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Inspiradas pelo feminismo, alunas criam coletivos em suas escolas

Coletivos feministas ganham força nas escolas públicas e privadas e trazem para o centro do debate os machismos vivenciados desde cedo pelas meninas dentro e fora das instituições de ensino
A partir da esquerda, Lauanny Brandão, Stephany Oliveira e Juliana Andrade: alunas do Colégio Pedro II, em São Cristóvão, criaram o Agbara, coletivo de mulheres negras
Foto: Fernando Lemos
A partir da esquerda, Lauanny Brandão, Stephany Oliveira e Juliana Andrade: alunas do Colégio Pedro II, em São Cristóvão, criaram o Agbara, coletivo de mulheres negras Foto: Fernando Lemos

RIO - Uma unidade poderosa e transformadora. É assim que as estudantes que participam de coletivos feministas definem a importância da mobilização na escola. Esses grupos nascem a partir de uma ocorrência concreta, como uma denúncia de assédio — ou da necessidade de discutir o papel da mulher na escola e de estudar as vertentes do feminismo , um tema que não faz parte do currículo tradicional.

As iniciativas feministas começaram ser construídas nas escolas brasileiras a partir das manifestações de 2013, do fortalecimento do movimento secundarista e das mobilizações feministas de 2015, período chamado pelas jovens de “primavera das mulheres”. Organizadas, elas promovem debates, fazem intervenções artísticas e criam redes de apoio, como explica Cristiane Cerdera, coordenadora do Laboratório de Estudos em Educação e Diversidade do Colégio Pedro II.

— Quando elas se juntam em um coletivo, com um nome e um local para se reunir, dão corpo às inúmeras reivindicações que têm. A potência desse grupo pode mover as estruturas — afirma a professora.

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Redes de apoio

O coletivo Libertárias foi criado por alunas do Colégio de Aplicação da UFRJ, na Lagoa, em 2015. Por meio dele, as meninas garantiram o direito de usar short no período de aulas. Com a saída de suas fundadoras da escola, o coletivo se enfraqueceu, mas foi retomado no último Dia Internacional da Mulher , em 8 de março. Na primeira reunião, a sala do grêmio estudantil ficou pequena para as meninas que queriam fazer parte da conversa.

— A gente sentiu a necessidade de recriar um espaço confortável dentro da escola, onde nós mulheres possamos debater o feminismo e compartilhar as nossas vivências. As meninas falaram o quanto sentiam falta desse espaço de acolhimento — conta a estudante Isabela Moreira, de 17 anos.

Criado em 2014, o coletivo do Colégio São Vicente de Paulo mudou de nome, de Libertinas para Vicentino, mas segue como um lugar de união e apoio entre as estudantes.

— O grupo serve para a gente estudar sobre feminismo, mas também funciona como uma família, em que a gente pode contar uma com a outra — diz Danielle, ressaltando que, em 2018, foi formado um coletivo de mulheres negras no colégio. — Eu lido com o racismo e o machismo no meu dia a dia. O feminismo negro é importante porque ele me empodera não só como mulher, mas como mulher negra — afirma.

Mulheres negras

O debate levantado pelo feminismo negro é importante também para as estudantes da unidade de São Cristóvão do Colégio Pedro II. Foi lá que nasceu o coletivo Agbara, formado por meninas negras a partir de um projeto de iniciação artística. Usando a fotografia, elas trabalharam sua autoestima e a representação das negras no ambiente escolar.

— Esse debate é importante porque o movimento negro não atende as demandas dessas mulheres, e o feminismo também não. É necessário a interseção dos dois movimentos para que possamos encontrar uma forma de combater o racismo e o machismo que a mulher negra sofre e dar protagonismo a ela — explica a estudante Lauanny Brandão, de 16 anos, uma das fundadoras do Agbara.

A arte também foi a forma encontrada pelas alunas da Escola Técnica Estadual (ETEC) Doroti Kanashiro Toyohara, em Pirituba, zona norte de São Paulo, para falar de feminismo. Lá elas formaram um coletivo de slam — um tipo de “batalha” de poesias autorais recitadas — , em que falam sobre como é ser uma menina em um ambiente escolar majoritariamente masculino.

Na esteira da quarta onda feminista, garotas se organizam em coletivos feministas dentro de colégios, com o objetivo de mudarem o ambiente escolar e lutarem coletivamente contra o machismo. O documentário “Garotas na luta”, produzido pelo GLOBO com patrocínio do Colégio e Curso De A a Z, debate o papel desses coletivos e o alcance de suas pautas.
Na esteira da quarta onda feminista, garotas se organizam em coletivos feministas dentro de colégios, com o objetivo de mudarem o ambiente escolar e lutarem coletivamente contra o machismo. O documentário “Garotas na luta”, produzido pelo GLOBO com patrocínio do Colégio e Curso De A a Z, debate o papel desses coletivos e o alcance de suas pautas.

— As pessoas pensam que cursos como o de eletroeletrônica são para meninos. Pela história da escola, eu sei que já foi mais complicado, mas o coletivo está desconstruindo velhas formas de pensar — contaMariana Carapina, de 15 anos.

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No Colégio de A a Z, na Barra da Tijuca, o coletivo feminista foi criado quando as alunas perceberam que, além de serem a maioria entre os alunos, eram elas que estavam a frente da mobilização na escola, compondo toda a equipe do grêmio estudantil. Isso fez com que jovens sentissem a necessidade de falar sobre gênero e sobre o papel da mulher dentro do espaço escolar. Segundo suas fundadoras, os efeitos positivos das rodas de conversa e palestras promovidas pelo MiNAZ desde 2017 são notáveis.

— O colégio se tornou um ambiente melhor para as mulheres, principalmente no que tange sua livre expressão. E nós nos tornamos muito mais unidas — explica Luisa Cerqueira, de 17 anos, uma das fundadoras do grupo.