Celina

'Não havia fotos de pessoas negras nos livros. Testava o laser em mim', lembra dermatologista especialista em pele negra

Médica Katleen Conceição ganhou fama após atender celebridades como Lázaro Ramos e Preta Gil
Katleen Conceição: 'Falo sempre que descobri duas vezes que era negra: quando nasci e quando virei dermatologista' Foto: Arte sobre foto de divulgação
Katleen Conceição: 'Falo sempre que descobri duas vezes que era negra: quando nasci e quando virei dermatologista' Foto: Arte sobre foto de divulgação

RIO - Ao digitar "dermatologista negra" em sites de busca e em rodas de conversa entre mulheres pretas à procura de indicação de tratamento de pele, é o nome dela que aparece: Katleen Conceição. Única especialista em pele negra no país, ela vê o título como motivo de orgulho, e com um "quê" de solidão.

— Quando comecei, há 16 anos, nos livros não havia fotos de pessoas negras e eu não tinha pares para poder conversar e discutir. No início, testava o laser em mim e na minha família — lembra ela, que aos 47 anos, enaltece a chegada de mais dermatologistas negros com 10 anos a menos do que ela.

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Na época da faculdade de Medicina, em Teresópolis, eram duas as colegas negras. No caminho da vida profissional, geralmente, não esbarrava com as pessoas da sua cor nos corredores do hospital.

— Falo sempre que 'descobri' duas vezes que era negra: quando nasci e quando virei dermatologista. Senti o racismo, as pessoas questionavam a minha presença. Senti a indiferença. Mas a família que eu tenho me fortaleceu a continuar a estudar. Nunca tive problemas de autoestima, pois meus pais e meus avós do Sul sempre me empoderaram muito — salienta a gaúcha.

A família, aliás, teve papel fundamental para a escolha da carreira. O pai, João Paulo Conceição, também dermatologista, foi sua primeira referência médica. No ínicio, ela pensou em ser pediatra, ideia que foi abandonada após um plantão de 24 horas no hospital de Belford Roxo. Ela se formou, participou de cursos e congressos no exterior. Há oito anos, fundou, com a dermatologista Paula Bellotti, o primeiro setor de pele negra do Brasil, no Leblon.

No consultório, atendeu a dona Mercedes, mãe da atriz Taís Araújo, que a indicou para o genro Lázaro Ramos, para um tratamento, há nove anos. Depois vieram Cris Vianna, Preta Gil, Isabel Fillardis.... Celebridade após celebridade, Katleen acabou virando a dermatologista das estrelas negras.

— Os famosos me deram notoriedade e a divulgação do meu trabalho. As pessoas gostam de falar que só atendo famosos. Mas, meu expertise é atender pele negra, independente da classe social.

Há seis anos, ela faz um trabalho voluntário na Santa Casa de Misericórdia, orientando os residentes, exclusivamente para doença dermatológica negra. Para isso, o paciente deve ter encaminhamento do SUS e passar pelo ambulatório geral.

— Toda essa dinâmica ocorre pois muitas pessoas que têm condições querem se beneficiar desse atendimento. Estou ali para atender pessoas carentes e não para estética — explica.

O sonho ainda não realizado é ter uma ambulatório gratuito para que possa atender à população com a tecnologia de ponta que tem no consultório.

— Fiz isso durante sete anos no hospital de Bonsucesso, mas o trabalho foi interrompido. O tratamento  devolve a autoestima e a cidadania, principalmente, ao povo negro, que sente tanto o preconceito e desprezo. Quando você dá a autoestima ao paciente, ele muda.