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Luísa Sonza: 'Entendi que era feminista depois de viver na pele o machismo'

Em entrevista à CELINA, cantora dona de hits como 'Braba', 'Boa menina' e o mais recente 'Toma', fala sobre sua relação com o feminismo e com os ataques de teor machista que recebe constantemente nas redes sociais
'Comecei analisar como as pessoas me pintavam na internet, como me colocavam como mulher num lugar de submissão', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Jonathan Wolpert/Divulgação
'Comecei analisar como as pessoas me pintavam na internet, como me colocavam como mulher num lugar de submissão', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Jonathan Wolpert/Divulgação

Não é de hoje que a cantora Luísa Sonza , 22 anos, é alvo de ataques e críticas nas redes sociais. Quando falou sobre maternidade, foi criticada. Quando teve uma foto íntima vazada sem sua autorização, foi culpabilizada. Quando, recentemente, anunciou o fim do casamento com o humorista Whindersson Nunes, foi julgada. Quando, pouco tempo depois, lançou um clipe romântico para a música "Flores", com o cantor Vitão, os insultos nas redes sociais se multiplicaram. Todos os comentários tinham algo em comum: seu teor machista .

Para a cantora, os ataques já não tem o mesmo peso de antes, mas ela diz se sentir cansada por viver em uma "era de fake news" e cobra mais cautela:

— Essa era de fake news é muito prejudicial para a sociedade, não só pensando na minha própria vida, de falarem uma mentira sobre mim ou não, mas hoje as fake news elegem governo — afirma.

A cantora, que começou sua carreira ainda criança e ganhou maior relevância quando, há quatro anos, passou a fazer covers e publicar na internet, garante que não vai deixar de fazer seu trabalho por causa disso. Trabalho este que não parou na pandemia. Desde março, foram quatro clipes lançados — "BRABA", "Não Vai Embora", "Flores" e "TOMA" — que já acumulam dezenas de milhões de visualizações na internet. Cumprindo a quarentena em sua casa em São Paulo, ao lado de suas cachorrinhas, Luísa também se dedica a produzir muito conteúdo para seus seguidores nas redes sociais e trabalha em seu próximo álbum.

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A lista de cantoras que inspiram Luísa é longa e vai de Rihanna a Elza Soares, passando por Ludmilla, Lady Gaga, Anitta , Iza, Aretha Franklin e Beyoncé. Mas a inspiração para buscar sua autonomia e independência veio da família, da mãe e da avó.

Em entrevista à CELINA , Luísa Sonza explica como o feminismo a ajudou a entender e a lidar com os ataques que sofre nas redes sociais e conta que tenta transmitir uma mensagem de empoderamento em suas músicas.

— Hoje eu entendo melhor, mas sempre tive esse pensamento feminista , de ser dona do meu próprio corpo, das minhas escolhas, da minha vida. E eu coloco sempre isso nas minhas músicas — diz.

CELINA: Nesse período de quarentena, você passou por várias transformações na sua vida pessoal e sofreu uma série de ataques nas redes sociais depois que anunciou a sua separação. Você já tinha sofrido ataques desse tipo antes?

LUÍSA SONZA : Eu sempre vivi isso. Desde o começo da minha carreira, sempre fui alvo de críticas. Para mim, já é uma coisa com a qual eu lido há muito tempo. Não começou agora.

Acha que há machismo nesses ataques direcionados a você?

Não é nem uma questão de achar ou não. É muito claro que sempre teve esse teor machista.

Muitas mulheres que ganham uma relevância na cultura pop acabam sendo alvo desse tipo de ataque…

Sim. Acho que a sociedade ainda não está acostumada a ver mulheres livres, independentes e que não se adequam ao que a sociedade propõe e exige delas. É uma luta diária que nós mulheres, e digo também as mulheres do pop , viemos trabalhando. Dando a cara a tapa, conseguimos mudar a cabeça de muita gente. E não vamos parar: serão mais mulheres e mais pessoas apoiando esse movimento.

A gente vive isso muito porque é uma sociedade patriarcal e culturalmente doente. Mas isso não afeta só as mulheres. O machismo é ruim para todo mundo , para qualquer gênero. Por isso, acho que a luta não é só das mulheres, mas de todos. É preciso que todos se desconstruam e entendam o que o feminismo propõe. Tem um pré-julgamento por conta do machismo que desvaloriza a fala e a causa das mulheres de modo geral.

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Você é feminista? O que significa o feminismo para você?

Na verdade, eu acredito que qualquer pessoa em sã consciência que entender o que significa feminismo vai se considerar feminista. Uma pessoa minimamente justa quer equidade entre os gêneros, e o feminismo é isso. Qualquer pessoa que entender, de fato, o que é o feminismo, e não da forma como deturpam palavra, é uma pessoa feminista. Se considerar feminista é basicamente entender e acreditar na equidade entre os gêneros.

As mulheres da sua família também te inspiraram de alguma forma?

Minha vó e minha mãe me inspiram muito. Elas tiveram que lidar com muita coisa sem ter o entendimento que se tem hoje, sem entender que não eram elas as erradas. É muito bonito ver isso. Eu tive o privilégio de viver sempre com mulheres muito fortes que me ensinaram e inspiraram. Hoje elas entendem muito mais sobre o feminismo.

'Essa era de fake news é muito prejudicial para a sociedade, não só pensando na minha própria vida, de falarem uma mentira sobre mim ou não, mas hoje as fake news elegem governo', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Leandro Balbino / Divulgação
'Essa era de fake news é muito prejudicial para a sociedade, não só pensando na minha própria vida, de falarem uma mentira sobre mim ou não, mas hoje as fake news elegem governo', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Leandro Balbino / Divulgação

Você diz que o conceito do feminismo é deturpado. É por isso que muitas mulheres sentem dificuldade de se assumir como feministas?

Acredito que sim. Existe um preconceito muito grande, e acho que a deturpação dessa palavra é proposital, para afastar as mulheres. A gente nasceu numa sociedade machista e, apesar de não entender muito bem, acha que isso é o normal. A equidade acaba sendo um conceito difícil de entender, leva tempo. É um processo de desconstrução de todos nós. A minha, a sua, de todas as pessoas.

Como entrou em contato com o feminismo e com a luta pelos direitos das mulheres?

Eu sempre tive pensamentos muito feministas, mas não sabia que era feminista, assim como várias mulheres que têm pensamentos superfeministas, mas não se entendem como tal por causa do tabu em torno disso. Eu fui entendendo conforme ia lendo ou quando as pessoas me diziam que eu era muito ‘empoderada’. Tive a sorte de ter uma mãe e um pai que sempre me colocaram que eu não era melhor ou pior que ninguém, que eu tinha que buscar minha independência.

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Como anônima, eu não sofria esse machismo tão escancarado. Mas conforme fui ficando mais conhecida na internet, comecei a viver o machismo muito na pele. Aí que eu passei a entender melhor o que isso significava e tudo ficou bem mais claro na minha cabeça. Comecei a analisar como as pessoas me pintavam na internet, como me colocavam como mulher num lugar de submissão. Não é todo mundo que experimenta isso dessa forma, é mais a classe artística que passa por isso, que está mais exposta. Como eu senti muito na pele, passei a não ter nenhuma dúvida sobre o que é o machismo e o que é o feminismo.

O feminismo te ajudou a lidar com esse tipo de situação?

Com certeza. Me ajudou a entender a estrutura social desses ataques, a não retribuir o ódio e não culpar. Não faz sentido mais procurar o culpado pelo machismo. A sociedade é estruturalmente assim, há séculos. Não adianta culpar, mas é preciso corrigir sempre. O feminismo me ajudou a entender o que eu vivia. No começo, eu não entendia porque isso estava acontecendo comigo, mas depois vi que era por eu ser mulher. Por isso abracei a causa e vejo o quanto o feminismo é benéfico para todos.

'Eu me identifico muito com a comunidade LGBT+. É uma identificação mútua e natural. A gente luta contra o ódio. E é um ódio ao feminino como um todo, não só o feminino de uma mulher cis', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Jonathan Wolpert/Divulgação
'Eu me identifico muito com a comunidade LGBT+. É uma identificação mútua e natural. A gente luta contra o ódio. E é um ódio ao feminino como um todo, não só o feminino de uma mulher cis', diz a cantora Luísa Sonza Foto: Jonathan Wolpert/Divulgação

Esse clima de ataques constantes na internet gera ansiedade? Como você lida com isso?

Eu não sinto tanto esse peso hoje em dia. O que eu sinto mais é uma canseira. Essa era de fake news é muito prejudicial para a sociedade, não só pensando na minha própria vida, de falarem uma mentira sobre mim, mas hoje as fake news elegem governo. Por isso o jornalismo é muito importante para a sociedade; ele leva e traz a informação que muda o mundo. Acho que jornalistas, e quem lida com informação de modo geral, precisa ter muito mais cautela, da Luísa Sonza à presidência.

Como artista, você acha importante se posicionar em relação a esses temas?

Acho que a gente tem que se posicionar de acordo com o que acredita. Não penso muito se é o meu dever ou não. Sou muito natural nas coisas que eu faço e na forma como eu me posiciono. Quero falar sobre isso, dar voz às pessoas que talvez não tenham e dar oportunidade de fala para as pessoas que eu represento. Meu dever como artista, para mim, é fazer música e entregar alegria para as pessoas. Como pessoa, eu falo do que eu acredito do fundo do meu coração. Sempre sujeita a erros, óbvio, mas sempre buscando a minha verdade. Se eu achar que eu não estou preparada para falar sobre algum assunto, eu não vou falar. Eu falo do feminismo porque eu sei que entendo. Mas, se um dia eu não me sentir preparada, não me sinto no dever de falar qualquer coisa.

Volta e meia algum novo mito joga sombras sobre o movimento feminista. As mulheres que lutam por seus direitos são constantemente atacadas por mentiras sobre seus corpos e comportamentos. Por isso, Celina juntou neste vídeo as explicações para que algumas falas mentirosas sobre o tema não sejam mais repetidas por aí.
Volta e meia algum novo mito joga sombras sobre o movimento feminista. As mulheres que lutam por seus direitos são constantemente atacadas por mentiras sobre seus corpos e comportamentos. Por isso, Celina juntou neste vídeo as explicações para que algumas falas mentirosas sobre o tema não sejam mais repetidas por aí.

Você disse que as pessoas já te falavam que você era uma mulher empoderada. Como foi se dar conta disso? E você tenta transmitir isso de alguma forma nas suas letras, na sua música?

Sempre. Acho que mesmo sem querer. Hoje, eu entendo melhor, mas sempre tive esse pensamento feminista, de ser dona do meu próprio corpo, das minhas escolhas, da minha vida. E eu coloco sempre isso nas minhas músicas. É a minha principal mensagem. E quero que a minha música chegue cada vez mais longe levando essa mensagem.

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A defesa da comunidade LGBT+ também é importante para você?

Eu me identifico muito com a comunidade LGBT+ . É uma identificação mútua e natural. A gente luta contra o ódio. E é um ódio ao feminino como um todo, não só o feminino de uma mulher cis. Então acredito que a nossa luta é muito próxima. E, para mim, é tão absurdo esse preconceito que eu não consigo não me sentir na obrigação de lutar contra a homofobia e a transfobia. Como pessoa, mais uma vez, não só me identifico, como me sinto no dever de, como puder, ajudar.