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Celina

Nem 'afrogoogle', nem 'wikipreta': mulheres negras têm muito mais a dizer além de racismo

No Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, quatro jornalistas negras da redação de O GLOBO entrevistam quatro mulheres negras de diferentes áreas de atuação. Em pauta, suas ideias, trabalhos e considerações sobre os impactos da pandemia de Covid-19 em diferentes áreas da economia
Stefani Nascimento, do grupo Pretas Cervejeiras; Mãe Meninazinha; Mayara Santiago e Ianda Lopes Foto: Divulgação
Stefani Nascimento, do grupo Pretas Cervejeiras; Mãe Meninazinha; Mayara Santiago e Ianda Lopes Foto: Divulgação

A morte de George Floyd transformou os últimos meses em um grande debate, no qual o tema racismo fez parte das rodas de discussões que ocorrem com mais intensidade em datas como o 13 de maio (assinatura da Lei Áurea) e o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra). Na abordagem, sempre o tema discriminação racial e a dor das pessoas negras, com foco maior sobre as mulheres pretas, que têm desvantagens em todos os ranking possíveis: recebem menos, são mais agredidas e têm menos oportunidade de ascensão profissional.

No Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, quatro repórteres negras da redação do GLOBO entrevistam quatro mulheres negras. Elas falam sobre suas profissões, trabalho social e os impactos da pandemia na economia e no mundo jurídico do país. São elas: a ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum , a advogada Ianda Lopes , diretora jurídica da GE Renewable Energy; a economista Mayara Santiago , pesquisadora da FGV; e o grupo Pretas Cervejeiras .

O motivo para esta abordagem? As mulheres negras têm muito mais a oferecer além da pauta racismo. O antirracismo é urgente e deve ser discutido, mas a carga já é pesada para quem sofre diariamente o preconceito na pele. A consulta sobre a questão é incessante mesmo para quem não deseja tocar no assunto ou não tem letramento racial. A amiga negra vira o "afrogoogle" ou a "wikipreta".

Para Luana Génot, diretora executiva do ID_BR e colunista da Revista "Ela", há uma percepção errada na sociedade de que só as mulheres negras têm raça, já que o efeito do racismo afeta a todos, em diferentes escalas.

— Acho que mais mulheres brancas deveriam ser chamadas para falar sobre seus privilégios, sobre elas terem a centralidade das fontes, serem sempre representantes de um todo. Temos que convidar pessoas brancas para esse debate. A raça é associada às mulheres negras, enquanto todos nós temos raça: branco também é raça. A luta é para que mulheres negras possam ter narrativas além da questão racial, porque somos múltiplas em nossas identidades.

Flávia Oliveira: Julho das Pretas

Luana Génot elege o tema que adora e sobre o qual gostaria de ser consultada:  turismo.

— Me chamem para falar sobre viagens e avaliar cafés da manhã e piscinas de hotéis. Estou com saudades de viajar. Era um momento de distração, de descanso e escuta. Ver pessoas circulando, observar, a espera no aeroporto ou rodoviária, poder chegar ao destino final e aproveitar. Fiz muitas viagens gostosas, mesmo quando a trabalho, com a minha filha Alice, que tem 2 anos e fez mais de 70 voos.

Silvio de Almeida: As pessoas descobriram que o racismo não é uma patologia, é o que organiza a vida delas

A jornalista Flávia Oliveira, colunista de O GLOBO, tem o desejo de ser "mais bossa nova e menos música de protesto". Pela pouca representatividade dos negros no jornalismo, especialmente em Economia, ela confessa que acaba se obrigando a escrever sobre temas mais duros como desigualdade, a distância entre os gêneros e a questão racial. Consequentemente, é chamada para falar somente sobre estes assuntos em palestras e seminários.

— São assuntos áridos pelo tecnicismo ou pela carga emocional. Isso é muito doloroso. O meu exercício profissional é tomado de seriedade e peso, e eu adoraria poder me mostrar mais leve, como sou. Tenho uma leveza ao me interessar por moda, por samba, por música em geral, por espetáculos teatrais, por séries de televisão, por literatura que não a técnica. Sou mulher, mãe, tenho uma agenda de família e de viagens. Tem uma piada recorrente que seria a minha liberdade para escrever sobre sapatos, que eu adoro, mas não escrevo e não sou chamada para opinar.