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Celina

'Nenhum país no mundo alcançou a igualdade de gênero e há muito a ser feito', diz representante da ONU Mulheres no Brasil

Após assumir o posto no final do ano passado, Anastasia Divinskaya fala sobre a importância da Conferência de Pequim, que completa 25 anos em 2020
Natural do Quirguistão, Anastasia Divinskaya é a nova representante da ONU Mulheres Brasil Foto: ONU Mulheres/Divulgação
Natural do Quirguistão, Anastasia Divinskaya é a nova representante da ONU Mulheres Brasil Foto: ONU Mulheres/Divulgação

Em 2020, a Conferência de Pequim completa 25 anos. A quarta Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas foi realizada na China em 1995 e construiu uma plataforma de ação visionária a ser cumprida por todos os 189 países signatários, considerada a mais progressista no que diz respeito aos direitos e o empoderamento de mulheres e meninas ao redor do mundo.

Foram estabelecidas 12 áreas fundamentais para que os países adotassem medidas estratégicas de atuação, entre elas pobreza, educação, saúde, violência, economia, poder e meio ambiente. A Plataforma de Ação de Pequim continua sendo o modelo para o avanço da igualdade de gênero no mundo, embora depois de 25 anos, nenhum país tenha conseguido atingi-la integralmente.

Neste mês de março, a Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres se reuniria para discutir os esforços feitos pelos países para implementar a Plataforma de Ação de Pequim. Mas, com a pandemia de coronavírus declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os estados membros da ONU realizaram apenas uma sessão reduzida no dia 9 de março.

Em entrevista à CELINA , a nova representante da ONU Mulheres no Brasil , Anastasia Divinskaya , explica o que foi a Conferência de Pequim e sua relevância para a luta pela igualdade de gênero, passados 25 anos.

Natural do Quirguistão, Anastasia tem 19 anos de experiência profissional nas Nações Unidas. Antes de ser designada para a representação no Brasil, no final do ano passado, ela foi representante da ONU Mulheres Ucrânia. Ela respondeu às perguntas da reportagem por e-mail.

Qual foi a importância da Conferência de Pequim e porque ela foi diferente das outras conferências de mulheres promovidas pela ONU até então?

A 4ª Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995, construiu uma agenda visionária para o empoderamento de mulheres e meninas no mundo todo por meio da Plataforma de Ação de Pequim, adotada por 189 governos comprometidos em adotar medidas estratégicas e ousadas em 12 áreas fundamentais: pobreza, educação e formação, saúde, violência, conflitos armados, economia, poder e tomada de decisão, mecanismos institucionais, direitos humanos, meios de comunicação social, meio ambiente e direitos das meninas. Desde então, a Plataforma de Ação de Pequim continua sendo o modelo para o avanço da igualdade e o empoderamento das mulheres em todo o mundo.

Como foi definido esse plano de ação e o que pode ser destacado como mais relevante entre os resultados da conferência?

A Plataforma de Ação de Pequim é resultado de consenso internacional e compromissos para fazer avançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres. A transformação fundamental em Pequim foi o reconhecimento da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero, reconhecendo que toda a estrutura da sociedade, e todas as relações entre homens e mulheres dentro dela, tiveram que ser reavaliados. Essa mudança representou uma reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos e que a igualdade de gênero era uma questão de interesse universal, beneficiando a todos.

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Vinte e cinco anos depois, nós temos como principais resultados o fato de 131 países terem removido leis discriminatórias. Há mais meninas na escola do que nunca. Hoje, as meninas recebem globalmente e, em média, 12 anos de educação, em comparação a 6,7 anos em 1970. O maior progresso ocorreu nos países menos desenvolvidos do mundo, de 2,8 anos para 8,9 anos hoje. Mais de 65% dos países atingiram a paridade de gênero nas matrículas educacionais no ensino fundamental. A taxa de mortalidade materna global diminuiu 38% desde 2000 e a proporção de nascimentos assistidos por um profissional qualificado aumentou 12% na última década.

Quais foram as metas estabelecidas na conferência?

A Plataforma de Ação de Pequim estabeleceu objetivos gerais, objetivos específicos e metas para cada uma das 12 áreas de preocupação. Cada uma delas está relacionada a objetivos de mudança e metas a serem cumpridas pelos países. Vinte e cinco anos depois, a Plataforma de Ação de Pequim continua a impulsionar a agenda de trabalho dos Estados-membros da ONU e é parte do advocacy da ONU Mulheres, a exemplo da campanha Geração Igualdade que celebra os 25 anos da Plataforma de Ação de Pequim e articula ações dos países para implementá-la.

Depois da conferência, a ONU promoveu encontros a cada cinco anos para monitorar a implementação do plano de ação. O que foi verificado nestes encontros, em relação ao Brasil? No encontro mais recente, como estava a situação do país em relação às metas estabelecidas?

O Brasil sempre teve uma posição bastante ativa nos processos de preparação para a 4ª Conferência Mundial da Mulher e continuidade da Plataforma de Ação de Pequim ao longo desses 25 anos. Uma das grandes conquistas foi a criação de um órgão específico sobre direitos das mulheres e a adoção de políticas nacionais voltadas aos direitos das mulheres. Contudo, há desafios importantes a serem enfrentados por meio do fortalecimento e da expansão dos órgãos de políticas para as mulheres e orçamentos para viabilizar as políticas. Precisamos de novos modelos de financiamento, novas parcerias com várias partes interessadas e vontade política revigorada para garantir que as mulheres e meninas não sejam deixadas para trás do desenvolvimento.

Como a ONU Mulheres avalia o desempenho dos países ao longo desses 25 anos? O que piorou e o que melhorou?

Nenhum país no mundo alcançou a igualdade de gênero e há muito trabalho a ser feito. Mulheres em todos os lugares ainda trabalham mais horas, ganham menos, têm menos opções, são desproporcionalmente sub-representadas e correm o risco de violência em casa e em espaços públicos. Mais de 75% dos membros dos parlamentos em todo o mundo são homens.

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Apenas seis países do mundo concedem a homens e mulheres direitos iguais de trabalho legal (Bélgica, Dinamarca, França, Letônia, Luxemburgo e Suécia). A força de trabalho de gênero estagnou em 31 pontos percentuais em todo o mundo nos últimos 20 anos e, em média, realiza três vezes mais cuidados não remunerados e trabalho doméstico do que os homens.

Embora, nos últimos anos, as vozes de ativistas e sobreviventes, como do movimento #MeToo ou #Niunamenos, tenham atingido um crescimento, uma em cada três mulheres no mundo é impactada pela violência de gênero. Em 2019, 190 milhões de mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo não tiveram acesso a métodos contraceptivos.

Que tipo de comprometimento a ONU espera dos países agora que a conferência faz 25 anos? Quais deve ser as metas daqui para frente?

A prioridade é como os países atuarão para garantir que a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas seja uma realidade em 2030. O reforço aos compromissos firmados em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está sendo articulado por meio do Fórum Geração Igualdade, que acontecerá, em maio, no México, e em julho, na França, e por meio de seis coalizões de ação da Geração Igualdade: violência baseada em gênero; justiça e direitos econômicos; autonomia sobre o corpo; saúde e os direitos sexuais e reprodutivos; ação feminista pela justiça climática; tecnologia e inovação para a igualdade de gênero; e movimentos feministas e liderança.

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Cada coalizão lançará um conjunto direcionado de ações concretas para o período de 2020 a 2025 para proporcionar um impacto tangível na igualdade de gênero e nos direitos humanos das mulheres e meninas. O financiamento de resultados será uma parte central desta agenda, pois as lacunas de recursos sistêmicos até agora dificultaram o impacto das ações.