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Celina

Roxane Gay defende feminismo que leve em conta nossas contradições

Americana é autora de “Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa”
Roxane Gay “Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa” Foto: Jay Grabiec / Divulgação
Roxane Gay “Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa” Foto: Jay Grabiec / Divulgação

RIO - Roxane Gay lê revistas de moda e o rosa é a sua cor favorita. Gosta dos contos de fada, mas lamenta que os príncipes sejam pouco interessantes. Não quer ser obrigada a ter orgasmos em toda relação sexual simplesmente “porque as mulheres conquistaram esse direito” e, embora desaprove as letras misóginas, vira e mexe se pega requebrando ao som de rappers de impulso criativo duvidoso. E, sim, Roxane é feminista, provavelmente a mais celebrada do momento. Ela acaba de lançar no Brasil o livro “Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa” (Ed. Novo Século), uma coletânea de textos em que resume o seu ativismo.

Como o título do livro revela, Roxane não segue dogmas, tampouco se espelha em nomes célebres do movimento feminista americano, como Betty Friedan e Gloria Steinem. Ao contrário: “Adoto abertamente o rótulo de má feminista. E faço isso porque sou imperfeita e humana,” escreve ela na introdução ao livro. Mas intitular-se uma “má feminista” é também uma provocação ao que chama de “feminismo essencial”, que exige das mulheres o cumprimento estrito de suas normas, mas esquece de aceitar as contradições inerentes a cada uma delas.

— Minha crítica é que, historicamente, o feminismo se foca nas necessidades de mulheres brancas e heterossexuais, das classes média e alta. Acredito que o feminismo, em seu melhor, é para todos. É importante que inclua as múltiplas identidades que habitam em todos nós — explica Roxane, em entrevista por e-mail.

Americana, de origem haitiana, Roxane, 41 anos, é negra, gorda (assunto de seu próximo livro “Hunger”, com lançamento previsto para este ano nos Estados Unidos) e assumidamente bissexual. Seu livro está na lista dos mais vendidos do “New York Times”, jornal para o qual escreve periodicamente; é professora associada de Inglês na Purdue University, em Indiana; doutora em Retórica e Comunicação Técnica pela Michigan Technological University e autora do romance “An untamed State”. Ah, sim, Roxane também é conferencista do TED. Ela é pop. Mesmo assim...

— Eu entendo que por meio dos meus escritos e do meu trabalho as pessoas se sintam inspiradas. Mas não quero ser colocada em um pedestal. Não quero ser a única voz feminista. O feminismo colocou algumas mulheres no pedestal para depois tirá-las, negando o trabalho que fizeram. Precisamos seguir em frente.

“Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa” Foto: Divulgação
“Má feminista — ensaios provocativos de uma ativista desastrosa” Foto: Divulgação

O que ela quer é conciliar a luta pelos direitos das mulheres — Roxane defende a igualdade de salários, o acesso a métodos contraceptivos e a decisão soberana da mulher sobre seu corpo, inclusive no aborto — com os de outros grupos marginalizados pelo status quo, como negros e LGBT. Para isso, em seus ensaios e palestras, constrói uma crítica cultural ao mesmo tempo severa e bem-humorada, misturando a cultura pop com episódios de sua própria vida. Roxane escreve e fala abertamente sobre o abuso sexual que sofreu na adolescência (e que deixou de herança a compulsão alimentar), sobre a dificuldade em se identificar com personagens femininas em filmes dirigidos por brancos e do medo que sente de que os colegas de trabalho pensem que ela conseguiu o emprego por meio de um programa de cotas.

— A ação afirmativa é necessária para se corrigir uma longa e dolorosa história de desequilíbrios estruturais. Mas não é a explicação para o sucesso alcançado por pessoas marginalizadas — conta ela, que vê a escassez de modelos negras nas revistas de moda com o mesmo olhar crítico. — Publicar uma edição celebrando a beleza negra, como muitas revistas fazem, é uma medida corretiva, mas demonstra pouca visão e inadequação. Todas as edições deveriam ser diversas já que a beleza se apresenta de formas diferentes.

Por falar em beleza, Roxane só descobriu que uma negra poderia ser bonita aos 10 anos, quando Vanessa Williams ganhou o título de Miss América. Foi a primeira negra a usar a coroa em 63 anos: “um momento que nos fez acreditar que também poderíamos ser bonitas.”

Hoje, ela admira personas femininas fortes e contraditórias como Beyoncé, a quem chama de “deusa”, que recentemente afirmou-se feminista, e Katniss Everdeen, a heroína da série “Jogos Vorazes”, vivida no cinema por Jennifer Lawrence.

— Esperamos que heróis e heroínas sejam perfeitos o tempo todo, mas Katniss inspira por ser ela mesma: passional, vulnerável, forte, humana — diz Roxane, ressaltando que, se homens e mulheres desempenham papéis de acordo com as expectativas da sociedade, elas levam a pior por não cumprirem “as metas”. — São punidas tanto por desempenhar sua feminilidade quanto por não fazê-lo — afirma.

Por isso, ela acredita que o feminismo é mais necessário do que nunca: “prefiro ser uma má feminista a não ser feminista de modo algum”.