Celina

'Marias, Mahins, Marielles': saiba quem são as mulheres negras citadas no enredo da Mangueira

Escola venceu carnaval carioca com enredo sobre personagens 'esquecidas' pela história oficial
A Mangueira foi campeão do carnaval carioca contando as histórias de personagens "esquecidos" pela historiografia oficial Foto: Reprodução
A Mangueira foi campeão do carnaval carioca contando as histórias de personagens "esquecidos" pela historiografia oficial Foto: Reprodução

Com a proposta de contar a história do Brasil sob a perspectiva do brasileiro nativo – aquele que foi dominado e não descoberto – a Estação Primeira de Mangueira levou para a Sapucaí nomes de mulheres que dedicaram parte de suas vidas à luta pelos direitos da população mais oprimida. Algumas possuem poucos registros de sua trajetória e, até os dias de hoje, ainda têm sua existência contestada ou negada, pois seus nomes e biografias não estão registrados nos livros que contam a história oficial do país.

As mulheres citadas no enredo da Mangueira conseguiram existir apesar do machismo e do racismo que tentou silenciá-las. Conheça as "Marias, Mahins, Marielles" cantadas pela escola campeã do carnaval 2019, que volta neste sábado ao Sambódromo do Rio para o desfile das campeãs:

Dandara

Personagem histórica citada pela Mangueira, Dandara foi líder do Quilombo dos Palmares ao lado de Zumbi, seu marido Foto: Infoglobo
Personagem histórica citada pela Mangueira, Dandara foi líder do Quilombo dos Palmares ao lado de Zumbi, seu marido Foto: Infoglobo

Ao contrário da princesa Isabel, que teve sua história contada e seu rosto eternizado em pinturas que perpetuam a narrativa sobre seus feitos para o fim da escravidão, a trajetória de Dandara possui lacunas: seu rosto nunca foi registrado e não se sabe como eram as feições da mulher que lutou ao lado de Zumbi pela libertação dos negros.

Sem um título de nobreza ou um sobrenome para diferenciá-la dos demais, Dandara teve papel fundamental no funcionamento do Quilombo dos Palmares, onde participou de lutas de capoeira para defender o território das diversas tentativas de invasão. De acordo com os poucos registros históricos, ao lado do marido Zumbi, ela ajudou a constituir a organização social e econômica do quilombo.

No desfile da Mangueira, Dandara foi representada pela cantora Alcione.

Luíza Mahin

Personagem histórica lembrada pela Mangueira, Luiza Mahin foi ex-escrava e participou ativamente da Revolta dos Malês Foto: Infoglobo
Personagem histórica lembrada pela Mangueira, Luiza Mahin foi ex-escrava e participou ativamente da Revolta dos Malês Foto: Infoglobo

Mãe do poeta e abolicionista Luís Gama – principal fonte dos registros históricos de sua existência - Luíza Mahin foi ex-escrava e teve papel fundamental nas revoltas dos negros que aconteceram na Bahia do século XIX, sendo a Revolta dos Malês, de 1835, a principal delas.

Ela já foi homenageada no carnaval de 2018, pela escola Alegria da Zona Sul, que trouxe para o desfile da Série A o enredo “Bravos Malês – A saga de Luíza Mahin”. Apesar das homenagens, são poucos os registros históricos de sua atuação naquela área. Não se sabe ao certo o que aconteceu com ela após as perseguições que sofria por ser negra e abolicionista, mas em carta, Luís Gama conta que a mãe fugiu para o Rio de Janeiro, foi capturada e deportada de volta para a África.

No desfile da Mangueira, coube à sambista Leci Brandão representar Luíza Mahin.

Maria Felipa

Conhecida pela população da Ilha de Itaparica, na Bahia, como a “Heroína Negra da Independência”, Maria Felipa teve participação fundamental em confrontos com portugueses durante a guerra da Independência da Bahia, entre fevereiro de 1822 a julho de 1823.

Sua participação na guerra, a princípio, era como enfermeira, mas a fama veio quando Maria Felipa liderou um grupo de 40 mulheres contra soldados portugueses que preparavam um ataque. Conta-se que mulheres seduziram os dois guardas que cuidavam da esquadra de navios e, quando estavam em local isolado e nus, foram açoitados por galhos de cansanção, planta que provoca queimaduras na pele. As 42 embarcações que aguardavam ordens para reprimir a independência baiana foram queimadas pelo grupo liderada por Felipa.

Leci Brandão

Leci Brandão veio no carro alegórico no desfile da Mangueira, dia 05/03 Foto: Márcio Alves / Agência O Globo
Leci Brandão veio no carro alegórico no desfile da Mangueira, dia 05/03 Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

Nome conhecido pelos amantes de samba, Leci Brandão da Silva também foi lembrada pelo enredo vencedor de 2019. Brandão iniciou sua carreira musical na década de 1970, sendo uma das primeiras mulheres compositoras de samba do país, ao lado de nomes como Dona Ivone Lara.

Leci fez história quando, em 1972, tornou-se a primeira mulher a integrar a ala dos compositores da Mangueira. No entanto, sempre chamou atenção por ser mulher negra, lésbica, feminista e de origem humilde ocupando um ambiente dominado por homens.

Para além do samba, está em seu terceiro mandato como deputada estadual por São Paulo, sendo a segunda deputada negra da história do estado. Na Assembleia, é voz atuante na promoção da igualdade racial e na defesa das religiões de matriz africana, além de levantar questões ligadas às mulheres, aos indígenas e quilombolas e à população LGBTQ.

Além de ter representado Luíza mahin como destaque em uma das alegorias da Mangueira, Leci é citada na letra do samba campeão: "Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões".

Marielle Franco

Morte ainda não foi solucionada Foto: Márcia Foletto / Arquivo / O Globo
Morte ainda não foi solucionada Foto: Márcia Foletto / Arquivo / O Globo

O nome de Marielle Franco já ecoou diversas vezes nos últimos meses, mesmo antes do carnaval. Às vésperas de completar 1 ano de seu assassinato, crime ainda sem solução, ela foi homenageada na passarela do samba pela verde e rosa.

A quinta vereadora mais votada nas eleições de 2016, Marielle usou o seu mandato para denunciar excessos cometidos contra os moradores de comunidade, como o Complexo da Maré, lugar onde nasceu e cresceu. A vereadora, assumidamente bissexual, defendia os direitos da população LGBT, além de levantar as bandeiras do feminismo, da luta pela igualdade racial e dos direitos humanos.

Na parte final do desfile, componentes da Mangueira levaram bandeiras com o rosto de Marielle e de outras lideranças negras no Brasil.

* estagiária sob supervisão de Renata Izaal