Celina

Mães da favela: sem renda e sem auxílio do governo, mulheres alimentam suas famílias com doações articuladas pelas comunidades

Pesquisa realizada pelo Data Favela, em parceria com a Cufa e a Locomotiva, revela que nove em cada dez moradores de comunidades receberam doações durante a pandemia. Ajuda continua necessária
Mulheres aguardam para receber benefício do Programa Mães da Favela. Pesquisa realizada neste ano pelo Data Favela, revela que nove em cada dez moradores de comunidades receberam doações durante a pandemia Foto: Arquivo CUFA Nacional
Mulheres aguardam para receber benefício do Programa Mães da Favela. Pesquisa realizada neste ano pelo Data Favela, revela que nove em cada dez moradores de comunidades receberam doações durante a pandemia Foto: Arquivo CUFA Nacional

RIO - Mãe de duas meninas, uma de 13 anos e outra de 11 meses, Vanessa Macedo, viu as dificuldades da maternidade crescer durante a pandemia, ao ter que lidar com o puerpério apenas com ajuda do marido, e com as dificuldades financeiras depois de ter sido demitida por ter engravidado. Hoje, quase um ano depois, a ex-atendente de consultório odontológico e moradora da Favela de Paraisópolis, considera que a situação piorou.

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— Eu acho que hoje está mais difícil do que quando começou (a pandemia). A gente nem tá fazendo a compra do mês no mercado. A mesma coisa com carne, a gente está optando por misturas mais em conta, como frango e ovo. O produto vai acabando e vamos comprando apenas o que falta — conta.

Vanessa Macedo, mãe de duas meninas e moradora de Paraisópolis, acredita que a situação está pior agora, um ano depois do início da pandemia. Ela está cadastrada no projeto Mães da Favela, da Cufa, que distribui cestas básicas e ajuda financeira a mulheres que perderam trabalho e renda Foto: Arquivo pessoal
Vanessa Macedo, mãe de duas meninas e moradora de Paraisópolis, acredita que a situação está pior agora, um ano depois do início da pandemia. Ela está cadastrada no projeto Mães da Favela, da Cufa, que distribui cestas básicas e ajuda financeira a mulheres que perderam trabalho e renda Foto: Arquivo pessoal

O impasse com a alimentação não é um problema enfrentado apenas por Vanessa e sua família. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Data Favela, em parceria com  a Locomotiva - Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (Cufa), quase 70% dos moradores de favela não têm dinheiro para comprar comida. O levantamento, feito em fevereiro deste ano em comunidades do país inteiro, revelou ainda que nove a cada dez moradores receberam algum tipo de doação.

— Para ajudar em casa, eu comecei a fazer docinhos e geladinho com R$ 240 que o Santander distribuiu para mães empreendedoras. E me falaram das doações do Mães da Favela, então me cadastrei para receber também — explica Vanessa.

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Em 2020, o  programa Mães da Favela contemplou com uma bolsa de R$ 240 mensais as mães solo moradoras desses territórios. Cerca de 1,3 milhões de famílias foram atendidas, causando um impacto direto em mais de 5,5 milhões de pessoas em mais de 5 mil favelas de todo o Brasil.

Em 2021, o programa entra em uma nova fase para continuar atendendo a essas chefes de família. De acordo com o presidente nacional da Cufa, Preto Zezé, a saúde, a segurança alimentar e a economia formam o tripé das dificuldades hoje nas favelas.

— Em uma pesquisa que fizemos no ano passado, 96% das pessoas que receberam auxílio emergencial compraram comida para si, amigos e parentes. É isso que a gente quer ajudar com nossa campanha. Parte da favela é quem está mantendo o serviço essencial rodando no país. A outra parcela são essas mães que são isoladas de direitos básicos. Então o Brasil tem a obrigação de pensar numa agenda para essas pessoas — afirma.

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Preto Zezé também conta que muitas mães que ficaram desempregadas durante a pandemia acabaram se tornando voluntárias do projeto e ajudando a escoar ainda mais as cestas e o vale-mãe. Foi o caso da autônoma Rosiris Barbosa Nascimento, que trabalhava fazendo bicos pela cidade de São Paulo e, com o isolamento social, não pode mais atuar em suas atividades.

— Foi muito difícil, porque eu estava construindo minha casa e tive que parar. Fiquei sem renda. Antes até dava para fazer uma faxina ou substituir alguém no trabalho, agora não dá mais — diz Rosiris, que, com as obras na casa paradas, aceita ajuda dos vizinhos para usar o banheiro e tomar banho.

Sem poder trabalhar na rua e incomodada com a situação de desemprego dos vizinhos e amigos, Rosiris Barbosa do Nascimento é voluntária do Mães da Favela, no qual é responsável pela distribuição de alimentos.Durante a pandemia, a Cufa cadastrou mulheres que perderam trabalho e renda e distribui cestas básicas e ajuda financeira a elas Foto: Arquivo/Cufa
Sem poder trabalhar na rua e incomodada com a situação de desemprego dos vizinhos e amigos, Rosiris Barbosa do Nascimento é voluntária do Mães da Favela, no qual é responsável pela distribuição de alimentos.Durante a pandemia, a Cufa cadastrou mulheres que perderam trabalho e renda e distribui cestas básicas e ajuda financeira a elas Foto: Arquivo/Cufa

Sem poder trabalhar na rua e incomodada com a situação de desemprego dos vizinhos e amigos, Rosiris ficou responsável pela distribuição de alimentos do Mães da Favela, depois de ter se apresentado como voluntária. Mesmo precisando, no início, ela não colocava seu nome na lista de beneficiadas, passou a colocar depois da insistência de membros da Cufa.

— Está sendo um momento de pânico. Você vê pessoas próximas morrendo, vizinhos sendo levados aos hospitais e não voltando, amigos ficando desempregados e sem comida. Não posso dar um abraço de conforto nessas pessoas ou nos meus filhos, porque está todo mundo com medo — lembra.

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Auxílio Emergencial

Segundo relatório do Ministério da Cidadania, 55% dos beneficiários do auxílio emergencial são mulheres, ou seja, a interrupção do benefício no início do ano atingiu principalmente chefes de famílias que já figuravam no Cadastro Único. Agora, o governo federal anunciou um novo auxílio com valor mensal de R$ 250 pagos em abril, maio, junho e julho a um membro da família considerado em situação vulnerável. Mulheres com filhos terão direito a uma cota maior, de R$ 375, e pessoas que moram sozinhas, R$ 150.

Lucilene Morandi, que coordena o Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE) da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que antes da pandemia, mais de 50% da mão de obra do Brasil estava em empregos informais, e que muitas dessas atividades eram desempenhadas por mulheres, como manicures e costureiras. Morandi acredita, também, que a pandemia vai levar ao empobrecimentode ainda mais pessoas vulneráveis caso o governo não faça políticas fiscais que priorizem mulheres e pessoas não-brancas.

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— As políticas fiscais que o governo precisa fazer para a pandemia, e depois para a recuperação econômica, têm que ser pensada para mulheres, pessoas negras e pardas, pois são a maioria nas classes de menor renda. Além de políticas que reduzem a desigualdade de renda, são as questões fiscais principais para se pensar agora na pandemia — enfatiza.

Os dados levantados pelo Data Favela, mostram que 96% dos moradores de favelas não têm dinheiro guardado. Para a pesquisadora da UFF, o auxílio emergencial não deveria ter sido descontinuado.

— Uma fatia da população não tem poupança, por isso a retomada do auxílio emergencial está demorando demasiadamente. As pessoas já passaram janeiro e fevereiro sem renda, a preocupação principal hoje é comer; todos os  outros itens de consumo estão na rabeira da discussão, primeiro se come depois pensa em outra coisa, por isso o auxílio é urgente — finaliza.

* estagiária, sob supervisão de Renata Izaal

Para conhecer o projeto Mães da Favela, da Cufa:

Site: https://www.maesdafavela.com.br/doar

Para fazer uma doação:

CUFA - Central Única das Favelas
Banco Bradesco
Ag.: 0087
C/C: 5875-0
CNPJ:06.052.228/0001-01