Celina

Na luta é que elas se encontram: uma conversa sobre o desafio diário de ser mulher

Joana Couto, modelo e mulher trans, e Rafa Mon, artista plástica e mãe de uma criança agênero, discutem a dura realidade e a esperança de quem precisa enfrentar o preconceito todos os dias
Joana Couto (esq.) é modelo e artista plástica. Mulher trans, ela acha que é preciso leva informação a quem tem preconceito. Rafa Mon é artista plástica e luta contra a homofobia pintando murais no Rio Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto divulgação
Joana Couto (esq.) é modelo e artista plástica. Mulher trans, ela acha que é preciso leva informação a quem tem preconceito. Rafa Mon é artista plástica e luta contra a homofobia pintando murais no Rio Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto divulgação

RIO - Joana Couto é modelo e artista plástica. Mulher trans, ela já enfrentou muito preconceito. Hoje, aos 28 anos, entende que é melhor levar informação ao preconceito. O que nem sempre é uma tarefa fácil. Rafa Mon é artista visual e já pintou diversos murais no Rio em ações de combate à homofobia. As duas estarão neste sábado no "I shape my world", evento que a Levi's arma no IED-Rio, na Urca.

A estilista Yamê Reis comandará um bate-papo com Joana, Rafa, a jornalista Bela Reis, a youtuber e designer de moda Raíssa Campos, a artista multimídia Paula Costa e a fundadora do Instituto Identidades do Brasil, Luana Génot. Autoestima, igualdade, liberdade de expressão e feminismo estão entre os temas que serão discutidos.

Especialmente para Celina, Joana Couto e Rafa Mon entrevistam uma a outra. Como é ser uma mulher trans? Como criar um filho agênero em meio a tantos preconceitos? Essas e outras questões são tema da dupla na conversa abaixo.

Rafa Mon entrevista Joana Couto

RAFA MON: Você é artista plástica, atriz e modelo. Nesses meios considerados mais liberais, sofre preconceito?

JOANA COUTO: Na verdade, o meio artístico fez eu me sentir uma pessoa maravilhosa. Dez anos atrás, as coisas eram muito diferentes. A sociedade me fazia pensar que ser trans era algo horrível e sem possibilidades. Quando fui estudar arte, começaram a querer me fotografar, me desenhar e isso elevou muito minha autoestima. Passei a ter contato com teorias de arte que se conectavam com a filosofia e a teoria de gênero. Todo esse conhecimento ampliou minha visão e fez com que eu me sentisse mais firme e feliz.

Como artista plástica, você procura discutir questões de gênero e sexualidade na sua obra?

Eu não faço questão de discutir isso diretamente. Mas a obra sempre está ligada à vivência do artista. Então, de uma forma ou de outra, essas questões se fazem presentes, mesmo que sem querer.

O que nós, cisgêneros, podemos fazer para apoiar e dar mais visibilidade às trans?

Discutir as questões, como faremos nesse bate-papo. A discussão dá força e entendimento ao que antes era desconhecido e posto em um lugar desmerecido.

Ao longo da vida, como você lidou com o preconceito alheio?

Lidar com o preconceito é sempre difícil. Desgasta e machuca. E as formas de lidar são fluidas. Dependem de cada situação. Mas, atualmente, tento levar informação ao preconceito. Nem sempre é fácil.

Como foi a reação da família com sua transição?

Minha família sempre soube quem eu era. A transição foi só um pequeno/grande passo de mudança de nome e gênero. Algo que já era esperado. Tive muito apoio da minha mãe e avó. Devo muito a elas por terem me dado tanto amor, independentemente de qualquer escolha.

A mídia e as redes sociais estão falando mais do que nunca sobre questões de sexualidade e gênero, trazendo o debate sobre crianças e adolescentes trans. Como você analisa o tema dos menores transexuais?

Sempre me identifiquei com o gênero feminino. Posso dizer que nasci mulher. Se nos anos 90, quando eu era criança, essa visibilidade e informação sobre sexualidade e gênero tivessem chegado, teria sido bem mais fácil. Eu teria conseguido me expressar e ser quem eu era desde de sempre.

Para você, qual o lugar da trans no feminismo?

Uma trans deve buscar o que todxs deveriam: a grande utopia da igualdade.

Joana Couto entrevista Rafa Mon

JOANA COUTO: Como foi receber o convite para participar de um bate-papo sobre o feminino e saber que vai estar ao lado de uma trans, nesse painel de discussão?

RAFA MON: Eu adorei. É mais uma oportunidade para debatermos sobre assuntos que me interessam e nos afetam diretamente.

Quando você percebeu que poderia usar a arte para combater a homofobia?

Desde que comecei a trabalhar com a arte de rua, percebi a ferramenta de voz e visibilidade potente que tinha em minhas mãos. Naturalmente, isso fez com que eu colocasse em espaços públicos as mensagens de maiorias silenciadas, nas quais sempre acreditei e pelas quais sempre lutei. Entre essas maiorias silenciadas estão os LGBTQIA+ e as mulheres.

Você tem um filho de 11 anos agênero. Como lida com o preconceito?

Eu enfrento o preconceito não me silenciando e confrontando.

Você tem medo que seu filho sofra violência?

Constantemente, e acho que terei esse medo todos os dias de minha vida.

Como você analisa a conduta das escolas em relação às questões de gênero?

Em várias escolas, ainda imperam condutas e normas preconceituosas, e isso é um reflexo da nossa sociedade. Mas, graças ao meu lugar de privilégio, meu filho, hoje, pode ter oportunidade de frequentar locais em que o debate sobre questões de gênero é mais amplo e aceito.

Como você vê a inclusão na moda?

Vejo como algo importante e urgente. Principalmente por falar diretamente com várias camadas sociais.

O que é ser mulher, para você?

É me desconstruir diariamente. Apesar de todas as dificuldades e desafios que a nossa sociedade patriarcal nos impõe, ser mulher é a melhor coisa do mundo.