu também o número de chamadas relacionadas à violência contra mulheres em países de todos os continentes. No Brasil, houve maior procura em todos os estados (+5,23%), menos no Mato Grosso do Sul, segundo dados do Ligue 180, do governo federal. O número de chamadas, entretanto, não se refletiu no número de denúncias feitas às autoridades policiais durante o isolamento social.

— O que o Estado precisa fazer é aumentar as possibilidades de denúncia para essas mulheres e trazer pesquisas de vitimização, para que a gente entenda melhor essa situação, afinal de contas, esses já são crimes bastante subnotificados. Ao mesmo tempo, é preciso trazer iniciativas de apoio emergencial a mulheres em situação de violência para que elas possam denunciar e, se for o caso, deixar seus lares, ou conseguir que seus companheiros deixem seus lares, para que elas possam viver uma vida livre de violência — explica.

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A pesquisadora afirmou que não somente há uma tendência à subnotificação em razão do isolamento social, como houve atrasos para a disponibilização dos dados pelos estados. Ela reforçou ainda que as mulheres pretas e pardas são a maioria em todos os tipos de violência registrados, mas que nem todas as unidades da federação disponibilizam os dados com o recorte racial.

Medidas protetivas

Outro aspecto analisado no estudo foi a concessão e o descumprimento de medidas protetivas de urgência no período da pandemia. Em 2018, em média, 922 mulheres receberam medidas protetivas todos os dias, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Mas os números levantados pelo Instituto Igarapé mostram que as medidas protetivas de urgência deferidas — usadas para, por exemplo, coibir o agressor  de se aproximar da vítima — tiveram queda nos quatro estados (Acre, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo) que forneceram dados, logo no início do período de isolamento.

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O maior decréscimo ocorreu no Espírito Santo (84,4%). Já São Paulo apresentou um tímido aumento de 3,7%. Por outro lado, no período de flexibilização, a partir de junho, foi observado um aumento para quase todos os estados, com Rio de Janeiro apresentando o maior deles, de 229%.

A análise de curto prazo sobre o descumprimento de medidas protetivas baseou-se nos dados recebidos de 12 estados. De forma geral, observou-se uma tendência de diminuição na comparação entre os períodos anterior e durante a pandemia. Porém, o início da flexibilização mostrou uma tendência de crescimento do descumprimento dessas medidas na faixa de 51%.