Exclusivo para Assinantes
Celina

Já conhece as Pretinhas Leitoras? Gêmeas de 10 anos fazem sucesso nas redes falando sobre livros

Há quase um ano na Internet, o canal pretinhas leitoras busca levar a literatura sobre negritude para crianças da periferia
As irmãs gêmeas Eduarda e Helena Ferreira, que comandam o canal Pretinhas Leitoras. Foto: Domingos Peixoto com arte Ana Luiza Costa / Agência O Globo
As irmãs gêmeas Eduarda e Helena Ferreira, que comandam o canal Pretinhas Leitoras. Foto: Domingos Peixoto com arte Ana Luiza Costa / Agência O Globo

Quando as meninas Eduarda e Helena Ferreira falam que leram apenas cerca de 20 livros ao longo da vida, a mãe, Elen, dá uma risada. Isso porque o acervo das Pretinhas Leitoras , como as gêmeas de 10 anos ficaram conhecidas na internet, acumula mais de 200 livros apenas nas estantes de casa.

Cariocas do Morro da Providência , no Centro do Rio, as meninas decidiram que queriam começar o canal no Youtube há um ano, mas ainda não sabiam muito bem do que tratar. Elas pensaram em um pouco de tudo, inclusive video games , antes de chegar a conclusão que queriam fazer uma coisa diferente sobre algo que já estava presente há muito tempo em suas vidas: a literatura . As meninas também estão no Instagram (@pretinhasleitoras) e têm uma página no Facebook.

Leia também: Autoras negras brasileiras ainda são pouco publicadas por grandes editoras, seja na literatura ou na não-ficção

— A gente fala de livros que mostram pessoas pretas, não só pessoas brancas. Nosso canal é feito para as crianças pretas se reconhecerem. Só tem um 1% de pessoas falando disso e são pessoas adultas — explica Helena.

— Eu, Helena e Elisa (a irmã caçula) também somos crianças negras. A gente quer que elas façam a diferença no mundo. A gente é negra e a gente pode tudo. Nunca desistir do seu sonho, né? — completa Eduarda.

'Infância política'

Mas o que difere as pretinhas leitoras de outros canais sobre livros no YouTube? Além de ser voltado para crianças negras, é importante ressaltar que o trabalho na internet é apenas uma pontinha do que o Pretinhas Leitoras representa como projeto. O principal objetivo é levar a literatura que fala das crianças negras para elas, seu público alvo.

— Como eu vou botar minhas filhas para ler Branca de Neve enquanto estão matando nossas crianças? — questiona Elen, que define a educação das meninas através dos livros que elas leem como uma espécie de “infância política”. — Elas precisam saber de onde vêm.

Por mais que as meninas gostem de estar na internet e de já terem aparecido em programas de TV como É de casa e Globo Comunidade, da TV Globo, e o Fale Conosco , do canal GNT ("é divertido", diz Helena), os momentos favoritos das meninas são quando estão em contato com crianças como elas.

Uma das ocasiões que mais as marcou foi quando estiveram na Lapa , em maio desse ano, para cortar a fita na inauguração da sala de leitura da Fundação São Martinho . Nesse dia, elas conheceram um morador de rua, com a mesma idade que elas, com quem conversaram sobre assuntos como a escravidão e a colonização portuguesa no Brasil.

— Ele falou umas coisas bem importantes, que me interessaram bastante — conta Eduarda. — Depois da roda de leitura, a gente chegou a conversar com ele, mas até hoje a gente não abe se ele tem pai ou mãe.

Segundo Elen e as próprias meninas, a parte mais difícil do projeto é ter levar a literatura para crianças como menino citado, a quem a internet não chega.

Viu isso? Em livro dedicado a Marielle Franco, Raimundo Carrero denuncia opressão às mulheres

Apesar de terem sido convidadas da Bienal do Rio e de terem ido à  Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) com auxílio da marca Fábula, linha infantil da Farm , são poucos os eventos que oferecem cachê para as meninas. Esse dinheiro que elas não recebem, segundo Elen, seria usado para a organização de rodas de leitura e espaços voltados para a literatura, em especial a infantil, nas comunidades do Rio de Janeiro, começando pelo Morro da Providência, primeira favela do Rio e de onde elas mesmas são.

— Não sei quem quer ter esse papo, mas não dá para ser de graça em um lugar que a miséria bate na porta o tempo todo — afirma Elen.

Apesar de todos os empecilhos, as meninas e sua mãe continuam fazendo o possível para tocar o projeto, que hoje se sustenta principalmente graças a internet. Elas ainda têm aparições marcadas em uma mesa de debate no Emponderê (10/10), na Praça Mauá; no Festival Literário De São Gonçalo (Flisgo) (12/10), na região metropolitana do estado; e em uma roda de leitura no Instituto Moreira Sales (IMS) (19/10).

Livros favoritos das @pretinhasleitoras

A pedido de CELINA , as meninas Eduarda e Elena Ferreira fizeram uma lista em que cada uma conta quais são seus cinco livros favoritos.

As escolhas de Eduarda

Eduarda Ferreira, umas das meninas do Pretinhas Leitoras Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Eduarda Ferreira, umas das meninas do Pretinhas Leitoras Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

"A árvore das lembranças" (Britta Teckentrup): quando a raposa da floresta se sente triste e entende que é hora de partir, os animais se reúnem para relembrar os momentos com a amiga, mas durante o encontro se deparam com uma surpresa.

"Extraordinárias: mulheres que revolucionaram o Brasil" (Duda Porto de Sousa e Aryane Cararo): neste volume, encontram-se as histórias de diversas mulheres que revolucionaram a história do Brasil como Dandara, Niède Guidon e Indiana Siqueira.

"Ou isto ou aquilo" (Cecília Meireles): um dos livros de maior destaque da literatura infantil brasileira. Por meio de canções de ninar, cantigas de roda e trava línguas da cultura popular, a poeta Cecília Meireles constroi um universo lúdico através da poesia.

Leia mais: Deu match: conheça a iniciativa que já doou 800 livros para pessoas negras

"Em fuga" (Pimm Van Hest): com poesia de Pimm Vanh Hest, ilustrações de Aron Dijkstra e tradução de Ana Maria Machado, "Em fuga" leva pais e filhos a refletirem sobre o tamanho da devastação que uma guerra pode causar.

"Princesas negras" (Edileuza Penha de Souza e Ariane Celestino Meireles): ilustrado por Juba Rodrigues, o livro propõe que as princesas do título estão em todos os lugares, de escolas a postos de trabalho, além de levantar a seguinte questão: será que a própria leitora não é uma princesa negra?

As escolhas de Helena

Helena Ferreira, booktuber do Pretinhas Leitoras Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Helena Ferreira, booktuber do Pretinhas Leitoras Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

"As mulheres e os homens" (Equipe Plantel): meninas usam rosa e meninos usam azul?, questiona a obra. De forma leve e com ilustrações de Luci Gutierrez, o livro debate questões de gênero e o lugar da mulher na sociedade de forma lúdica e de fácil compreensão para as crianças.

"Amoras" (Emicida): através de ilustrações de Aldo Fabrini e usando como inspiração uma composição sua de mesmo nome, o rapper Emicida mostra a importância de ter orgulho de quem somos e do lugar de onde viemos desde criança.

Leia mais: Por que Junior Lima está certo ao criticar letra de 'Maria Chiquinha'

"Meu crespo é de rainha" (bell hooks): publicado pela primeira vez em 1999, em "Meu crespo é de rainha" a filósofa americana bell hooks traz para o universo infantil uma reflexão sobre as diferentes formas que a mulher negra pode usar o seu cabelo natural, exaltando penteados e texturas do afro.

"Exu e os mentirosos" (Rogério Athayde): Amosú, o protagonista desta história, tem sua vida atravessada pelo orixá esperto e brincalhão Exu, quando descobre que mentira não tem perna curta coisa nenhuma.

"Quando a escrava Esperança García escreveu uma carta" (Sonia Rosa): alfabetizada por jesuítas, a escrava Esperança García escreveu em 1770 uma das primeiras cartas denunciando maus tratos aos escravos. A prosa de Sonia Rosa conta sua história de resistência e liberdade.